Dia desses, decidi parar em um bar perto da minha casa. Um daqueles lugares que a gente frequenta há anos, onde já conhece o cardápio de cor, os garçons pelo nome e o ritmo do movimento ao longo da noite.
Sentei no balcão e comecei a observar o barman. E ele não parou um segundo. Por mais de duas horas, produziu drinks sem parar. Todos diferentes, todos impecáveis.
Era nítido que conhecia cada receita como quem conhece o próprio corpo. E o mais impressionante: o tempo todo sorrindo. Brincava com os clientes, mantinha a energia lá em cima, criava uma experiência e não apenas entregava bebida
Mas o que mais me chamou a atenção não foi apenas a técnica. Foi a leveza com que tudo acontecia. Havia beleza no movimento. Ritmo. Agilidade. Precisão. Parecia uma coreografia. Um balé. Algo entre o Cirque du Soleil e uma linha de produção de alta performance, mas com alma.
Enquanto ele misturava, gelava, batia, servia, eu só conseguia pensar em uma palavra: flow. O conceito descrito por Mihaly Csikszentmihalyi, o psicólogo húngaro que investigou o estado mental de máxima concentração e prazer em uma atividade.
Aquele barman estava em estado de flow. Presente, entregue, realizado. E isso me fez pensar: ninguém atinge esse nível de excelência sem gostar muito do que faz. Sem treino. Sem repetição. Sem domínio.
Ele estava ali, visivelmente bem. E justamente por isso conseguia entregar tanto, tão rápido, com tanta graça.
Do lado dele, os colegas se revezavam no atendimento. Em determinado momento, um deles se ofereceu para lavar a louça. O barman disse que não precisava, que estava tudo sob controle. Mas com a casa enchendo, os copos começaram a se acumular.
Foi quando uma cena simples e marcante aconteceu: um dos donos, que estava sentado numa mesa do lado de fora, levantou, entrou discretamente no balcão… e foi lavar a louça
Sem alarde. Sem fazer disso um discurso de cultura. Sem “liderar pelo exemplo” no post de LinkedIn. Ele apenas viu o que precisava ser feito, foi lá e fez.
E o mais bonito: não havia condescendência ali. O dono sabia que o barman estava entregando o máximo, que o acúmulo de copos não era fruto de baixa produtividade, mas de um volume grande sendo gerido com maestria. E ele respeitou isso com o gesto mais humilde possível: colocando a mão na água.
Na vida corporativa, muitas vezes idealizamos a liderança como uma posição de privilégio. Mas as equipes não se inspiram em organogramas. Elas se inspiram em quem aparece quando o caldo engrossa. Em quem serve antes de ser servido.
Liderar é sobre muitas coisas. Mas, acima de tudo, é sobre atenção, presença e humildade. É sobre não achar que está “acima” de certas tarefas. É sobre saber que um time só performa bem quando há segurança, respeito e suporte de verdade
Naquela noite, saí do bar com uma certeza: o melhor líder que vi na semana foi alguém que largou a mesa, arregaçou as mangas… e lavou a louça.
Tatiana Pimenta é fundadora e CEO da Vittude, referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas. Engenheira civil de formação, com MBA Executivo pelo Insper e especialização em Empreendedorismo Social pelo Insead, foi reconhecida em 2023 como LinkedIn Top Voice e em 2024 como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Línea.
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