A Kavod Lending mostra que empréstimos coletivos para PMEs podem ser um bom negócio

Thadeu Melo - 19 mar 2019
Renato Douek e Fábio Neufeld contam que a fintech decidiu dar suporte a um público que não é prioridade para os bancos tradicionais, oferecendo também taxas de juros menores.
Thadeu Melo - 19 mar 2019
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“Neste exato momento, estamos abrindo uma rodada de captação para financiar o crescimento do nosso próprio negócio, procurando fundos de venture capital, investidores-anjos ou institucionais que tenham interesse em ajudar a gente a crescer”, diz Fábio Neufeld, 37, CEO e cofundador da Kavod Lending. A frase não soaria curiosa se a startup de Fábio não fosse justamente uma plataforma de empréstimos coletivos para pequenas e médias empresas, fundada em 2016. Mas é bom esclarecer: ele e o sócio não estão usando a própria fintech para levantar investimentos.

Com cerca de 6 milhões de reais transacionados em um ano e meio, a Kavod oferece taxas de juros menores que as praticadas pelos bancos: de 1,10% a 1,90% ao mês, montante que é integralmente repassado ao investidor, sem incidência de spread (aquele “pedágio” que bancos cobram dos investidores).

O mecanismo que a startup desenvolveu busca remunerar melhor as pessoas ou empresas que apoiam os negócios, com ganhos de até 250% do rendimento da taxa do CDI (Certificados de Depósito Interbancário). Para efeito de comparação, Fábio conta que a poupança tem rendido, em média, cerca de 70% do CDI.  Renato Douek, 37, CMO e cofundador da Kavod, afirma:

“A gente tem o propósito de tornar mais justas as taxas de financiamento e investimento no mercado brasileiro”

A missão da startup tem a ver com a origem hebraica de seu nome, como ele conta: “A palavra kavod significa honra e isso tem tudo a ver com o nosso propósito de trazer um investimento mais justo para as pessoas que querem investir ou que necessitam de financiamento”. Já a lending, que dá sobrenome à empresa, significa empréstimo, em inglês.

ELES PESQUISARAM MUITO ATÉ CHEGAR AO MODELO IDEAL DE EMPRÉSTIMO

Amigos de infância, Renato e Fábio começaram a prospectar oportunidades de empreender em 2013, quando o primeiro mudou-se para Boston, Estados Unidos, para cursar um MBA em Empreendedorismo. Publicitário, Renato aproveitou a temporada de estudos no hemisfério norte para conhecer fintechs e outras iniciativas inovadoras no setor financeiro, no qual havia trabalhado por oito anos.

A equipe da fintech faz a análise crédito dos pedidos de financiamento, que passam também por um comitê que só aprova pedidos por unanimidade.

“Nunca pensei que passaria o resto da vida lidando com números”, diz Renato, que iniciou a carreira no ramo de produção de vídeos publicitários. Filho de um operário das finanças, acabou migrando de área e trocando as filmadoras e ilhas de edição pelas calculadoras e planilhas dinâmicas.

Egresso da Boston College, Renato apresentou ao amigo uma ideia de fintech que acabou desmontada ante a força dos fatos. “Nem me lembro mais exatamente qual era a ideia pela solidez dos argumentos do Fábio para mostrar a inviabilidade”, diz, mencionando algo sobre “antecipação de recebíveis”.

Com um pouco mais de pesquisa sobre fintechs norte-americanas e europeias, os dois encontraram o modelo ideal que buscavam implantar no Brasil, que pode ser chamado também de crowdfunding ou financiamento coletivo, com algumas nuances para o formato mais conhecido do público brasileiro. Em vez de receber um bem, produto ou serviço, o colaborador de cada campanha vai reaver em dinheiro, com juros atraentes, o valor que investiu no negócio.

A modalidade também é designada como empréstimo peer-to-peer, ou empréstimo entre pessoas, sem o uso do modelo bancário convencional. Na Kavod, investidores podem aportar a partir de 3 mil reais, enquanto os projetos financiados devem ter valor mínimo de 100 mil reais e prazo de 12 a 24 meses.

A ARRISCADA VIDA DAS FINTECHS E A NECESSIDADE DE RIGOR

Atuando nas lacunas deixadas pela macroestrutura do mercado financeiro, complementando os serviços que grandes operadoras não se prestam a oferecer, as startups do ramo pisam em um terreno sensível. Precisam estar enquadradas em uma regulamentação federal específica que impede ou desestimula qualquer tipo de deslize ou aprendizado mais demorado, sob o risco de comprometer o próprio patrimônio dos empreendedores.

Por força de regulamentação, os sócios também não podem investir nos negócios que utilizam  sua plataforma para captar, mas amigos e familiares podem. Foi o círculo de friends & family, gatilho genuíno e modelo de negócio inicial de muitas startups, o primeiro a aderir ao formato criado pela Kavod, que está captando para si, como anunciado no início do texto, mas por canais diretos.

Mentores informais, os pais dos sócios apoiam desde o início, com conhecimento ou mesmo investimento, a empreitada dos dois, que têm na cultura judaica lastro e talento para lidar com finanças. Fábio brinca:

“Para ser um banco, tem que ter pelo menos um judeu!”

Especialista em estruturação de operações financeiras, com MBA em Finanças, pelo Insper, o CEO estabeleceu o sistema que a equipe da Kavod usa para análise de crédito das empresas a partir dos balanços, faturamento, endividamento, principais clientes e fornecedores. Uma vez aprovado o pedido de empréstimo, é criada uma campanha online com as informações sobre como a empresa usará os recursos, seu saldo em caixa e em aplicações financeiras, por exemplo, para ajudar o investidor a avaliar o risco da operação.

Todas as 13 campanhas realizadas até o momento alcançaram suas metas de captação e estão em fase de pagamento. Segundo os sócios, em 2018, o índice de inadimplência dos tomadores foi de 0%. “Nós não temos a expectativa de permanecer com taxa de inadimplência zero, mas devemos ficar na média do mercado, entre 4% a 6%”, conta Renato, que teve que lidar com um caso de não-pagamento em 2017.

O episódio de “calote”, já em fase final de resolução, levou a dupla a aumentar o rigor na análise de crédito e a exigir garantias reais de recebimento em 100% das operações. Essas garantias podem ser bens, ativos ou outras linhas de crédito que possam ser utilizadas pelas empresas tomadoras para assegurar o pagamento da dívida com os investidores que apoiam as campanhas da fintech. Dado o grau de exigência, dos 50 milhões de reais de demanda de crédito até o momento, apenas 5,8 milhões de reais foram aprovados pela plataforma, após a análise da equipe e a aprovação por um comitê interno, que tem que ser unânime.

AS FRANQUIAS ENTRARAM NO JOGO

Na busca por redução de riscos e garantia de rentabilidade, os empreendedores acabaram encontrando um filão que está dominando a carteira de campanhas da empresa: as franquias. Apenas duas campanhas não foram conduzidas por franqueados de marcas como McDonald´s, Calvin Klein, Subway, KFC e China in Box, que buscam recursos para fazer melhorias, atualizações e outros investimentos para ampliação ou adequação de lojas e equipamentos. A própria gestora da marca de comida chinesa, por exemplo, já inclui a Kavod como sugestão de fonte de financiamento aos seus franqueados.

A plataforma já articulou o repasse de 5,8 milhões de reais, principalmente para franquias de marcas consagradas.

A proximidade com o setor de franquias levou a startup a bater recordes de captação por empréstimo coletivo, chegando a obter 140 mil reais em duas horas e meia. “Enquanto 85% das pequenas e médias empresas brasileiras fecham as portas nos primeiros cinco anos, apenas 4,5% das franquias fecham antes desse período”, diz Renato, que se considera um “geek de carteirinha” e foi responsável pelo desenvolvimento tecnológico inicial da plataforma, antes mesmo do envolvimento de especialistas em tecnologia.

Operando com a cobrança de uma taxa de sucesso de 6% do valor captado, a dupla faturou cerca de 130 mil reais em 2018, o primeiro ano de funcionamento pleno da empresa. Criada em 2016, a fintech foi acelerada pelo programa Ahead Visa, da Startup Farm, além de receber o aporte de um investidor-anjo que viabilizou o início das atividades para realização da primeira operação, em agosto de 2017, antes mesmo da plataforma ir ao ar.

Renato conta que ele e o sócio passamos pelos estágios tradicionais de financiamento de uma startup. Primeiro, utilizaram recursos próprios, cerca de 40 mil reais, depois, tiveram aporte da aceleradora e conquistaram um investidor-anjo, para, finalmente, formalizarem a abertura da rodada de captação em curso.

Atualmente, com 3 400 investidores cadastrados na base, Fábio e Renato possuem uma equipe de sete pessoas, incluindo eles e uma terceira sócia, Adriana Bauer, que é COO da fintech. Até o fim de 2020, eles esperam dobrar o tamanho da equipe e ganhar a escala que permita aos sócios rendimentos maiores que o pro-labore mínimo que vêm percebendo mensalmente. Fábio fala:

 “Hoje, estamos mais resgatando do que investindo recursos”

Apesar dos rendimentos para os fundadores ainda ser baixo, eles estão animados. “Em uma grande corporação, se o produto não estiver perfeito, não é possível lançá-lo. Na startup, é o contrário, se estiver minimamente funcional, lança-se para testar e a ideia vai sendo aperfeiçoada ao longo do tempo”, conta Renato, feliz com os resultados da empresa, indicada como uma das dez fintechs que mais se destacaram em 2018, segundo pesquisa da Fisher VB. 

Com um produto já bem acabado e fôlego para seguir ampliando a carteira e concretizando investimentos que podem partir de 3 mil reais, os dois amigos paulistanos seguem investindo capital humano e financeiro em um projeto que, como o próprio nome diz, prometem seguir honrando.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Kavod Lending
  • O que faz: Plataforma de empréstimos coletivos
  • Sócio(s): Adriana Bauer, Fábio Neufeld e Renato Douek
  • Funcionários: 7 (incluindo os sócios)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2017
  • Investimento inicial: R$ 40.000
  • Faturamento: R$ 130.000 (em 2018)
  • Contato: [email protected]
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