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“Fazemos chegar às periferias insumos financeiros e educacionais. Mas não somos colonizadores, não fincamos bandeiras”

Paulo Vieira - 14 fev 2025
Jairo Malta, cofundador da Confluência das Favelas.
Paulo Vieira - 14 fev 2025
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Quando se pensa nas organizações sociais presentes nas favelas e comunidades do Brasil, é praticamente incontornável mencionar a Central Única das Favelas (Cufa), a Gerando Falcões e o G10 Favelas. E, por tabela, seus líderes, “dealmakers” e eventuais fundadores, Preto Zezé, Edu Lyra e Gilson Rodrigues, respectivamente.

Com muito espaço na mídia e trânsito entre financiadores, essas lideranças se tornaram ubíquas nos últimos anos, captando recursos, participando de eventos governamentais e, talvez mais importante, tornando-se os grandes porta-vozes brasileiros do tema favela. Desde 2023, contudo, uma outra organização se alevantou.

É a Confluência das Favelas, projeto de um carioca do Jacaré, Thiago Nascimento, e de um paulistano do Grajaú, Jairo Malta, este também fundador da Corre, consultoria de captação de recursos e de letramento para essa finalidade, voltada especificamente para organizações sociais periféricas.

A CONFLUÊNCIA TRABALHA EM REDE COM 35 ORGANIZAÇÕES PERIFÉRICAS

Jairo diz que, à diferença das três grandes entidades citadas, a Confluência opera de maneira horizontal, sem “fincar bandeiras”, capacitando lideranças e criando comitês de governança dentro das organizações por ela apoiadas. 

A Confluência surgiu no Rio, seus líderes são do Sudeste, mas a entidade tem atuação em todo o Brasil, em particular nas regiões mais economicamente desfavorecidas, o Norte e Nordeste. 

“Nossa premissa é fomentar quem está lá [nas comunidades], e não ir ao lugar em que as pessoas moram há ‘mil anos’ e indicar o que fazer. Não é nosso lance chegar e dizer: ‘Essa casa agora é da Confluência’. A gente não é colonizador. Criamos uma rede e por meio dela fazemos chegar aos territórios insumos financeiros e educacionais”

A Confluência trabalha em rede com 35 organizações periféricas, mas tem mapeadas alguns milhares delas em todo o Brasil. 

Como a Visão Coop, da Baixada Fluminense, que atua para mitigar os impactos das mudanças climáticas em Queimados, na região metropolitana do Rio. A partir de dados abertos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Visão Coop foi capaz de prever inundações e, segundo Jairo, mobilizar planos de contingência junto ao governo fluminense para evacuação da população de áreas de Queimados antes que o pior acontecesse.

Outra instituição abrigada no hub da Confluência é a Decodifica, de geração e consolidação de dados. Como a Decodifica mesmo explica em suas redes sociais, seu trabalho visa preencher a lacuna de dados que moldam políticas públicas, muitas vezes distantes da realidade das periferias (…) Essa desconexão leva a decisões ineficazes e oportunidades perdidas para melhorar a vida nessas comunidades”.

Foi com a informação sistematizada pela Decodifica que a Confluência montou um documento que, segundo Jairo, impressionou a cúpula da Secretaria Nacional de Periferias do ministério das Cidades nas reuniões preparatórias para o G20 Social, a contraparte “periférica” do encontro dos líderes mundiais que aconteceu no Rio, no final do ano passado. 

Soluções pensadas em comunidades de um determinado estado e mapeadas pelo Decodifica mostraram-se perfeitamente replicáveis em outras quebradas. As mazelas históricas, afinal, são comuns; os diagnósticos, muito semelhantes.

“A grana com que trabalhamos não é esmola, ela é trocada por muita informação, estrutura, uma grande base de conhecimento dos problemas das periferias”

As reuniões para o G20 renderam e, por fim, durante o encontro formal dos líderes, no Rio, a delegação da África do Sul, país que agora ocupa a liderança rotativa do conjunto de nações, esteve no encontro da Confluência, um churrasco ao largo da programação oficial. Também ali compareceram executivos do BNDES e de companhias como a Vale. A Cufa também se mobilizou, fazendo summits internacionais preparatórios, três deles em países africanos.  

Nos dois últimos anos, a Confluência se voltou exclusivamente para a mobilização periférica por justiça climática, problemática que agora serve de filtro para a seleção das entidades a ser acolhidas. 

A ideia é estabelecer um “foro permanente” de discussão em sustentabilidade para “incidir sobre políticas públicas”. Trata-se ainda de capacitar as organizações para receber os recursos que irrigam projetos dessa temática e que vêm chegando ao Brasil com certa força por conta da liderança do país e da organização da COP30, a Conferência das Partes, em Belém, em novembro. 

COMO TRAZER A PERIFERIA PARA O CENTRO DO DEBATE CLIMÁTICO

Jairo vem falando bastante do “Pequeno Manual de Justiça Climática”, projeto apoiado pelo Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo que objetiva criar material didático e promover curso básico sobre o tema para que os “primeiros a ser afetados” – os habitantes das periferias – e suas lideranças “compreendam, participem e busquem fomento” para seus projetos. 

Ele costuma dizer que a temperatura média em Paraisópolis, a grande comunidade da região do Morumbi, em São Paulo, chega a ser até nove graus maior do que a temperatura do entorno, uma das áreas mais densamente arborizadas da capital paulista.

“Nos últimos anos a Conferência captou 500 mil dólares junto à Open Society [fundação do investidor e benemérito George Soros] e 400 mil reais com o Instituto Itausa. Este ano vai ser maluquice. Clima nem é uma pauta que me agrade, não sou ativista climático, mas eu tenho a mesma pele das pessoas que têm suas casas afundando na lama, que morrem com calor ou com as águas das enchentes”

Mesmo graduando-se nos protocolos e na etiqueta das solenidades e cerimônias internacionais de doação de recursos, Jairo não consegue deglutir muito bem alguns desses eventos, notadamente aqueles em que sua presença parece ajudar o anfitrião a pagar de amigo da diversidade.

Recentemente, um encontro em Nova York levou-o, ato contínuo, ao LinkedIn: “Esses jantares finos em São Paulo, Nova York ou Dubai, em que 99% dos convidados são brancos, ricos e bem alinhados, captam dólares para pagar cozinheiras igualmente brancas e ricas. É dinheiro girando para o mesmo lugar, com a mesma gente. Enquanto isso, Paraisópolis, Baixada Fluminense, qualquer favela que você pensar, está desmoronando. (…) Vendem a ideia de sustentabilidade em discursos e selfies, mas, na prática, o dinheiro continua indo pro mesmo lugar — pro ralo de ouro de algum hotel cinco estrelas.”

UM CASO DE AMOR COM BELÉM

A ligação de Jairo, ex-designer do portal Glamurama e da revista Poder e ex-repórter do caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo – ele ainda mantém uma coluna no diário, a “Sons da Perifa” –, com as quebradas do Brasil se deu de maneira um tanto casual, depois que ele visitou Belém e o festival de música Psica. Em 2025 o evento vai para seu 13ª ano.

Seduzido pela grandiosidade e variedade do que viu e ouviu, e talvez ainda mais pela história dos irmãos fundadores do Psica, Jeft e Gerson Dias, moradores de uma comunidade de Ananindeua, cidade-dormitório de Belém, ele se apresentou ao duo para dizer que tinha vontade de trabalhar com eles. Não sabia o que propor, mas confiava na sua capacidade de relacionamento e acabou por conseguir mandato para captar recursos para o evento, não obstante jamais ter feito isso na vida.

Para encurtar a história: Jairão conseguiu fazer de Ambev, Nubank e Petrobras patrocinadores-masters do Psica, levantou cerca de 10 milhões de reais e ajudou o festival a se expandir. O evento, que acontece no Mangueirão, principal estádio de futebol de Belém, distribui-se agora por 16 palcos simultâneos.

Nos corres que se seguiram a essas primeiras conversas no Pará, ele se surpreendeu com a dificuldade, quando não a total ignorância, de atores importantes do ecossistema, perfeitamente elegíveis a recursos de patrocínio e renúncia fiscal, de acessarem o cascalho.

“Eu estava numa mesa com o KondZilla e eu perguntei por que ele não colocava os artistas dele em editais. E o Kond me perguntou: ‘Edital é esse negócio de concurso público?’ Bicho, se nem o Kondzilla sabe como isso funciona, imagina por aí” 

Mais do que nunca, ele viu que era importante fazer o letramento nas quebradas, para que os recursos pudessem chegar lá, e não, como gosta de dizer Jairo, “para levar outro show do Caetano Veloso para gente branca.”

Em 2025 Jairo ainda toca dois projetos de peso com a Ambev, ambos de inclusão produtiva, abrigados dentro do hub que a transacional brasileira chama de Bora. Os projetos preveem capacitação em empreendedorismo para 6 mil pessoas no Ceará e o triplo disso no Paraná. 

A Corre ficou responsável por mapear as comunidades, implementar as ações, fazer o trânsito burocrático e ainda coordenar os comitês gestores nos dois estados. No Ceará, com trabalhadores ligados à produção de fécula de mandioca; no Paraná, com costureiras em atividades ligadas à economia circular.

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