“O que o seu dinheiro nutre?” Essa é a pergunta que orienta o trabalho da Rede Dinheiro e Consciência, iniciativa que surgiu em 2018 com o intuito de ajudar as pessoas a investir em negócios que tragam transformações positivas para a sociedade.
Esse trabalho é feito por meio de encontros que pretendem despertar uma nova consciência em relação ao dinheiro e, também, por meio de uma plataforma P2P (peer to peer), que permite investir de forma transparente em negócios de impacto.
Surgida dentro da EcoSocial e da Fundación Avina Brasil, a Rede mobiliza mais de 100 pessoas (em oito cidades) com um propósito em comum: mudar a lógica do fluxo e da relação que temos com o dinheiro.
Conhecer a trajetória de quem compõe a Rede ajuda a entender as ideias que movem o grupo. Sergio Resende, 56, faz parte do núcleo formador e atua como consultor de Desenvolvimento Humano e Organizacional. Membro do Ecosocial desde 2002, ele trabalhou como coach e formador de coaches em uma época em que o termo ainda era pouco conhecido por aqui.
“Lidando com o desenvolvimento de executivos, sentia que faltava algo e que eu precisava ter uma atuação mais intencional na transformação dos negócios”, diz Sergio.
Foi quando ele se envolveu, dentro do EcoSocial, com a criação do Parsifal 21, uma iniciativa para promover novas formas de fazer negócios lucrativos e com impacto. Nessa jornada, ao lado de empreendedores, começou a olhar para o fluxo do dinheiro e retomou um contato com o Triodos Bank, banco holandês que financia empresas sustentáveis e serviu de inspiração para a Rede.
Meiri Inoue, 57, é psicóloga e trabalhou por 21 anos na TecBan, concessionária de bancos que administra o Banco 24 horas. Apesar de estar em uma empresa de tecnologia, ela conseguiu levar conceitos da Antroposofia para a área de gestão e desenvolvimento de equipes.
“Foi uma grande escola e resolvi sair de lá porque não sentia mais um desafio. Mudei para Curitiba e virei consultora e coach.” Ela estava na presidência do EcoSocial, quando a Rede começou a ser formada. Hoje, atua na disseminação do cultura de rede e na implantação dos hubs.
“Minha tese é que vamos mudar a sociedade e a economia através do uso consciente do dinheiro”
André Melman, 44, trabalhou por muitos anos na área de fusões e aquisições em bancos de investimento. “Saí desse mercado por uma necessidade pessoal. Olhando para os valores que estava vivenciando, não fazia mais sentido estar naquele lugar.”
Trabalhou como consultor financeiro em empresas de impacto até que abriu o seu próprio negócio, a Farofa.la, uma empresa de snacks saudáveis que foi vendida em 2017.
Ele conheceu a Rede por meio dos eventos e se tornou um membro ativo desta empreitada na área de criação de novos produtos.
Aline Stival, 35, é formada em Relações Internacionais, trabalhou na área de relações institucionais da Perdigão e depois migrou para comunicação, atuando em uma agência de publicidade e como gerente de marketing de uma rede varejista de Goiás.
Ao se mudar para São Paulo, tornou-se sócia de um escritório de arquitetura comercial e começou a questionar os valores desse trabalho. “Era um ambiente bem competitivo e sempre gostei de estimular mais a colaboração do que a competição. Fiquei três anos e saí querendo encontrar modelos de organização que fossem mais colaborativos.”
Depois de participar de um programa de desenvolvimento do EcoSocial, ela sentiu despertar a vontade de trabalhar com organizações mais humanas. A partir daí, estreitou as relações até chegar à Rede Dinheiro e Consciência. “Hoje, estou na frente de engajamento e relacionamento das pessoas e sinto que posso contribuir para criar um novo modelo de organização com base em uma cultura positiva.”
UMA “EXPERIÊNCIA MÍNIMA VIÁVEL” PROVOU QUE O NEGÓCIO ERA POSSÍVEL
A história da Rede Dinheiro e Consciência começou em 2017, quando as organizações EcoSocial e Fundación Avina promoveram diversos eventos que trouxeram para o Brasil Joan Melé, ex-diretor e atual conselheiro do Triodos Bank. Foi a partir do interesse demonstrado pelas pessoas nestes eventos que Sergio começou a desenhar o negócio.
A operação teve início com ciclos de palestras e eventos para despertar a consciência sobre o fluxo do dinheiro. Logo, veio a necessidade de criar um instrumento financeiro que permitisse colocar em prática o que estavam descobrindo. Sergio afirma:
“As pessoas colocam dinheiro em um banco e não sabem a favor do que esse capital está trabalhando. Essa é uma das coisas que queremos mudar”
Foi lançada, então, em outubro de 2018, uma plataforma P2P para que os interessados pudessem investir diretamente em negócios de impacto. A primeira rodada contemplou três empreendimentos: Morada da Floresta, Vela Bikes e Impact Hub.
Em 15 dias, foram captados 1 milhão e 250 mil reais de 80 investidores, que colocaram entre 1.000 e 100 mil reais nos negócios. A taxa de retorno para o investidor é de 1% ao mês em 24 meses. Essa porcentagem foi combinada com as próprias empresas porque precisava ser justa para as duas pontas.
André diz que, às vezes, a pessoa quer oferecer um retorno maior para os investidores, mas se isso for dificultar o crescimento do negócio, o propósito de nutrir o que ele gostaria não vai ser cumprido.
Essa “experiência mínima viável”, como eles chamam, mostrou que existe interesse das pessoas em colocar dinheiro em iniciativas sustentáveis e, também, em receber esse tipo de financiamento. Sérgio conta:
“A gente queria saber se isso não era simplesmente um delírio nosso e se as pessoas não estavam posando de boazinhas”
Para este ano, a meta é promover mais quatro rodadas, que devem beneficiar até 12 negócios e movimentar cerca de 6 milhões de reais em empréstimos diretos. Como agente financeira dessas transações, a Rede fica com 3% do valor total emprestado e não oferece garantia aos investidores (o que vem dos próprios empreendedores).
Para mitigar riscos, foi feito um processo seletivo das empresas que participaram da primeira rodada. Ao todo, 34 se inscreveram para a qualificação. Um primeiro filtro selecionou dez negócios, que tiveram sua saúde financeira analisada.
Cinco passaram pela avaliação de um comitê de crédito e três foram escolhidos para participar da rodada. Aline diz que a Rede foi muito criteriosa na avaliação dessas empresas, olhando para números e para a performance financeira, mas também para o perfil dos empreendedores. “Queríamos entender o nível de comprometimento deles com o negócio e com o dinheiro que receberiam.”
AS DOAÇÕES FORAM UM PONTAPÉ, MAS A META É SER AUTOSSUSTENTÁVEL
Não houve um investimento inicial para colocar a Rede Dinheiro e Consciência em funcionamento. A forma encontrada para operar foi trabalhar com doações de pessoas físicas e organizações. Ao todo, eles receberam cerca de 600 mil reais em 2018.
Esse dinheiro foi aplicado pela SITAWI Finanças do Bem, que gerencia fundos filantrópicos. A ideia é que o negócio caminhe para ser autossustentável e não precise mais de doações.
Para isso, estão sendo criados novos instrumentos financeiros, como um fundo temático que vai contemplar o mercado da moda sustentável.
Neste caso, os investidores poderão colocar o dinheiro em um pool de negócios ligados a essa cadeia. Segundo Aline, a perspectiva é atingir 20 milhões de reais com essa proposta ainda em 2019.
Os valores movimentados pela Rede Dinheiro e Consciência, por enquanto, são um grão de areia no meio do setor de investimentos. Porém, Meire acredita que esse pequeno movimento pode gerar uma mudança de consciência: “Se houver uma comunidade que comece a pensar em usar o dinheiro com mais propósito, estaremos gerando uma transformação”.
O objetivo é fazer com o que esse capital circule onde normalmente não chegaria por meio das operações financeiras mais tradicionais. Além disso, os envolvidos no projeto querem dar mais transparência para essa relação entre investidores e quem recebe o investimento, como comenta Sergio:
“Os bancos se tornaram uma caixa preta e a gente não tem noção do que é feito com o dinheiro colocado lá. Queremos estabelecer esse vínculo direto entre as pessoas”
A iniciativa faturou 658 mil reais em 2018, valor composto por doações, pela comissão recebida na operação da plataforma de empréstimo direto e pelos rendimentos da aplicação no fundo de investimento.
O trabalho é feito em rede, buscando oferecer o máximo de autonomia em todas as pontas. A Rede possui hubs em oito cidades: Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. A ideia é que os hubs se tornem agentes de desenvolvimento local, para que o dinheiro possa fomentar negócios que impactem cada uma dessas regiões.
É uma forma mais complexa de se organizar, que exige comprometimento e sintonia fina, como diz André: “Como fazemos um negócio que é para ser cada vez mais autônomo e descentralizado, temos um esforço constante de alinhamento de valores”.
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