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Baladeiros 50+: como o sucesso da festa Gudinaite escancara a demanda por serviços na economia prateada

Pâmela Carbonari - 6 maio 2025
Diego de Godoy e Patrícia Parenza, criadores da Gudinaite (foto: Enrique Salgado)
Pâmela Carbonari - 6 maio 2025
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Madelein Månsson trabalhou como modelo, instrutora de ginástica, criou uma festa e virou DJ – tudo isso depois dos 50 anos. A história dessa sueca, que morou no Rio de Janeiro na década de 1980 e hoje é conhecida como DJ Gloria, mexeu com a jornalista gaúcha Patrícia Parenza.

Natural de Caxias do Sul, Patrícia vive em Porto Alegre e também deu uma guinada numa idade em que muitos já pensam em desacelerar. Há alguns anos, passou a usar o Instagram para falar com mulheres que, como ela (hoje com 54 anos), começavam a lidar com o climatério, a menopausa e os dilemas do envelhecimento  em uma sociedade etarista.

“Eu falo com esse público há dez anos, todos os dias, e nos últimos cinco postava quase todas as noites clipes de músicas anos 70/80 com a palavra ‘gudinaite’ para dar boa noite às minhas seguidoras” 

Durante a pandemia, Patrícia foi se consolidando como influenciadora, com mais de 350 mil seguidores. E em janeiro de 2024, depois de descobrir nas redes sociais o vídeo de DJ Gloria, ela resolveu legendar e republicar o conteúdo em seu feed. 

Ao ver a receptividade do post, veio a vontade de ir a uma festa com a mesma pegada. Patrícia então se juntou a um amigo, o diretor e roteirista porto-alegrense Diego de Godoy, e juntos decidiram criar uma festa voltada ao público 50+. E assim, em 2024, a noite de Porto Alegre ganhou a Gudinaite

Duas casas se alternam para receber a festa (que rola sempre no segundo sábado do mês): Encouraçado ButikinGrezz. Por sua vez, a dupla de fundadores se divide na função de DJs, disparando hits dos anos 1970 e 1980, e realizando performances:

“A gente faz números: eu danço, Diego canta e dubla… Somos divertidos, usamos figurinos com chapéus, paetês, capacete de espelhos… Só nós dois já levantamos a festa…!”

O lema da Gudinaite é: Uma boa noite começa cedo. Cedo mesmo, a partir das 18 horas (lá pela meia-noite, a pista vai esvaziando). As mulheres são a maioria no público, com idade entre 50 e 65 anos. “São elas que puxam os homens, né?”, diz Diego, 55. “Elas [é] que dançam, que animam.”

SEMPRE COM INGRESSOS ESGOTADOS, A GUDINAITE EXTRAPOLOU OS LIMITES DE PORTO ALEGRE

A primeira Gudinaite aconteceu em 13 de abril de 2024. “Quando demos o start, o investimento foi todo de tempo: postagens diárias, montagem das playlists, definição do foco da festa, conceito, as ideias de direção artística que nos levaram a ter as atrações que temos desde o início, o visual…”, diz Diego. 

Desde então, eles promoveram mais de 25 edições. Além das noites mensais em Porto Alegre, a Gudinaite chegou a Caxias, na serra gaúcha, e a outros estados. A cada mês, há edições alternadas entre Rio e São Paulo. Também já rolaram Gudinaites em BH, Curitiba e Floripa, e os criadores agora planejam incluir Brasília e Salvador. 

“Tem gente que vi em São Paulo, em Floripa, no Rio…”, diz Diego, falando sobre o público cativo que segue a festa aonde quer ela vá:

“Uma vez, em Caxias do Sul, reconheci umas dez pessoas de Porto Alegre no hotel, me disseram que vieram só para a festa! Fiquei espantando, então responderam: ‘Tem só uma vez por mês em Porto, o que é que a gente faz nos outros 29 dias?’”

Para Diego, essa procura é um sinal claro de uma demanda reprimida. “A adesão ao horário inicial é surpreendente. Às vezes, às 17h30 já começa a formar fila, com os mais velhos querendo garantir uma mesa… Isso acontece porque existe uma falta de olhar para eles.”

Com preços que variam de 100 a 200 reais, a festa, segundo a dupla, deu certo desde a primeira edição, sempre com ingressos esgotados (a média de público é de 450 pessoas, mas já houve edições para 1,2 mil baladeiros). 

CRISE DO SETOR NOTURNO OU MIOPIA EMPRESARIAL?

Diego já tinha experiência com a noite de Porto Alegre, organizando festas que tiveram discotecagem de dois nomes do rock britânico oitentista: Andy Rourke (1964-2023), baixista do The Smiths, e Will Sergeant, guitarrista do Echo & the Bunnymen. 

Na visão dele, a crise vivida pelo setor do entretenimento noturno não é fruto só de mudanças comportamentais do pós-pandemia, mas também de uma certa miopia empresarial:

Ah, dizem que as baladas estão fechando porque os mais jovens não gastam com isso e usam aplicativos de encontro, quem está na casa dos 30 não quer mais ir… Só que a nossa turma é outra parada!” 

Ele conta como essa miopia se estende também à imprensa. “Uns meses atrás, quando estávamos para a festa em São Paulo, peguei umas matérias falando em festas para o público adulto, 30+. ‘Ah, estão fazendo festas para um público maduro…’ Trinta anos, pelo amor de Deus!”

Para Diego, a faixa etária da Gudinaite sequer é notada pelo mercado. Isso faz parte de uma invisibilidade que a dupla sente na pele – tanto como consumidores quanto como empreendedores.

A FALTA DE PUBLIS E DE PATROCÍNIO ESPELHA A CEGUEIRA DAS MARCAS DIANTE DAS OPORTUNIDADES DA ECONOMIA PRATEADA

O Brasil tem mais de 54 milhões de pessoas acima de 50 anos, de acordo com o IBGE. Segundo o Sebrae, pessoas com mais de 60 anos são responsáveis por 20% do consumo nacional. 

O levantamento O Futuro é Elas 45+, da consultoria Estúdio Eixo, aponta que 86% das pessoas com mais de 55 anos têm fonte de renda. Ao mesmo tempo, a cada dez consumidores nessa faixa etária, quatro sentem falta de produtos e serviços voltados para eles. 

Para os criadores da Gudinaite, a falta de interesse de patrocinadores por uma festa bem-sucedida é um reflexo de como esse público ainda é ignorado, sobretudo no que se refere a lazer e entretenimento. Patrícia desabafa:

“As marcas não olham para nós. Somos invisíveis… Eu sou influenciadora. Se tu pegar uma mulher com 25 anos que gera o mesmo engajamento que eu, ela faz duas publis por dia… Eu faço duas por mês”

A organização da Gudinaite consome bastante tempo. “Temos nossos trabalhos paralelamente, mas a festa virou o nosso principal negócio”, afirma Patrícia. Diego completa:  “Depois da primeira, vimos que precisávamos focar quase que integralmente para a festa acontecer em todos estes lugares.”

Denise Cancaro, frequentadora da Gudinaite (foto: arquivo pessoal).

Eles não revelam quanto custa cada edição, mas dizem que a Gudinaite se paga e ainda dá “um baita lucro”. Além da grana, um motor para seguir em frente é saber que estão embalando a criação de novas memórias felizes. Segundo Patrícia: 

“É uma festa terapêutica, as pessoas dançam três horas sem parar, saem felizes, realizadas e querem voltar – e muitas voltam”

A empresária Denise Cancaro, 63, é uma dessas frequentadoras assíduas. “Fui na primeira edição e, sempre que posso, vou e chamo as amigas e minhas alunas de dança”, diz Denise. “Ficamos muito à vontade, a música é contagiante!”

AUTOR DA BIOGRAFIA DE TIM MAIA, NELSON MOTTA DISCOTECOU NA GUDINAITE ÀS VÉSPERAS DE COMPLETAR 80 ANOS

No ano passado, em uma edição carioca, a Gudinaite contou com uma participação de luxo. 

Às vésperas de completar 80 anos, o compositor, produtor musical, jornalista e escritor Nelson Motta fez sua estreia como DJ. “Ele já fez tudo na vida em relação a música, mas nunca tinha estado no lugar de DJ, então ficou no céu com essa história!”, diz Patrícia. 

Diego aproveita a deixa para fazer um balanço do impacto da Gudinaite: 

“Toda essa vitalidade da festa me surpreende. Ver pessoas de 80 anos se divertindo por horas é incrível. Então a gente sabe que criou uma marca”

A dupla diz que tem planos “altamente ambiciosos” para a Gudinaite, mas mantém sigilo por enquanto. Uma coisa é certa: o foco continuará sendo mostrar como o segmento 50+ é formado por pessoas multifacetadas que têm muito pela frente: 

“Essas mulheres me seguem porque eu mesma me reinventei muito na vida”, diz Patrícia. “Virei DJ aos 53!” 

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