A surpreendente história da diretora de agência que hoje vive de ser palhaça

Aline Vieira - 19 jan 2015Marina Campos, ou Nina, ou Consuelo (seu nome de palhaça): uma trajetória inesperada da publicidade à vida de clown.
Marina Campos, ou Nina, ou Consuelo (seu nome de palhaça): uma trajetória inesperada da publicidade à vida de clown.
Aline Vieira - 19 jan 2015
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Quando resolveu abandonar a vida que “todo mundo sonha em ter”, Marina Campos foi bombardeada por perguntas dos amigos e da família. “O que você vai fazer agora?”, “Que tipo de trabalho vai ter?”, “Como vai se sustentar?”, eram só algumas delas. E a publicitária nunca hesitou. Toda vez que alguém questionava o que ela faria dali para frente, a resposta era a mesma: “Vou fazer projetos legais com pessoas legais”. Já são sete anos de projetos legais com pessoas legais, e Marina, que desde então criou a POP – Palhaços a Serviço das Pessoas, uma consultoria de desenvolvimento de relações humanas, garante que nunca, nem nos tempos em que foi diretora de agência, se sentiu tão realizada.

Marina, também conhecida como Nina, trabalhou com planejamento estratégico em publicidade durante 15 anos. Formada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, passou por agências com a FCB, Loducca, Lowe e Lew Lara, até que – Plim! – percebeu que havia entrado em um “jogo” de vender a todo custo que ia totalmente contra os seus princípios.

“Minha irmã e eu sempre conversávamos muito sobre sustentabilidade. Ela é especialista no assunto. Estudou isso numa época em que pouca gente se importava com o tema. E nossas conversas foram me deixando com a pulga atrás da orelha. Eu me pegava pensando que, se era do jeito que ela me falava, eu tinha um problema sério. Trabalhava em uma indústria que incentivava o consumo. Isso começou a me incomodar bastante”, conta, enfatizando que a prática de meditação também foi importante para que ela decidisse não mais se submeter, além de tudo, às 14 horas de trabalho diárias e aos finais de semana de fechamento.

O CAMINHO DO AUTOCONHECIMENTO

Nina nasceu em São Paulo, mas morou dos 6 aos 17 anos em Jacarezinho, no Paraná, com os pais e os três irmãos. Filha de pai agrônomo, o viu trabalhar com pesquisas genéticas em fazendas durante toda a infância. Também viveu, por 2 anos, na cidade de Urbana, no Illinois, nos Estados Unidos, onde o pai concluía um doutorado. Foi incentivada, desde pequena, a pesquisar, a pensar e a conhecer novas culturas. “Sempre tivemos uma vida cultural muito forte do ponto de vista de leitura e conversa. Meus pais sempre tiveram esse gosto por estudar e por viajar. Tínhamos até uma biblioteca em casa”, conta.

Marina tinha muito acesso à informação, mas era como qualquer adolescente: ainda não se conhecia muito bem. Aos 17, “achava” um milhão de coisas: que se tornaria uma diplomata de sucesso, que seria uma jornalista incrível, que sabia lidar com qualquer situação. Assim que embarcou para um intercâmbio de um ano na Dinamarca, pelo Rotary, percebeu que era muito mais humana e frágil do que imaginava.

Marina Campos, a caráter, pronta para mais um dia de trabalho.

Nina, a caráter, pronta para mais um dia de trabalho.

“Até ali, nos meus 17 anos, eu me achava invencível. Mas aí fiquei mal logo no começo do intercâmbio por causa do inverno gelado, da neve. Fiquei numa cidade do interior, não gostei. Como foi muito sofrido, voltei para o Brasil do aeroporto quase que direto para a terapia e foi assim que comecei a me conhecer”, conta. “O principal do meu intercâmbio foi dar conta das minhas limitações. Muito do que eu sou hoje está ligado ao autoconhecimento. Hoje, vejo que os problemas que tive no exterior foram para eu entender as minhas dificuldades.”

A jovem Nina voltou ao Brasil em dúvida entre duas carreiras: cinema e jornalismo. No fim, não escolheu nenhuma delas. “Já tinha decidido que faria jornalismo ou cinema, mas, no último minuto, me inscrevi para publicidade. Meus pais ficaram de cabelo em pé”, lembra. “Mas eles já estavam acostumados a me verem mudando de ideia. Como são mais modernos, disseram ‘tudo bem, vai’.”

Passou na ESPM, em São Paulo, e, já no segundo ano, percebeu que para conseguir um estágio na área teria de arrumar contatos. Como ninguém da família atuava na área, deu seu próprio jeitinho, insistindo para que um professor criasse um projeto que aproximasse os alunos do mercado. Deu certo. Para a faculdade, teve de visitar algumas agências, descobrir como trabalhavam e comparar a experiência real com a teoria.

“Fui na Talent, que é a principal agência de planejamento estratégico. Ao fazer a entrevista para o trabalho, conheci a Rita Almeida, que era diretora de planejamento. Aproveitei e deixei meu currículo com ela. Esperei seis meses, até que ela me ligou para trabalhar lá. Foi demais! Eu tinha certeza que era isso que eu queria fazer”, diz.

Não quis deixar o planejamento estratégico. Foi para a FCB e depois para a Loducca, onde tornou-se diretora aos 26 anos. “Eu era bastante nova quando virei diretora. Sempre acreditei que tinha que trabalhar muito. E, de fato, trabalhava. Tenho essa coisa de não ficar parada, de ir atrás, e acho que virar diretora foi uma consequência natural”, afirma.

Até 2001, aos 29, Nina acrescentava conquistas ao currículo. Ao mesmo tempo que trabalhava, porém, um certo sentimento de que alguma coisa estava errada só crescia. As conversas com a minha irmã realmente a influenciavam, levando-a a pedir para sair, em 2002, pela primeira vez:

“Tive uma mistura de crise de consciência misturada com frustração pelo tipo de relação que se dá nas agências. Pedi demissão”

Em seguida, ela passou o ano na Espanha aprendendo espanhol e flamenco, dança típica do país. “Foi maravilhoso, mas gastei todo o meu dinheiro por lá e fiquei com medo, já que era um ano em que o mercado publicitário no Brasil não estava bem. Voltei no fim de 2002 e voltei a trabalhar numa agência. Já sabia que não queria mais ser publicitária, mas eu não fazia a menor ideia do que fazer”, conta.

Em campo, Nina e Mônica usam o passe livre dos palhaços para fazer piada com o mundo corporativo e, assim, fazer as pessoas se entenderem e trabalharem melhor.

Em campo, Nina e Mônica usam o passe livre dos palhaços para brincar com o mundo corporativo e, assim, fazer as pessoas se entenderem e trabalharem melhor.

Em 2003, teve uma “ajudinha” do destino. Assistindo ao espetáculo “Jogando no Quintal”, de um grupo de palhaços, ela não acreditou no que via. O espetáculo ficou 10 anos em cartaz e foi visto por mais de 150 mil pessoas. “Era tão incrível, e eu pirei. Falei: ‘O que é isso? O que é essa possibilidade?’ A liberdade, o prazer que vi naquela hora… Eu falei: ‘Quero isso pra mim’. Não me passou por nenhum momento na cabeça que precisava ser palhaça, mas que eu precisava viver aquilo, ter aquela liberdade. Na mesma semana, me inscrevi num curso de palhaços. A aula era a minha terapia. Me divertia muito”, conta.

No mesmo ano, Marina trabalhou como planejadora estratégica. Em 2004, foi convidada para ser diretora geral da agência Lowe. Deu uma chacoalhada de novo, mas aceitou. Aguentou ficar só mais um ano no comando. Marina afirma que começou a achar que a coisa era muito maior do que o que ela via. Que o mercardo estava muito pequeno. Pediu demissão mais uma vez. Mas, dessa vez, para seguir seu coração.

PROJETOS LEGAIS COM PESSOAS LEGAIS
Nina deixou a Lowe em dezembro de 2004. Em março do ano seguinte, já engatava um projeto na área de sustentabilidade, em maio já lançava outro mega projeto na mesma área com o Bradesco, e em julho contratava a irmã para ajudá-la como consultora. Também trabalhou por 11 meses junto à Natura.

Em 2006, surgia, finalmente, a POP – Palhaços a Serviço das Pessoas. A ideia de criar uma “consultoria que acredita na linguagem do palhaço como ferramenta para entendimento e desenvolvimento das relações humanas” surgiu a partir das aulas que tinha desde 2003, mas também de uma frustração com o mercado da sustentabilidade.

“Quando comecei a trabalhar com sustentabilidade, pensava que estava tudo perfeito, que todo mundo estava feliz, mudando o mundo. Só que percebi que as relações entre as pessoas continuavam as mesmas. Os problemas que eu achava que estavam localizados na agência estavam, na verdade, em todo o universo corporativo. As dificuldades de relacionamento, de trabalhar junto, de entender os outros… E aí comecei a pensar: ‘E se todo mundo fizesse aula de palhaço? É um descobrir de si mesmo tão forte’. A partir desse pensamento, tive a ideia de fazer essa consultoria com equipes de empresas”, conta ela.

Nesta época, já era amiga de Mônica Malheiros (que é arte-educadora, formada em Psicologia), e resolveram, juntas, tocar os workshops e apresentações em empresas. Marina conta que faz seu trabalho para que, através dos palhaços, as empresas e seus funcionários aprendam a lidar melhor com ambientes e relações de trabalho.

“O palhaço não corrige comportamento. Ele aceita, ajuda. O palhaço abre a possibilidade. A linguagem do palhaço é uma via do prazer, do experimentar e do lúdico”

Marina e Mônica, inicialmente, não planejavam abrir uma empresa, mas não viram outra saída. Os clientes que chegavam não entendiam muito bem o que elas faziam. Como consultoria, as amigas já fizeram workshops para marcas como Bradesco, Volkswagen, Siemens, Natura, Extra. O único investimento da dupla atualmente é no aluguel de duas salinhas no centro de São Paulo, para ensaio e armazenamento de acervo, além de cursos para aperfeiçoamento na área de humanas.

Mônica e Marina, sócias e palhaças profissionais: uma dupla que se complementa nas performances e também na administração do negócio.

Mônica e Marina, sócias e palhaças profissionais: uma dupla que se complementa nas performances e também na administração do negócio.

Uma palestra de Marina varia de preço – pode custar até 7 mil reais. O salário mensal da palhaça não é igual ao que ganhava como diretora, mas ela garante: já se mantém muito bem só com a profissão de palhaça (a profissional é casada e tem um filhinho de 1 ano e 8 meses).

Hoje, Marina, que se dá a chance de mudar de opinião o tempo inteiro e de seguir seu coração, acredita pra valer em apenas uma coisa: que a vida é construída por processos. E que foi um desses processos que a fez deixar para trás seu currículo recheado de cargos de liderança em agências de publicidade e virar palhaça.

“As pessoas falam: ‘Você largou tudo para virar palhaça’. Mas o processo inteiro, desde o dia que comecei a meditar e conversar com a minha irmã, até o dia em que decidi que não ia ser mais publicitária, durou 7 anos. As pessoas pulam 7 anos da minha vida e falam: ‘você era publicitária e agora virou palhaça’. Mas não é isso. Fui diretora e estava feliz, mas com o tempo não estava mais. Foi um processo que aconteceu”, conta. Sem palhaçada.

draft card POP

 

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