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A cultura africana ainda tem pouco espaço no currículo escolar. O Alfabantu quer mudar isso com um app que ensina o quimbundo

Odara Dèlé - 29 jan 2021 Odara Dèlé, fundadora do aplicativo Alfabantu, professora e escritora.
Odara Dèlé, fundadora do aplicativo Alfabantu, professora e escritora.
Odara Dèlé - 29 jan 2021
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Quero compartilhar aqui algumas experiências pessoais que colaboram para a construção da minha trajetória, que inclui educação, tecnologia e africanidades como caminho para alcançar um grande sonho: a transformação social.  

Uma das vias que encontrei para construir uma sociedade mais igualitária para crianças, em especial as negras, foi utilizar os meios já existentes no cotidiano infantil para desenvolver ações paralelas de conhecimento. 

AS PALAVRAS DE MALCOM X DESPERTARAM MEU DESEJO DE MUDANÇA

Esse propósito de vida teve início ainda na minha adolescência, a partir da leitura da autobiografia de Malcolm X. Até hoje me lembro da sensação de ler cada frase desse líder que foi tão importante na história da população negra norte-americana e que, concomitantemente, tornou-se uma das referências dos movimentos negros brasileiro. 

Com o passar dos anos, construí um olhar crítico sobre a teoria e prática de Malcolm X. Porém, não posso negar a relevância da sua obra em minha vida.

Todos os parágrafos lidos se apresentaram como respostas para perguntas internas de minha adolescência questionadora e fizeram com que o desejo de transformação do mundo que eu nutria, considerado muito ambicioso (quiçá utópico), se tornasse possível. 

A partir dessa leitura, consegui atribuir nome aos sentimentos que muitas vezes não conseguia compreender — mas sentia.

As palavras de Malcolm X fizeram a dor presente do racismo no meu cotidiano ter um lugar de acolhimento e ao mesmo tempo reforçaram um desejo interno de mudança

Suas ideias romperam com meu conformismo frente ao mundo. E, com isso, pude vislumbrar mudanças — mesmo sem saber, a princípio, exatamente como agir.

A única coisa que tinha era aquela sementinha plantada, que cada dia apontava para caminhos possíveis. A busca, no entanto, era apenas uma: ser um canal potencializador de igualdade. 

A EDUCAÇÃO FOI O CAMINHO QUE ENCONTREI PARA TRANSFORMAR O MUNDO

Uma das formas que encontrei para fazer valer meu propósito foi atuar no campo da educação nos territórios periféricos da Zona Norte de São Paulo.

Me aprofundei em pautas étnico-raciais, criando atividades lúdicas de aproximação das crianças ao continente africano

O objetivo era navegar por uma educação alternativa que contemplasse as dimensões sociais e culturais dos povos africanos que constituíram a história brasileira.

Simultaneamente a essas ações, pude estar “face a face” com os desafios dos docentes e educandos das escolas públicas.

AS NECESSIDADES DAS PERIFERIAS E DAS ESCOLAS PÚBLICAS REFINARAM MEU OLHAR

Citei essas experiências na minha trajetória para ressaltar o quanto a circulação por diferentes espaços ampliou minhas perspectivas sobre o mundo.

Assim, pude pensar em outras possibilidades para a educação, refletindo sobre movimentos de contraposição ao regime rígido e obsoleto presente no ensino formal.

Estar na escola pública como docente, em paralelo aos projetos realizados nas ruas e vielas das periferias, me permitiu olhar com mais atenção para os pontos positivos e, sobretudo, para os desafios que a educação (formal e não formal) enfrentam.

COMO UM APLICATIVO PODE AJUDAR A RESGATAR NOSSA ANCESTRALIDADE

Com atenção aguçada para esses movimentos de aprendizagem, surgiu a ideia, em 2017, de criar um aplicativo para as crianças estarem mais próximas às heranças ancestrais: o Alfabantu.

Para isso acontecer, optei por trabalhar com a língua e a tecnologia, dois elementos muito presentes na vida das crianças. 

Por meio do quimbundo, língua originária do território africano nas regiões da República do Congo e Angola, busquei retomar a herança dos povos bantos que foram ignorados nos currículos escolares, mas que permaneceram vivas no vocabulário brasileiro em palavras como moleque, caçula, mocotó…

A plataforma é gratuita. Nela, as crianças aprendem frases e vocabulário relacionados a animais, números, partes do corpo humano, saudações, além de diversas outras palavras. E podem, depois, testar o conhecimento através de um quiz.

CONSEGUI APROXIMAR  AÁFRICA DA SALA DE AULA DA ÁFRICA NO BRASIL (E NO MUNDO)

Ao iniciar os trabalhos com o aplicativo Alfabantu, não tinha muitas expectativas. A ideia central era criar uma ferramenta viável e poderosa para estar nas salas de aula de modo acessível e fazer todos compreenderem a riqueza da África. 

Para meu encantamento, o aplicativo atingiu todas expectativas e mais um pouco. Essa produção brasileira voou para vários países e chegou nas mãos de moradores de Angola, Moçambique, Reino Unido, Polônia e Portugal

Gente que compartilhava direta e indiretamente a mesma intenção de transformação social por meio do fortalecimento e preservação das heranças ancestrais africanas.

Hoje posso dizer, porque vivenciei isso na prática, que a tecnologia é, de fato, uma ferramenta facilitadora de aprendizagem. E também, uma ponte de conexão de redes e de conhecimento. 

 

Odara Dèlé é especialista em educação pela CELACC/USP, docente da rede pública de São Paulo, autora do livro infantil bilíngue Lukenya e Seu Poder Poderoso (LiteraRUA, 2019) e empreendedora social à frente do Alfabantu.

 

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