A Bhava Biocosméticos Livres precisou romper as barreiras de uma ecovila para crescer

Maisa Infante - 4 out 2018
Leandro Pinheiro e Priscila Borges trocaram a cidade grande pelo mato. De repente, se viram fabricando cosméticos em escala — sem perder a essência e o propósito de uma vida mais simples.
Maisa Infante - 4 out 2018
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Leandro Pinheiro e Priscila Borges, ambos com 38 anos, são os sócios da Bhava Biocosméticos Livres. Sócios na linguagem tradicional do mundo dos negócios, porque no tipo de empreendimento que eles criaram — em rede — gostam de ser chamados de “iniciadores”. Levando em conta o significado do nome Bhava, que vem do sânscrito, iniciadores de uma empresa repleta de  emoção que, desde 2015, produz cosméticos naturais e veganos em um sistema open source (ou seja, as receitas, custos e fornecedores são abertos para fomentar novos empreendedores e ativar uma economia mais colaborativa). Leandro fala mais a respeito desse modelo: “Saímos de uma relação de consumidor e produtor e entramos em uma relação de comunidade que se apoia”. E continua:

“Como as receitas são todas abertas, a gente recebe muitos feedbacks, usados para aprimorar os produtos”

O casal mora em São Lourenço (MG), uma cidade de 40 mil habitantes, e tem uma história de empreendedorismo que passa pela mudança de São Paulo para uma ecovila, onde houve muito aprendizados sobre cooperação, sustentabilidade e compartilhamento. Ao contrário do que pode parecer, à primeira vista, optar por uma vida mais sustentável e próxima à natureza não significa uma negação dos negócios e do dinheiro. Tem mais a ver, segundo eles, com escolher a vida que se quer viver e bancar essa decisão.

DEPOIS DE MIL QUESTIONAMENTOS, ELES SE MUDARAM PARA O MEIO DO MATO

Leandro é formado em Administração de Empresas, com MBA em Finanças, trabalhou como operador da bolsa de valores e com educação financeira até sentir que esse não era o caminho que queria seguir. “Durante a crise de 2008, vi pessoas próximas se matarem porque perderam tudo e, embora eu já estivesse em uma área mais voltada para a educação, vi que estava me enganando. Mesmo não sendo da área operacional, estava captando clientes para as corretoras. Pensar nisso mexeu comigo”, diz.

Quando vieram os filhos, que hoje estão com 7 e 8 anos, o casal começou a questionar mais profundamente algumas escolhas, principalmente a educação das crianças. Foi quando decidiram desescolarizá-los. “Ao mesmo tempo, estávamos passando por um processo de transformação e questionando, também, os modelos tradicionais de trabalho”, conta o empreendedor.

A primeira mudança ocorreu em 2010, quando ele abandonou o mercado financeiro e se jogou para empreender o site Fica Lá em casa, um “Airbnb brazuca”. Naquela época, a plataforma ainda não havia desembarcado no Brasil (isso aconteceu em 2012) e Leandro conta que nem sabia de sua existência no exterior.

A ideia surgiu, justamente, porque ele estava buscando modelos mais colaborativos de negócios. O Fica Lá em Casa durou um ano e meio, tempo suficiente para, segundo ele, “abrir um portal para a economia colaborativa”, além de deixar lições que foram usadas na hora de colocar a Bhava em pé. “Às vezes, o empreendedor cria uma mega estrutura achando que vai ter público para aquilo. A gente abriu a plataforma e não tinha comunidade no Brasil para aquele serviço.”

Em 2012, o casal resolveu deixar São Paulo e se mudar para Itatiba (no interior paulista, mas ainda próximo à capital), na busca de uma vida mais tranquila. Ao mesmo tempo, os dois se envolveram em projetos ligados à cultura colaborativa, como a Laboriosa 89. “Vivemos esse processo muito intensamente. A Bhava surgiu para ser um campo de experimentação de todo esse aprendizado”, conta.

Já pensando em uma maneira de viverem mais conectados com a natureza, eles foram conhecer diversas ecovilas pelo país até chegarem à Terra Uma, na Serra da Mantiqueira (MG). Foi pelo programa de educação para a sustentabilidade Gaia Education, do qual a ecovila é parceira, que eles se apaixonaram pela ideia de uma vida mais sustentável e com novas relações e decidiram, então, fazer a mudança da cidade para o mato.

A princípio, foram por três meses. Mantiveram toda a estrutura de vida que tinham no interior como garantia. Terminado o período de experimentação, alugaram a casa e fizeram a mudança definitiva na virada de 2015 para 2016. Leandro conta:

“É um salto no escuro sair da falsa garantia da cidade e ir morar no mato com dois filhos, mas quando tivemos a certeza dessa escolha, deixamos as amarras e fomos”

Além dos medos próprios que existiam, mas já estavam sendo suavizados com todo o processo de contato com essa cultura da colaboração, os dois precisaram enfrentar a reação de amigos e familiares. “Ao tomarmos essa decisão, abrimos mão de atender as expectativas do outro. Quando decidimos ir morar no mato houve certa resistência e angústia da parte de quem vê pouco sentido nessa opção. Nossas famílias ficaram apreensivas, com medo, questionaram um pouco, mas estava tão claro para a gente que era o que queríamos, que não tinha muito como eles não aceitarem”, diz Priscila.

É PRECISO SABER A HORA DE ROMPER A BOLHA

Os primeiros produtos da Bhava foram fabricados ainda na casa de Itatiba, em São Paulo, em uma escala muito pequena e com o investimento de 5 mil reais. Priscila, que é terapeuta ocupacional, foi aprender sobre esse universo dos cosméticos e, já na ecovila, que fica a 40 minutos da cidade mais próxima e não tem internet, eles transformaram um trailer em uma pequena fábrica. Nesse momento, a produção era artesanal, vendida dentro da comunidade, tanto para moradores quanto para visitantes.

A Botica Móvel, que lembra o trailer onde o casal começou a fabricar seus produtos, é o espaço que a Bhava leva para eventos.

O salto para deixar de ser uma empresa caseira e se tornar comercial veio este ano, quando o casal se mudou da comunidade para a cidade de São Lourenço (MG) a pedido dos filhos. “Estávamos em poucos moradores na ecovila e só havia mais uma criança além deles. Foi quando começaram a pedir mais interação social e a gente decidiu ir para uma cidade próxima, onde tem uma escola Waldorf”, afirmam.

Ao mesmo tempo, já existia uma demanda maior pelos produtos da Bhava e eles decidiram, mais uma vez, experimentar o novo. “A gente vê a Bhava como um organismo vivo. O caminho que ela vai tomar é o que faz sentido para as pessoas que estão interagindo. E as coisas começaram a confluir para isso. Fomos convidados para participar de uma feira vegana no Rio de Janeiro e os produtos fizeram o maior sucesso. Começamos a estruturar e vimos que era esse o caminho que o negócio estava querendo tomar naquele momento”, fala Priscila.

COMO FABRICAR EM ESCALA SEM PERDER A ESSÊNCIA DO ARTESANAL

Em uma fase de expansão e com uma produção que gira em torno de 5 mil itens por mês, a Bhava fez parcerias com duas pequenas fábricas de São Paulo, que já possuem todas as autorizações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), fundamentais para conseguir entrar em pontos de venda importantes. Também começaram a aparecer alguns contatos de grandes redes de varejo interessadas nos produtos que, por enquanto, contam com 20 revendedores diretos e estão em 15 pontos espalhados pelo Brasil — principalmente lojas de produtos naturais. Leandro fala sobre essa questão de crescer sem perder a essência:

“Agora estamos nesse conflito de manter o negócio pequeno, em lugares que fazem mais sentido, ou abrir para uma rede maior e conseguir acessar outro público”

O empreendedor diz estar sempre aberto ao novo, mesmo que isso signifique adentrar um mercado mais tradicional e, teoricamente, incompatível com o modelo de vida que eles escolheram. “É uma membrana permeável o tempo todo. A gente acredita muito que esses mundos possam conversar. Claro que há coisas que não faríamos porque ferem os nossos princípios, mas acho que é preciso romper com os estereótipos.”

Entre os produtos do portfólio da Bhava estão desodorantes, cremes hidratantes e enxaguante bucal. Todos naturais e veganos.

O modelo da Bhava para lojas segue uma lógica tradicional, de ter um preço de atacado com uma margem de lucro. Hoje, há cerca de 50 produtos no portfólio da empresa como hidratante (59 reais), sérum facial (39 reais), óleo corporal (35 reais), desodorante creme (22 reais) e shampoo sólido (25 reais). Para as feiras do setor, eles preferem negociar individualmente.

“Nossa proposta é ser o que faz sentido para aquelas pessoas, naquela hora e naquele contexto. Não há um modelo engessado. Há casos em que os produtos ficam consignados e têm um valor fixo, outros em que a gente recebe uma porcentagem sobre as vendas ou fazemos um parcelamento diferente”, conta Priscila. Ela ainda afirma: “Isso faz parte de ter uma relação de venda mais humanizada”.

Já o tamanho da rede de pessoas que fazem seus produtos por conta própria por meio do sistema open source, eles não conseguem mensurar, mas acreditam que muita gente usa as receitas e os kits da Bhava pra produzir em pequena escala e presentear amigos ou mesmo para uso pessoal. Até hoje, eles não souberam de nenhum problema com os cosméticos, como reações adversas, mas por terem chegado em uma escala comercial, decidiram distinguir a Bhava Biocosméticos Livres, que é o produto que eles vendem, da Bhava Artesanal, que é o selo usado pelas pessoas que usam as receitas para fazer suas pequenas produções.

VIVER PERTO DA NATUREZA, MAS COM DINHEIRO

Por terem escolhido uma vida mais próxima da natureza, com princípios de cooperação, cocriação e colaboração, Leandro conta que muita gente os vê como pessoas que optaram por ganhar pouco e viver passando necessidade. Ele afirma, no entanto, que essa é uma visão equivocada:

“Não sou o bonzinho da história. O que faço é só um novo modelo de negócio, que também visa lucro, mas em outra relação. Não é a qualquer preço e não é na base da exploração”

O casal não vê problema em seus filhos estudarem em uma escola particular e, como empreendedores, olharem para as planilhas pensando no crescimento do negócio. “O problema não está no dinheiro, mas no que as pessoas fazem com ele e como fazem para tê-lo”, diz o empreendedor.

Neste ano, a perspectiva é que a Bhava fature cerca de 360 mil reais, um valor parecido, segundo Leandro, com o que ele ganhava quando trabalhava no mercado financeiro. “Era o mesmo faturamento, mas bancando um padrão de vida muito mais alto.”

Embora tenha dado aulas sobre negócios, quando ainda morava em São Paulo, Leandro escolheu não fazer um plano formal para a Bhava pois, de acordo com ele, isso seria irreal em um modelo fluido. Porém, a dupla trabalha com objetivos bem definidos que, neste momento, são expandir o mercado e o acesso aos produtos, além de estruturar a loja virtual.

Muitos podem se questionar se tudo isso não é um contrassenso, já que eles saíram de São Paulo para buscar uma vida mais tranquila e, de repente, estão em um ritmo intenso de trabalho, produzindo na capital, embora ainda morem muito próximos da natureza. Leandro tem a resposta na ponta da língua: “Nada disso é definitivo. Está acontecendo como a gente quis fazer e tem muito mais a ver com a nossa experiência do que com os resultados comerciais. Estamos felizes agora. Se não gostarmos mais, podemos parar”. O maior aprendizado da Bhava talvez seja esse: saber aproveitar o momento.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Bhava Biocosméticos Livres
  • O que faz: Cosméticos naturais e veganos com receitas open source
  • Sócio(s): Leandro Pinheiro e Priscila Borges
  • Funcionários: Apenas os fundadores
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 5.000
  • Faturamento: R$ 360.000 (previsão para 2018)
  • Contato: [email protected]
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