Mais do que oferecer uma alternativa aos absorventes, a Yuper quer mudar de vez a relação das mulheres com a menstruação

Dani Rosolen - 24 ago 2021
Elisa Spader, fundadora da Yuper.
Dani Rosolen - 24 ago 2021
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Inchaços, cólicas, alterações de humor, espinhas… Esses são alguns dos desconfortos comuns a muitas mulheres, nos dias em que a menstruação vem.

Há ainda uma série de possíveis incômodos — incluindo o nojo do próprio sangue, que afeta algumas de nós. Porém, o pior de tudo talvez seja aguentar a insensibilidade masculina e o tabu que até hoje cerca o tema.

Para incentivar que cada mulher se conecte com seu ciclo menstrual, Elisa Spader, 32, empreendeu a Yuper, primeira marca brasileira de coletores e discos menstruais 100% recicláveis. A empresa levanta no Brasil a bandeira do movimento de menstrual care. Elisa explica o conceito:

“Trata-se do autocuidado da mulher durante o período menstrual, permitindo-se viver essa fase, que não precisa ser ruim. Basta ela pesquisar e entender o que está acontecendo em relação aos hormônios, ao sangue, ao que que muda ou não muda no seu corpo — e achar ferramentas para que isso seja natural e proveitoso”

A femtech nasceu em novembro de 2020 (o nome é uma junção de Your Period, “seu período”, referência ao ciclo menstrual da usuária). Mais do que produtos, Elisa faz questão de afirmar: a missão da Yuper é ajudar a promover uma reeducação da sociedade sobre a menstruação.

A IDEIA VEIO QUANDO ELA FICOU MENSTRUADA NO DIA DO SEU PRIMEIRO TRIATLO

Elisa se formou em biotecnologia e fez pós em engenharia de produção, mas sempre soube que queria ter o próprio negócio. Chegou a estagiar nessas áreas, mas logo que saiu da faculdade, no Paraná, decidiu voltar para sua cidade natal, Joinville (SC), para empreender.

Lá criou a INR IMPORT, importadora de produtos infantis e para mães. Depois de oito anos, a companhia foi vendida e Elisa continuou sua jornada empreendedora fundando a AMG Importação, que trazia barris de inox da China para a indústria cervejeira.

Esta última experiência foi mais breve, durou quase dois anos. E foi nesse período que Elisa teve a ideia da Yuper.

Ela sempre foi ligada ao mundo dos esportes; jogou tênis por dez anos, por exemplo. Na época em que teve a ideia da femtech, Elisa estava treinando para participar de seu primeiro triatlo e passou a se perguntar como seria se no dia da prova ela estivesse menstruada — e foi o que aconteceu.

“Essa insegurança me levou a pesquisar alternativas e descobri o coletor. Foi uma opção viável e super tranquila. Consegui terminar a prova sem dificuldades”

Aquilo deu um “estalo” em sua cabeça. Elisa começou a analisar como ainda são precárias essas soluções para mulheres.

“Fui pesquisar esse mercado para entender quais eram os principais players e descobri que as soluções alternativas para a menstruação tiveram um crescimento muito significativo nos últimos três anos — mas mesmo assim muito pequeno”, diz.

Estava ali uma oportunidade perfeita para um novo negócio.

MUITA PESQUISA PARA CRIAR UMA NOVA PROPOSTA DE COLETOR MENSTRUAL

Decidida a empreender na área, Elisa passou a estudar tudo o que havia lá fora, em especial nos Estados Unidos e na Europa, em termos de coletores menstruais.

Aqui no Brasil, ouviu mais de mil mulheres para saber por que tinham escolhido determinada marca — e o que elas entregavam de bom e de ruim.

“Percebi que já existiam várias empresas trabalhando com isso, mas ainda tinha muita reclamação das mulheres em relação ao uso, além de diversas dúvidas”

Com esse compilado de ideias, capital próprio e, depois, um investimento Family&Friends — totalizando 1,5 milhão de reais –, Elisa desenvolveu o seu produto. O coletor da Yuper tem uma barra lateral (para ajudar que ele se abra dentro do canal vaginal), ranhuras na parte de baixo que auxiliam na retirada e um “palito” flexível na ponta, para evitar desconforto quando a mulher levanta ou senta.

O coletor e o disco menstrual da Yuper.

Lançado em junho deste ano, o coletor custa R$ 69,90 e está disponível em duas cores — transparente e coral — e três tamanhos (para entender se usa S, M ou L, a mulher responde a um quiz no site).

Em paralelo, a Yuper pôs no mercado um disco menstrual que cumpre a mesma função do coletor, mas permite que as mulheres tenham relações sexuais com penetração durante o uso — em vez de tampar o canal vaginal, como o copinho, ele fica em cima do colo do útero. O preço é de R$ 89,90.

É possível usar o mesmo coletor ou disco por 12 horas seguidas. As soluções da Yuper, diz Elisa, ajudam a evitar assaduras (no caso de mulheres com alergia a absorventes) e geram menos lixo — ou zero lixo.

“Diferente dos [produtos dos] nossos concorrentes, de silicone, nós utilizamos o TPE [elastômetros termoplásticos], material de uso médico, 100% reciclável, sem borracha, látex, BPAs [bisfenol A], metais pesados ou outras substâncias nocivas”

Segundo o Instituto Akatu, os absorventes descartáveis usados por uma única mulher ao longo de sua vida equivalem a cerca de 200 quilos de lixo. A Yuper, diz Elisa, assume a responsabilidade de descartar corretamente seus produtos.

“No final da validade dos coletores e discos — que a Anvisa estipula em 3 anos –, a mulher poderá nos enviar esse material e vamos dar um destino final correto para ele.”

O APP DA YUPER: PARA ALÉM DO PRODUTO, INFORMAÇÃO É ESSENCIAL

Durante suas pesquisas de mercado, Elisa entendeu que a questão do uso dos coletores e discos ia além de encontrar um produto “perfeito”.

“Descobrimos que 55% das entrevistadas tinham uma relação ruim com a menstruação”, afirma.

Como mudar isso? Com informação, é claro.

“Nosso objetivo não é convencer as mulheres a usar nosso produto, mas entregar conteúdos para que se conheçam melhor e escolham o que faz mais sentido para elas — e que tenham noção de que existem alternativas, fáceis de usar, aos absorventes e OBs”

Para disseminar esses conteúdo, a Yuper desenvolveu um aplicativo — o primeiro do mundo sobre o tema, segundo a fundadora; a compra de um coletor ou disco menstrual da Yuper dá direito a um ano de uso grátis da ferramenta.

O app ajuda a monitorar sintomas e oscilações do ciclo menstrual, permite criar alertas (com lembretes para trocar o coletor, a calcinha ou o absorvente) e traz conteúdos produzidos por três dezenas de profissionais parceiros, como ginecologistas, nutricionistas e psicólogas.

“A relação é boa para os dois lados”, diz Elisa. “As médicas não revendem nossos produtos, mas podem oferecer cupons de descontos. Ao mesmo tempo, divulgam seu trabalho pelos artigos, podendo atrair novas pacientes.”

A ADAPTAÇÃO EXIGE PACIÊNCIA — ASSIM COMO O COMBATE AOS TABUS

No aplicativo também é possível encontrar dicas para a adaptação aos novos métodos e tipos de dobra dos coletores (são pelo menos 15), descobrir mais sobre o corpo feminino — e interagir com a comunidade.

A posição do disco menstrual permite o sexo com penetração.

“Temos uma série de artigos no app e no blog para a mulher consultar antes de experimentar nosso produto, mas a principal recomendação é estar preparada e relaxada para o primeiro uso”, diz Elisa. “Às vezes, elas ficam meio ansiosas e a musculatura se comprime, tornando a manipulação mais difícil.”

A empreendedora acredita tanto nos seus coletores e discos que lançou o programa Yuper+: se ao longo de um ano a mulher não se acostumar com o produto, a empresa devolve o dinheiro.

Ainda falando em conteúdo: para combater o preconceito que persiste em relação à menstruação, a Yuper pretende criar campanhas de comunicação com foco nos homens. “Muitos tabus sobre o tema são criados por eles”, diz Elisa

A empreendedora conta que, antes de lançar o negócio, perguntou a sua ginecologista se homens costumam acompanhar as companheiras nas consultas. A resposta: eles vão apenas quando a mulher engravida.

“A gente entende tanta coisa do universo masculino, por que eles não podem tentar compreender o nosso ciclo menstrual? Saber por que a mulher está com cólica ou escape, por exemplo, pode ajudar a melhorar a relação”

Com os homens da sua equipe (três de um total de oito pessoas), o discurso já surtiu efeito, afirma. “Todos eles ajudam a controlar o ciclo menstrual da namorada ou esposa pelo nosso app.”

Para se ter uma ideia de como o assunto ainda é tabu, a Yuper foi bloqueada nas redes sociais por uma semana por conta do uso “indevido” de palavras comuns relacionadas ao ciclo menstrual, como vagina… Parece coisa de outro século, né?

O CATÁLOGO DA MARCA INCLUI OUTROS ACESSÓRIOS

O catálogo da empresa inclui outros produtos. Um deles é um sabonete líquido (R$ 29,90) para limpar o coletor, o disco, calcinhas menstruais e sex toys. O sabonete, afirma Elisa, é desenvolvido com o mesmo pH da vagina.

A Yuper também tem acessórios, como um esterilizador de coletores e discos menstruais.

Outro acessório da marca é o esterilizador (R$ 39,90), que deve ser usado no início ou no fim de cada ciclo menstrual para eliminar eventuais bactérias ou fungos. Basta encaixar o coletor ou disco dentro, cobrir com água, tampar e colocar no micro-ondas por 5 minutos em potência média.

Existe ainda o porta Yuper (R$ 9,90), uma caixinha para guardar o disco ou coletor. A empreendedora explica a importância desse item:

“Os produtos que existem hoje no mercado vêm em um saquinho, o que não é higiênico. Com o porta Yuper, a mulher pode levar o coletor ou disco na bolsa já esterilizado, caso seja pega desprevenida com a menstruação.”

As vendas no B2C são feitas pelo e-commerce próprio da marca; paralelamente, a Yuper mantém uma equipe de revenda com foco em inserir os discos e coletores em sites de produtos orgânicos (até o momento são três) e redes de farmácia.

“Nosso objetivo é que a mulher possa comprar um coletor em qualquer farmácia, como faz com o absorvente”

Elisa revela que o plano é faturar, nos próximos 12 meses, 10 milhões de reais. Cifras à parte, a missão é clara: difundir o menstrual care.

“Por que a mulher nos cinco ou sete dias em que fica menstruadas prefere não falar sobre o assunto e só deseja que isso passe o mais rápido possível? Precisamos mudar esse hábito, transformando esse período não em ‘dias perdidos’, mas em um momento de cuidado.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Yuper
  • O que faz: Coletores e discos menstruais
  • Sócio(s): Elisa Spader
  • Funcionários: 8
  • Sede: Joinville (SC)
  • Início das atividades: 2021
  • Investimento inicial: R$ 1,5 milhão
  • Faturamento: Não informado
  • Contato: [email protected]
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