Será que o YouTube pode substituir a TV? Essa pode não ser abertamente a ambição do Google, que é dono da plataforma de compartilhamento de vídeos, mas há indicações que eles estão em processo de se reinventar. Este processo, que talvez seja a grande disrupção que o YouTube traz ao mercado, já pode ser percebido na troca da TV tradicional pelo YouTube como plataforma para veiculação de filmes comerciais. Isso chacoalha o grande pilar da indústria da mídia no Brasil: o filme de 30 segundos em horário nobre na TV aberta.
Este abalo não é destruidor, mas os tempos estão, definitivamente, mudados. Recentemente o youPIX lançou o minidoc The Creators Shift, no qual explica quem são os novos personagens de um ecossistema no qual as audiências estão muito mais dispersas, mas não menos engajadas. O que são os creators? Blogueiros, youtubers, snapchatters, instagrammers, viners e toda sorte de criadores de conteúdo digital que estão construindo um novo mundo. “O poder de determinar o que as pessoas devem pensar não está mais nas mãos das empresas de mídia. Se expressar e ter audiência não está mais ligado a poder econômico. O anônimo se mostrou comum e virou gigante”, diz o filme. Assista.
Os grandes anunciantes da TV aberta já perceberam isso e trouxeram os youtubers (gente que tem canais próprios e audiência cativa e ativa na plataforma) para vender seus produtos no horário nobre. A estratégia é usar as celebridades da internet para ter credibilidade e acesso ao público jovem. Assim, Iberê Thenório (do Manual do Mundo, 4,5 milhões de assinantes) vende Kit Kat. Camila Coelho (MakeUpbyCamila, 2,5 milhões) estrela campanha da Tressemé no próprio Youtube e na TV, Christian Figueiredo (do Eu Fico Loko, 4 milhões) protagoniza campanha da Claro e muitos outros arranjos parecidos se formam.
Há pouco mais de um mês, o Wall Street Journal informou que o Youtube está negociando com estúdios de Hollywood e outras produtoras independentes para obter direitos de transmissão de séries de TV e filmes para seu recém lançado serviço de assinatura — o YouTube Red, versão paga e sem anúncios do Youtube — numa estratégia para enfrentar Netflix e Amazon. O jornal informou que a ideia é disponibilizar conteúdo antigo e produções originais a partir de 2016.
Outro sinal de aproximação e mescla de mercados é que o Youtube começa a atrair um número cada vez maior de agências de publicidade, a fim de viabilizar um ecossistema mais profissional e uma melhor qualidade de conteúdos criativos.
André Zimmermann, publicitário e fundador da NetCos, empresa que se posiciona como um viabilizador de projetos para diversas marcas no YouTube, fala a respeito: “Os vídeos online unem o melhor da TV e da internet. Temos o formato audiovisual, consagrado pela TV, e temos a interatividade do digital, com possibilidade de resposta imediata ao conteúdo publicado. Nas plataformas de vídeo online, e o YouTube é hoje a principal delas, os protagonistas dos canais não são inatingíveis e distantes, são em geral pessoas comuns, semelhantes às suas audiências e expressando-se de forma livre, aberta e direta”. Os creators de quem o youPIX fala.
COMO A PUBLICIDADE ESTÁ NO YOUTUBE HOJE
A presença da publicidade nos conteúdos de vídeo online pode se dar de diversas formas. A mais conhecida e, ainda hoje, mais usada, é a do pre-roll, vídeos de 30 segundos que antecedem o conteúdo que o usuário quer ver no YouTube e que pode ser “pulado” após os cinco segundos iniciais. Este é o formato mais parecido com o da TV e muitas marcas ainda usam este espaço para replicar seus comerciais de TV online. Foi assim que as agências começaram a fazer suas campanhas na plataforma. Em pouco tempo, perceberam que essa não era a melhor estratégia e passaram a fazer produções próprias para o digital, usando a linguagem do meio, com mais ousadia.
“O modelo de pre-roll não deixa de seguir a máxima dos principais formatos de publicidade usados nas outras mídias: a interrupção”, diz André, e descreve uma alternativa a isso, que é o principal diferencial da sua NetCos: “Trabalhamos com a integração de marcas em conteúdos, feita de forma contextualizada, produzido em parceria com o criador de conteúdo do canal, buscando usar a mesma linguagem. Neste processo a marca sai do papel de interruptora e se torna a viabilizadora do conteúdo”.
Mas será que os comerciais em horário nobre estão com seus dias contados? Na opinião de Bob Wollheim, head of digital do Grupo ABC, essas plataformas são complementares, com mídias e públicos diferentes: “Não concordo com a ideia da morte de um para a vida do outro. Há uma somatória. O YouTube é um elemento adicional, uma nova opção de exposição da marca”.
Para Bob, a interrupção de um comercial pre-roll não é das coisas que mais funciona, mas quando se extrapola isso para a produção de conteúdo, os resultados são incríveis:
“O YouTube oferece uma condição maravilhosa para as agências de publicidade a partir do momento em que a propaganda se expande, fica menos intrusiva, mais on demand”
Mesmo diante de todos esses avanços e do potencial das plataformas de vídeo online, Bob aponta uma peculiaridade do mercado de mídia no Brasil para mostrar que as verbas podem até migrar, mas não de forma radical. “Os volumes de audiência no horário nobre da TV aberta são enormes, tiveram quedas, mas ainda são muito grandes. As pessoas costumam dizer que nós temos um Super Bowl a cada noite na TV Globo. Isso não é muito comum em outros países em que a audiência da televisão é muito mais fragmentada. Isso não pode ser desprezado nunca”, diz.
Ele entende que as novas alternativas representem um papel importante, crescente e que serão uma grande provocação: “A tendência é que as coisas se acomodem e o que fizer sentido em um filme de 30 segundos no horário nobre para atingir alguns milhões de pessoas continuará sendo publicado ali e provavelmente será complementado por views, por tweets, por presença no Facebook, no Google, no Youtube etc”.
Segundo dados do próprio YouTube, hoje a plataforma atinge mais adultos de 18 a 49 anos que qualquer rede a cabo nos EUA e conta com mais de um bilhão de usuários no mundo, quase um terço do total de usuários da Internet. Outros dois dados comprovam essa nova tendência de uso do canal: o número de usuários que começam a assistir o YouTube pela página inicial, como fariam quando ligam a TV, triplicou e o número de horas de visualização dos vídeos cresceu 60% no último ano.
UM NOVO ECOSSISTEMA SE FORMA
Seguindo este movimento, o YouTube vive um momento de expansão no Brasil. Com uma comunidade vibrante de youtubers e um público cada vez maior e mais engajado — o Brasil tem mais de 100 canais com mais de 1 milhão de assinantes —, era natural um aumento do interesse comercial e com isso a formação de um ecossistema mais profissional.
O AdSense é a forma mais comum de se ganhar dinheiro com vídeos online hoje. Trata-se de um serviço de publicidade oferecido pelo Google onde os donos dos canais de YouTube podem se inscrever para exibir anúncios em seus canais e e gerar lucro baseado na quantidade de visualizações desses anúncios.
Hoje, além dos canais e seus criadores, existem os agentes dos canais (como a IQ e a FTPI), que são como empresários e tratam de criar receita para que os youtubers se preocupem só em criar, e as Multichannel Networks ou redes de canais (como a Rede Snack, a Network Brasil, a Paramaker) que funcionam quase como emissoras de TV dentro do YouTube. As MCNs (nome mais usado pelo mercado) são grandes centrais de conteúdo, reunindo canais de diferentes assuntos e formatos em um mesmo lugar, bem parecido com uma grade de programas televisivos.
Como em toda nova cadeia produtiva, essa rede de profissionais está se conhecendo e se ajustando. Existem muitos youtubers de destaque que ainda preferem fazer tudo por conta própria, sem dar exclusividade para nenhum agente ou aderir a uma rede de canais nacional ou internacional.
Paulo Cuenca, fundador canal de gastronomia Dani Noce (750 mil assinantes), onde ele e a mulher, a Dani, mostram receitas de confeitaria de forma descolada e divertida, é um desses: “O modelo de negócio de uma MCN tradicional é ganhar centavos em cima de milhares de criadores. É algo que dá muito dinheiro para o dono da MCN mas é horrível para 99% dos youtubers”. Ele prossegue, dizendo que a network diz que vai pegar um percentual do AdSense de youtuber e em troca vai aumentar o seu CPM (custo por mil visualizações), mas a enorme maioria dos canais não consegue nem sobreviver de AdSense e não existe nenhum acompanhamento nem nada que a MCN faça de fato pro seu canal crescer. “Esse é um modelo interessante só para os grandes youtubers. Para esses caras, as networks propõem acordos em que não ficam com parte do AdSense, mas podem usar a imagem deles para atrair youtubers menores. É uma troca justa sem custos para os dois lados”.
A gerente de parcerias estratégicas do YouTube, Amy Singer, afirmou que os brasileiros formam hoje o segundo mercado consumidor de vídeos na internet no mundo, somente atrás dos EUA. Por aqui a produção caseira ainda é uma realidade pra muitos canais, mas já existem vários que produzem em estúdio, com equipe dedicada e edição de qualidade. Essa lista dos maiores canais nacionais que a Social Blade criou mostra números significativos. Muito dessa evolução é graças a uma maior aproximação entre youtubers. Eles perceberam que não são concorrentes, que podem se ajudar e ter melhores resultados juntos.
“Um modelo mais interessante de MCN surgiu no Brasil agora, como a Network Brasil e a Snack. Elas desempenham o papel de agente do canal, tendo todas as preocupações comerciais e também de network, fazendo um planejamento de curadoria e distribuição do conteúdo”, afirma Paulo, e prossegue: “Eles pensam no youtuber com muito mais carinho, já que se tornam praticamente sócios naquele negócio. Aí, em vez de ter 5 mil canais em que só 20 vão lucrar horrores, passa-se a ter 10 canais e a MCN tem que trabalhar para ajudar todos esses 10 a serem lucrativos”.
A maioria dos youtubers também busca formas alternativas de monetização para não depender somente do AdSense. Entre as opções há os licenciamentos de conteúdo, a venda de produtos físicos dos canais (camisetas, bonés, canecas etc), infoprodutos (cursos, vídeos exclusivos, dicas), livros, e eventos, entre outros.
O canal da Dani Noce tem duas fontes de receitas principais: os licenciamentos e o conteúdo patrocinado (branded contente e product placement). Licenciamento é tudo que tem a marca Dani Noce fora do canal, como o livro Por Uma Vida Mais Doce (o segundo mais vendido de gastronomia no Brasil este ano, com 41 mil exemplares). “Mas conteúdo patrocinado é, de longe, onde dá para faturar mais. Nos seis meses primeiros meses do canal, no ano passado, conseguimos receitas de 700 mil reais e este ano o canal Dani Noce já alcançou sete dígitos de faturamento só com conteúdo patrocinado. A gente espera no ano que vem alcançar os oito dígitos”, conta Paulo.
O FUTURO: NOVAS FORMAS DE PRODUZIR E ANUNCIAR
A produtora O2 Filmes, que além de projetos de conteúdo, faz filmes de 30 segundos para a TV aberta, trabalha com conteúdo específico para a internet e outras plataformas desde 2005. O seu núcleo de inovação, chamado Outras Telas, visa estar na vanguarda da produção de conteúdo que envolvam novas tecnologias e linguagens. Recentemente, eles lançaram projetos usando narrativas imersivas, usando VR (realidade virtual) e filmes em 360º. Janaína Augustin, diretora do núcleo Outras Telas, fala sobre as novas possibilidades:
“É uma nova forma de storytelling e profissionais do mundo todo ainda estão descobrindo como produzir e monetizar esse tipo de conteúdo. Faz pouco tempo que o Facebook e YouTube liberaram o player para 360º”
Ela diz que ainda não há um mercado organizado no Brasil, nem muito acesso a devices que promovem a imersão em realidade virtual (cardboards, oculus rift etc). “A receptividade é grande, por ser novidade e pelo atrativo da interatividade sensorial, e ao mesmo tempo ainda falta uma cadeia de negócios bem organizada, mas acredito que é uma questão de tempo para esse mercado encorpar”, conta.
A força desse mercado ficou evidente no início de novembro, durante dois eventos realizados no mesmo dia em São Paulo: o YouTube FanFest e o YouTube BrandCast. O FanFest reuniu milhares de fãs histéricos e seus youtubers favoritos, para os quais não faltaram gritos, lágrimas e muitas selfies.
O público e o interesse do BrandCast eram outros. Participaram do evento 500 executivos do Google, agencias de publicidade e toda a indústria do Youtube no Brasil. O executivo número dois do Youtube no Mundo, Robert Kyncl, apresentou o Google Preferred ao mercado brasileiro. Com ele, os anúncios das marcas poderão ser veiculados entre os top 5% canais da plataforma que são ranqueados com a ajuda de um algoritmo chamado Preference Score, de acordo com popularidade e engajamento. Ficou clara a preocupação da empresa em mostrar que está trabalhando para desenvolver novos features e assim melhorar os resultados para anunciantes.
“O que todas as marcas querem é aumentar suas vendas e a combinação de várias ferramentas de comunicação de forma integrada, bem planejada, e não simplesmente com várias saídas adaptadas para cada um dos meios”, pontua Bob Wollheim, e conclui: “A receita está na combinação inteligente entre a criatividade, a mensagem, a capacidade de emocionar o consumidor e a mensuração desses resultados, sempre levando em consideração a integração dos vários canais existentes. Este é o formato que será campeão e saberá chegar ao consumidor de uma forma eficiente e pronunciante”.
Nessa nova etapa, o YouTube quer entrar num ciclo virtuoso, onde a oferta de conteúdo mais qualificado e abrangente vai atrair ainda mais usuários, que vão atrair mais publicidade, que vai trazer mais recursos para em ecossistema em formação, gerando um novo upgrade de conteúdo. O ciclo já começou. Play para ver.
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