por Luiz Buono
Lá atrás, quando estava definindo qual faculdade cursar, tive dúvidas entre Psicologia e Administração de Empresas. Acabei optando pela Administração com foco em Marketing, mas a paixão pelas pessoas, pela mente humana, continuou dentro de mim. E foi crescendo ao longo da vida.
Mergulhei na psicologia, nas técnicas de autoajuda, nos mistérios da mente humana, até o dia que o presidente de uma agência em que trabalhava na época me ofereceu um retiro de autoconhecimento que um amigo dele estava promovendo.
No meio de práticas de respiração, dramatizações, vivências, a paixão pelo despertar da mente me “pegou de vez”, e a partir daí não parei minha busca de trazer mais consciência para a minha vida, para o trabalho e para o mundo em que vivemos. Acabou virando uma missão
Hoje, muitos anos depois, acabo de fazer uma reestruturação radical na minha empresa (tenho uma agência de comunicação, a Fábrica). Após longos anos com um tipo de atuação mais técnico, pouco a pouco uma grande mudança foi amadurecendo dentro de mim, uma sintonização com o novo, um alinhamento do meu ser com o meu trabalho.
Algumas reflexões:
– Por que um espaço só nosso num momento em que o importante não é possuir, mas acessar?
– Por que seguir o modelo do passado, em que tudo deveria ser feito dentro de casa, se os melhores recursos estão espalhados pelo mundo?
– Por que hierarquias, se elas representam uma espécie de “divisão”, e tudo funciona melhor na “união”, num grande “nós”?
– Por que o modelo antigo só voltado ao lucro, se o mundo é sistêmico e o pensar nas pessoas deve ser seu grande motor?
Poderia discorrer uma lista enorme de questionamentos. Mas o fato é que uma grande mudança estava a caminho. Sempre acreditei na tal da missão de alma. Qual seria meu plano maior nesta vida e sua relação com meu trabalho? E, nesse ponto, me encanta criar um tipo de empresa onde o que nos move não é o lucro e a produtividade insana, mas o jeito visceral de se fazer, autêntico, o desenvolvimento dos potenciais humanos no centro da jornada, e o lucro como consequência.
Tive a chance de passar por grandes agências onde a aparência, o artificial, era o código. Vi muitas apresentações feitas para se conquistar o cliente, mas a verdade do dia a dia era bem diferente. Pessoas tristes e desmotivadas eram a grande verdade.
Como interromper esse modelo?
Em 2014, tive a oportunidade de fazer uma viagem de conhecimento a Boston, Vale do Silício e Esalen, na Califórnia. E foi em Cambridge, num encontro com Otto Scharmer, líder do Presencing Institute do MIT, que tive um “estalo”. Vi Otto ensinando executivos do mundo todo a acessar campos de potencialidades, além da mente racional, como a grande alavanca das inovações. Vi pesquisas com pessoas por trás de grandes inventos, lançamentos de produtos, que em sua maioria tiveram a ideia num insight e não numa reflexão.
Percebi um novo zeitgeist nascendo, no qual a sinceridade e a transparência falam muito mais alto. Ou melhor, não é sobre “falar”, é sobre “tocar”, conectar, intuir.
Quando vamos inteiros para as situações, passamos a vibrar com uma nova energia, pulsamos diferente, os encontros se tornam mais empáticos e menos interesseiros
Para tudo isso acontecer, precisei abrir mão de muita coisa. Por exemplo, não dá mais para querer abraçar o mundo, fazendo coisas que não temos expertise nem interesse legítimo de realizar. Temos que fazer escolhas. Focar no que realmente somos bons e delegar o restante para gente melhor.
Hoje temos um time sênior, que conduz as narrativas, e um grupo estendido com pessoas de Miami a Kuala Lumpur, na Malásia, levando nossa inteligência de conteúdos e canais a novos patamares. É uma pesquisa diária que vem sendo construída há anos para descobrirmos os melhores talentos dispostos a contribuir e se conectar na mesma “vibe”.
Desde que descobri o trabalho colaborativo e a combinação dos mais variados tipos de personalidade, me impressiono com a capacidade criativa do grupo, a força do “caldeirão dos diferentes”, a verdadeira abundância chegando no dia a dia
Muitos me perguntam: “Mas Buono, por que depois de um enorme sucesso no modelo atual você abandona tudo?”. A verdade é que o modelo que para nós foi um sucesso enquanto negócio não encantava mais minha alma.
E como acredito que a alma do líder é o que move a empresa, decidi fazer da agência um espelho do que realmente me move, que é encontrar o caminho certo. Ou seja, “a veia” de cada cliente, a história que a marca tem vocação para contar, uma verdadeira cocriação de futuros e, a partir disso, construir narrativas que a levem a saltos quânticos em sua reputação, com foco total na criatividade.
O modelo antigo nos afiou nas tecnicalidades, mas as narrativas, os conteúdos que viram histórias, são o que faz nossos olhos brilharem, e as marcas resplandecerem, principalmente nos tempos atuais, em que a atenção é o bem mais escasso.
Reparo que paralelamente aos enormes avanços que o digital trouxe para a publicidade, como a capacidade de conversas personalizadas e precisas, tudo ficou muito técnico. O mundo atual está criando uma nova geração de especialistas em ferramentas, e a nosso ver a boa comunicação está nos conceitos, nas narrativas, na inspiração vinda da vida.
Uma coisa é um diretor de criação que se formou no computador, e outra, o que se formou no cinema, nas artes, no craft, nas referências dos grandes mestres. Acredito que a corda já esticou bastante para o lado tech e que agora precisamos do equilíbrio, com histórias e conteúdos inspiradores.
“Mas, Buono, os clientes não esperam mais para construir marcas. Tudo virou venda, imediatismo, performance.” Sim, é o que mais escuto, mas por que utilizar apenas um imenso arsenal técnico para captar clientes se eu posso ir além, posso despertar o interesse por algo mais verdadeiro, algo que seja muito mais que uma venda, mas uma marca que ele goste, se identifique e a perenize em sua vida?
Teve um caso na minha carreira que mudou radicalmente minha visão de onde vêm as boas ideias. Eu tinha 25 anos e trabalhava na JWT. Atendia a Havaianas, da Alpargatas. Ela vinha sofrendo com marcas mais baratas, algo precisava ser feito. Passei uma semana no Nordeste literalmente olhando pés e visitando distribuidores.
O diretor de marketing da Havaianas na época foi radical. Super embasado em pesquisas, provou por A + B para o conselho da Alpargatas que as sandálias deveriam ser retiradas do mercado e em seu lugar seriam lançadas as sandálias Samba. Na convenção de vendas, na frente de 600 vendedores, ele literalmente joga as Havaianas no lixo e apresenta a Samba com uma campanha bombástica.
Resumo da ópera: seis meses depois, ele perdeu o emprego e resgataram as Havaianas. O que mais me impressionou nessa história foi como um grande estudioso do mercado pode estar totalmente errado. E que, na maioria das vezes, o sucesso não vem de infindáveis análises, mas da percepção, do olhar apurado para sentir o que pode dar certo
É a razão versus a percepção, intuição. E normalmente a razão chega apenas a ações corretas, e a intuição cria paradigmas. Levo isso para nosso modelo de negócios e para minha vida: qual olhar vai fazer a diferença no projeto?
Desde esse episódio, venho trabalhando, em mim e na Fábrica, essas janelas de percepção. Qual o olhar? O que sinto que possa aprender para melhorar minha decisão? E reparo que não é sobre “pensar”, mas sobre “intuir”, acessar campos mais sutis, onde estão as melhores respostas. Usamos isso para tudo: para contratar, demitir, selecionar parceiros, investir em projetos, definir caminhos conceituais na criação, e por aí vai.
Inclusive, acreditamos muito na identificação com determinados clientes que pulsam na mesma energia que a nossa. Não dá para trabalhar com gente com quem você não se sinta bem. Nisso acabamos nos limitando para conseguir um trabalho superior. Trata-se de escolhas.
E quando a gente fala em objetividade enquanto empresa, três palavras nos movem: faster, better e cheaper. Faster porque agilidade em tempo de mudanças exponenciais virou uma grande vantagem competitiva. Better porque sem excelência de entrega ninguém sobrevive. E cheaper porque na exponencialidade de recursos disponíveis sempre tem um jeito de se fazer a custos menores, e isso tem que fazer parte do modelo de negócio de quem queira se dar bem na nova era.
Um outro aspecto da nova Fábrica são nossas crenças motivacionais. Vejo empresas contratando consultores de cultura de empresa para conseguirem montar times motivados e de performance excepcional. Primeiro, não acredito em performance excepcional.
Motivação para mim é simples: descubra o que seu colaborador tem de melhor e abra espaço para ele acontecer, reconheça-o, coloque luz no seu melhor lado, dê voz. Pronto, está aí um time motivado
Outro ponto que mudamos foi em relação às hierarquias. Hoje temos um grupo multidisciplinar, alguns in house, a maioria não, em que todos são profissionais de comunicação. Acreditamos no “você é o espaço que ocupa”. E assim o campo está aberto para todos. Todos “jogando em todas as posições”, sem chefes, “quem manda é o trabalho”. Um dos maiores ganhos desse modelo é dar voz a todos. O coletivo em que todos opinam, não tem ideia ruim, mas um processo que gera ideias incríveis. E a participação de todos, sem censura, muda tudo.
Também eliminamos completamente as metas. Quem tem metas já começa o mês perdendo, em dívida com alguma coisa. Não gostamos disso
Temos, sim, um olhar maior, uma visão, um norte para chegarmos todo ano. Só isso. É mais sobre intenções que obrigações.
Sempre acreditei na empresa como um espaço de desenvolvimento de potenciais humanos, e que só eles, só a fluência, a coerência entre o ser e o fazer podem construir negócios e marcas prontos para a nova era. E isso leva tudo a um novo patamar. Só quando a empresa amadurece suas relações é que começa a perder o medo de ser o que acredita de verdade, e só assim seu potencial desabrocha.
Aliás, transcender o medo é fundamental para a legitimidade do propósito. Demorei quarenta anos para superar o medo de fazer da agência um espelho fiel das minhas crenças. Tem sido legal, tenho me sentido mais útil, pois no passado eu era um gestor, agora, mergulho nos desafios todo dia. Fico o tempo todo vendo jeitos de tirar o melhor de cada um e, acima de tudo, nos divertimos muito. Diversão é a energia da abundância. Diversão muda a frequência vibracional, traz leveza, tem que ter.
Não penso no futuro. Acredito que o mergulho no presente abre as portas no que quer nascer, no que quer vir. No constante mudar. No fundo do meu coração, imagino a agência como um grande canal por onde uma inteligência maior possa se manifestar. Um grande esquecer-se de mim, de nós (menos ego) para que se abra o espaço para a empresa fluir. Para as melhores ideias chegarem até nós. Tem dado certo. Tem sido gostoso, e os clientes têm gostado. Amanhã? Não sei.
Luiz Buono, 63 anos, atua na área de publicidade há 41. Trabalhou na JWT, Y&R, DPZ, Leo Burnett, Salles, DM9, entre outras. Há 21 anos tem sua própria agência, a Fábrica, voltada a construção de narrativas. É mentor Endeavor e membro do Conselho da International Business School Americas.
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