Madelein Månsson trabalhou como modelo, instrutora de ginástica, criou uma festa e virou DJ – tudo isso depois dos 50 anos. A história dessa sueca, que morou no Rio de Janeiro na década de 1980 e hoje é conhecida como DJ Gloria, mexeu com a jornalista gaúcha Patrícia Parenza.
Natural de Caxias do Sul, Patrícia vive em Porto Alegre e também deu uma guinada numa idade em que muitos já pensam em desacelerar. Há alguns anos, passou a usar o Instagram para falar com mulheres que, como ela (hoje com 54 anos), começavam a lidar com o climatério, a menopausa e os dilemas do envelhecimento em uma sociedade etarista.
“Eu falo com esse público há dez anos, todos os dias, e nos últimos cinco postava quase todas as noites clipes de músicas anos 70/80 com a palavra ‘gudinaite’ para dar boa noite às minhas seguidoras”
Durante a pandemia, Patrícia foi se consolidando como influenciadora, com mais de 350 mil seguidores. E em janeiro de 2024, depois de descobrir nas redes sociais o vídeo de DJ Gloria, ela resolveu legendar e republicar o conteúdo em seu feed.
Ao ver a receptividade do post, veio a vontade de ir a uma festa com a mesma pegada. Patrícia então se juntou a um amigo, o diretor e roteirista porto-alegrense Diego de Godoy, e juntos decidiram criar uma festa voltada ao público 50+. E assim, em 2024, a noite de Porto Alegre ganhou a Gudinaite.
Duas casas se alternam para receber a festa (que rola sempre no segundo sábado do mês): Encouraçado Butikin e Grezz. Por sua vez, a dupla de fundadores se divide na função de DJs, disparando hits dos anos 1970 e 1980, e realizando performances:
“A gente faz números: eu danço, Diego canta e dubla… Somos divertidos, usamos figurinos com chapéus, paetês, capacete de espelhos… Só nós dois já levantamos a festa…!”
O lema da Gudinaite é: Uma boa noite começa cedo. Cedo mesmo, a partir das 18 horas (lá pela meia-noite, a pista vai esvaziando). As mulheres são a maioria no público, com idade entre 50 e 65 anos. “São elas que puxam os homens, né?”, diz Diego, 55. “Elas [é] que dançam, que animam.”
SEMPRE COM INGRESSOS ESGOTADOS, A GUDINAITE EXTRAPOLOU OS LIMITES DE PORTO ALEGRE
A primeira Gudinaite aconteceu em 13 de abril de 2024. “Quando demos o start, o investimento foi todo de tempo: postagens diárias, montagem das playlists, definição do foco da festa, conceito, as ideias de direção artística que nos levaram a ter as atrações que temos desde o início, o visual…”, diz Diego.
Desde então, eles promoveram mais de 25 edições. Além das noites mensais em Porto Alegre, a Gudinaite chegou a Caxias, na serra gaúcha, e a outros estados. A cada mês, há edições alternadas entre Rio e São Paulo. Também já rolaram Gudinaites em BH, Curitiba e Floripa, e os criadores agora planejam incluir Brasília e Salvador.
“Tem gente que vi em São Paulo, em Floripa, no Rio…”, diz Diego, falando sobre o público cativo que segue a festa aonde quer ela vá:
“Uma vez, em Caxias do Sul, reconheci umas dez pessoas de Porto Alegre no hotel, me disseram que vieram só para a festa! Fiquei espantando, então responderam: ‘Tem só uma vez por mês em Porto, o que é que a gente faz nos outros 29 dias?’”
Para Diego, essa procura é um sinal claro de uma demanda reprimida. “A adesão ao horário inicial é surpreendente. Às vezes, às 17h30 já começa a formar fila, com os mais velhos querendo garantir uma mesa… Isso acontece porque existe uma falta de olhar para eles.”
Com preços que variam de 100 a 200 reais, a festa, segundo a dupla, deu certo desde a primeira edição, sempre com ingressos esgotados (a média de público é de 450 pessoas, mas já houve edições para 1,2 mil baladeiros).
Diego já tinha experiência com a noite de Porto Alegre, organizando festas que tiveram discotecagem de dois nomes do rock britânico oitentista: Andy Rourke (1964-2023), baixista do The Smiths, e Will Sergeant, guitarrista do Echo & the Bunnymen.
Na visão dele, a crise vivida pelo setor do entretenimento noturno não é fruto só de mudanças comportamentais do pós-pandemia, mas também de uma certa miopia empresarial:
“Ah, dizem que as baladas estão fechando porque os mais jovens não gastam com isso e usam aplicativos de encontro, quem está na casa dos 30 não quer mais ir… Só que a nossa turma é outra parada!”
Ele conta como essa miopia se estende também à imprensa. “Uns meses atrás, quando estávamos para a festa em São Paulo, peguei umas matérias falando em festas para o público adulto, 30+. ‘Ah, estão fazendo festas para um público maduro…’ Trinta anos, pelo amor de Deus!”
Para Diego, a faixa etária da Gudinaite sequer é notada pelo mercado. Isso faz parte de uma invisibilidade que a dupla sente na pele – tanto como consumidores quanto como empreendedores.
O Brasil tem mais de 54 milhões de pessoas acima de 50 anos, de acordo com o IBGE. Segundo o Sebrae, pessoas com mais de 60 anos são responsáveis por 20% do consumo nacional.
O levantamento O Futuro é Elas 45+, da consultoria Estúdio Eixo, aponta que 86% das pessoas com mais de 55 anos têm fonte de renda. Ao mesmo tempo, a cada dez consumidores nessa faixa etária, quatro sentem falta de produtos e serviços voltados para eles.
Para os criadores da Gudinaite, a falta de interesse de patrocinadores por uma festa bem-sucedida é um reflexo de como esse público ainda é ignorado, sobretudo no que se refere a lazer e entretenimento. Patrícia desabafa:
“As marcas não olham para nós. Somos invisíveis… Eu sou influenciadora. Se tu pegar uma mulher com 25 anos que gera o mesmo engajamento que eu, ela faz duas publis por dia… Eu faço duas por mês”
A organização da Gudinaite consome bastante tempo. “Temos nossos trabalhos paralelamente, mas a festa virou o nosso principal negócio”, afirma Patrícia. Diego completa: “Depois da primeira, vimos que precisávamos focar quase que integralmente para a festa acontecer em todos estes lugares.”
Denise Cancaro, frequentadora da Gudinaite (foto: arquivo pessoal).
Eles não revelam quanto custa cada edição, mas dizem que a Gudinaite se paga e ainda dá “um baita lucro”. Além da grana, um motor para seguir em frente é saber que estão embalando a criação de novas memórias felizes. Segundo Patrícia:
“É uma festa terapêutica, as pessoas dançam três horas sem parar, saem felizes, realizadas e querem voltar – e muitas voltam”
A empresária Denise Cancaro, 63, é uma dessas frequentadoras assíduas. “Fui na primeira edição e, sempre que posso, vou e chamo as amigas e minhas alunas de dança”, diz Denise. “Ficamos muito à vontade, a música é contagiante!”
No ano passado, em uma edição carioca, a Gudinaite contou com uma participação de luxo.
Às vésperas de completar 80 anos, o compositor, produtor musical, jornalista e escritor Nelson Motta fez sua estreia como DJ. “Ele já fez tudo na vida em relação a música, mas nunca tinha estado no lugar de DJ, então ficou no céu com essa história!”, diz Patrícia.
Diego aproveita a deixa para fazer um balanço do impacto da Gudinaite:
“Toda essa vitalidade da festa me surpreende. Ver pessoas de 80 anos se divertindo por horas é incrível. Então a gente sabe que criou uma marca”
A dupla diz que tem planos “altamente ambiciosos” para a Gudinaite, mas mantém sigilo por enquanto. Uma coisa é certa: o foco continuará sendo mostrar como o segmento 50+ é formado por pessoas multifacetadas que têm muito pela frente:
“Essas mulheres me seguem porque eu mesma me reinventei muito na vida”, diz Patrícia. “Virei DJ aos 53!”
Cinemas antigos que viram estacionamento (ou igreja) são notícia velha. Saiba como um trio de publicitários decidiu traçar o caminho inverso e pôs de pé o Cineclube Cortina, híbrido de cinema e balada no centrão pulsante de São Paulo.
No Rio Grande do Sul, agências concorrentes vêm se unindo em prol de um duplo objetivo: criar oportunidades para jovens negros e mudar a cara do mercado de publicidade. Conheça o programa Rumos Mais Pretos, liderado pela DZ Estúdio.
Algoritmos, fake news, riscos à democracia. Nunca precisamos tanto de bom jornalismo. Conheça o coletivo independente Matinal Jornalismo, que equilibra o olhar para a realidade local e reportagens com denúncias de alcance nacional.