“Antes de qualquer diagnóstico, cuidado ou tecnologia, a mulher precisa ser vista por inteiro. Suas dores, dúvidas, ciclos e silêncios.” Esse desejo de que o público feminino seja entendido para além de um corpo na medicina levou a ginecologista capixaba Stephani Caser a empreender a See Me, uma femtech de autoexames voltada a cuidados com a saúde íntima com suporte médico integrado.
“See Me é um convite: ‘Me veja. Me reconheça. Me acolha’. Também é sobre o olhar que devemos lançar sobre nós mesmas. Olhar com curiosidade e empatia. Muitas mulheres cresceram com vergonha do próprio corpo, do próprio cheiro, da própria saúde íntima”
A startup começou com um autoteste de DNA-HPV por PCR, que detecta os tipos de papilomavírus humano responsáveis por quase todos os casos de câncer do colo do útero — terceiro tumor mais comum entre mulheres, com quase 7 mil mortes por ano no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Diante desse cenário, o autoteste rendeu à See Me o 1º lugar no prêmio José Eduardo Ermírio de Moraes 2023, do A.C. Camargo Cancer Center, que destaca soluções de impacto em oncologia.
Em seguida, a femtech lançou um autoteste de microbioma vaginal, capaz de apontar infecções urinárias, ISTs, infertilidade e vulvovaginites. Ambos os exames podem ser feitos pelas próprias mulheres no conforto de suas casas, sem precisar se deslocar até uma clínica ou laboratório. Em menos de um ano e com uma equipe de cinco pessoas, a startup chegou a 2 mil diagnósticos em dez estados.
Stephani se mudou de Vitória para São Paulo em 2018 para fazer a residência médica. E conta que sempre sonhou em trabalhar com saúde da mulher. Nos atendimentos, no entanto, notava que muitas pacientes nem sabiam quais exames haviam feito ou sequer buscavam os resultados.
“Não importava se era em um hospital público ou particular, pessoas com instrução ou não. A dificuldade era a mesma: a falta de comunicação para entender o motivo de fazer diversos exames absurdamente desconfortáveis e, no fim, ser tratada apenas como um corpo”
Para ela, o problema está enraizado em medo, traumas e vergonha, muitas vezes agravados por consultas sem acolhimento, especialmente com médicos homens que não validam como genuínas as dores das mulheres.
Durante a pandemia, em 2021, a médica foi convidada por uma headhunter para atuar na heatltech ViBe Saúde, com foco na saúde digital da mulher. Ela não conhecia aquele universo e já sabia de todos os tabus envolvendo a saúde íntima. Mas se desafiou a transpor as barreiras da tela para levar acolhimento a pacientes por meio do atendimento digital. Em um mês, virou head de Saúde da Mulher da startup.
Lá, conheceu seus futuros sócios: o ginecologista Alexandre Luiz Seo e o engenheiro Johnny Fonseca. E foi durante conversas informais sobre os tabus envolvendo a saúde íntima e os autocoletores (que Stephani só conhecia no exterior) que eles resolveram empreender nesse ramo.
Entre 2021 e 2022, os sócios começaram a estudar o assunto até deixarem a antiga empresa para estruturar a See Me, em 2023. A primeira providência foi ouvir as mulheres e investigar o mercado.
Na época, Stephani estava fazendo um mestrado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e transformou sua dissertação em um estudo clínico que serviu de MVP para a startup. Ela disponibilizou 100 kits de autotestes de DNA-HPV para interessadas em participar da pesquisa, mas a procura foi bem maior, o que só reforçou a importância da proposta.
“Fizemos uma validação científica, social e comercial com essas mulheress. Fomos descobrindo as realidades de diferentes lugares”, diz a médica. E complementa:
“Todas as participantes, sem exceção, disseram que já atrasaram seus exames por falta de tempo, de acesso, porque precisaram cuidar de alguém da família, tiveram que priorizar a renda para outra questão… Os relatos sempre esbarravam em alguma questão de acesso ou tabu”
A See Me começou no modelo B2B, vendendo os kits para clínicas e profissionais de saúde parceiros — como nutricionistas, psicólogos e fisioterapeutas pélvicas. Depois, avançou para o B2C, com kits direto para as consumidoras. Também incluiu no escopo o público LGBTQIAPN+: “Tem pessoas com vagina que não vão ao ginecologista por conta da falta de acolhimento.”
O processo é simples. Após indicação médica ou compra pelo site, o kit chega à casa da paciente. Na caixa, ela encontrará o número do kit, um QR Code, um manual e o coletor.
“A gente pensou em algo que fosse intuitivo de usar e também respeitoso. É basicamente igual a colocar um OB, introduzindo o coletor entre cinco a dez centímetros e girando ao menos cinco vezes para encostar na parede da vagina”
Depois, é só fechar o teste em um saquinho, colocar na caixa em que ele veio, etiquetar, ler o QR Code, onde a paciente deve responder um questionário sobre sua saúde e colocar ali também o número do kit. Aí é só enviar o pacote pelo correio; o laboratório parceiro tem até 21 dias para entregar o resultado (no geral, segundo Stephani, o envio ocorre em no no máximo 14).
Quando o exame está pronto, a paciente recebe um aviso via SMS e email e pode acessar, na plataforma da See Me, um relatório sobre a sua saúde íntima, com uma linguagem simples e direta.
Se ela já fizer um acompanhamento, o(a) profissional receberá o copiloto médico, com interpretações dos resultados e indicações de tratamentos feitas pelo algoritmo da See Me, que foi alimentado com mais de 2 300 artigos científicos.
Caso a paciente não tenha acompanhamento, poderá fazer uma teleconsulta na healthtech para receber um plano de tratamento personalizado. A See Me também conta com o apoio de uma enfermeira na plataforma para fazer um follow up e entender se a paciente seguiu com o tratamento ou se teve alguma intercorrência.
Os feedbacks, diz Stephani, emocionam. Há relatos de pacientes que receberam um diagnóstico precoce de uma lesão e conseguiram fazer o tratamento de câncer. A empreendedora compartilha outra história:
“Tivemos o relato de uma mulher que sofria há três anos com a candidíase. Por causa da infecção, tinha perdido qualidade de vida, teve problemas no relacionamento, não conseguia engravidar. Depois que passou com a gente, veio contar que estava há oito meses sem nenhum sintoma”
Os kits da See Me custam 360 reais (DNA-HPV) e 680 reais (microbioma vaginal, que conta também com o rastreamento oncológico). Os preços incluem o envio pelos Correios, a análise laboratorial e a teleconsulta. Em comparação, Stephani afirma que, em um laboratório particular, o rastreamento do HPV pode custar cerca de 600 reais e o exame de microbioma, entre 1 600 reais e 3 mil reais.
Um grande diferencial do DNA-HPV em relação ao papanicolau é que ele é muito mais sensível, podendo identificar a presença do vírus antes mesmo de evoluir para uma lesão pré-cancerígena.
“O DNA-HPV consegue identificar até dez anos antes [que as alterações celulares sejam visíveis no papanicolau] a presença do vírus e a sua persistência”
Além disso, o papanicolau apresenta falsos negativos, o que não acontece nesse outro método. Para se ter uma ideia, comparado à lâmina usada no papanicolau, o DNA-HPV aumenta em 10 mil vezes a chance de diagnóstico preciso.
Não à toa, em março deste ano o Governo anunciou que vai substituir gradualmente o exame de papanicolau por esse tipo de teste na rede pública de saúde. Outra vantagem é que ele é mais completo e mapeia os tipos de vírus, enquanto o papanicolau apenas identifica que há uma contaminação.
“Um grande benchmark para a See Me foi o governo australiano, que não faz papanicolau desde 2011. Lá eles usam a autocoleta, a vacinação e um software para acompanhar a paciente. Será o primeiro país a não ter mais câncer do colo do útero. Hoje, são 395 casos e nenhuma morte há anos”
Aqui no Brasil, a situação é outra, afirma Stephani: “A gente tem uma incidência de novos casos muito alta e uma persistência do vírus circulando, porque os diagnósticos são tardios, devido a problemas com o papanicolau e à falta de vacinação”.
Por fim, uma vantagem super importante oferecida exclusivamente pela healthtech é a gestão de dados da saúde íntima da paciente, acompanhando-a desde o exame até o momento em que recebe o tratamento e o pós, para entender a evolução e melhora do quadro. “A See Me, na verdade, vai muito além do exame: é sobre a jornada e o fluxo de atendimento, é sobre o ecossistema que a gente construiu.”
E claro, é também sobre acolhimento. “Eu já fui uma dessas pacientes que não foi bem acolhida e tive resultados mal explicados… É uma sensação pela qual nenhuma mulher deveria passar.”
Como elevar seus ganhos e ajudar pacientes a perder peso de forma mais efetiva? O casal Laís Vilar e Samir Bayde toca a Nutrição Sem Fronteiras, uma escola para capacitar nutricionistas a dar um salto de performance nos acompanhamentos.
Mesmo no banho, muitas mulheres ainda evitam tocar sua região genital. Fundada por Fabi Giralt, a NUAÁ se propõe a transformar a rotina de autocuidado feminino com espumas de higiene íntima para fases diversas, da puberdade à menopausa.
Na faculdade, Cynthia Nara criou um creme para prevenir lesões em pacientes acamados. Mal sabia ela que aquele seria o primeiro protótipo da Pele Rara, uma startup de cosméticos indicados para os mais diversos tipos e problemas de pele.