Em 2020, o coronavírus abalou o mundo e pôs em evidência profissionais que não tinham a possibilidade de trabalhar em home office. Era o caso dos motoboys.
Durante a pandemia, os entregadores de apps de delivery foram festejados como os heróis que corriam pela cidade para garantir o nosso suprimento de álcool-gel e fast food.
Passados cinco anos, os trabalhadores da categoria continuam enfrentando as precariedades de sempre. Fundada em 2020, a startup Trampay se propõe a amenizar pelo menos um desses problemas: a falta de acesso a crédito.
“Nos bancos tradicionais, os nossos usuários não têm acesso a crédito, por conta da questão da [falta de] formalização do trabalho”, diz Jorge Júnior, 29, fundador da Trampay. E complementa:
“Quando conseguem, esse limite é muito baixo, 200, 300 reais. Só que o custo para se manter na rua, trabalhando durante todo o mês, é muito mais caro. Só de gasolina, isso não abastece [nem] uma semana de um entregador”
A Trampay funciona com um banco digital dos motoboys, antecipando o valor das corridas e oferecendo empréstimos a juros de 2,3%. Segundo Jorge, a startup registra 39 mil usuários ativos; o tíquete médio chega a 1 200 reais.
Jorge desenhou o modelo da Trampay como um trabalho de conclusão do curso de Publicidade na Universidade de Brasília (UnB).
A ideia surgiu em 2018. Na época, a inspiração veio do boom das compras coletivas, impulsionado por empresas como Peixe Urbano e Groupon – e do desejo de apoiar uma categoria já vulnerabilizada, da qual seu pai também fez parte.
“Aquelas compras coletivas faziam sentido para um determinado grupo de pessoas. Queria trabalhar com um grupo de consumo importante, focado nos trabalhadores invisibilizados, para que pudessem ter mais protagonismo”
Ao longo de 2019, Jorge estudou como estruturar a startup e, em dezembro daquele ano, se desligou do emprego CLT para empreender.
Um de seus melhores amigos, Tiago Ribeiro, abandonou a carreira de bombeiro para ser sócio na Trampay. Vitor Quaresma se uniu à dupla trazendo experiência na área de tecnologia.
Nascido na periferia de Recife, Jorge se mudou, ainda na infância, com a família para Brasília, em busca de melhores condições de vida. Viveu na capital federal até os 23 anos.
Quando pensou na criação da Trampay, ele trabalhava na área de comunicação da Caixa de Assistência, setor responsável por benefícios da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Distrito Federal. Ali, desenvolveu uma carteira digital para que os associados pudessem ter descontos em drogarias, cinemas, escolas de inglês, entre outros estabelecimentos.
“Isso subiu para o Conselho Federal [da OAB], se tornou uma febre. Outros sindicatos como o de metalúrgicos, de medicina, começaram a ligar para entender como era feito. Aí eu vi uma oportunidade se abrindo, porque pensei que se deu certo com os advogados, estava na hora de jogar isso para quem precisa”
Para viabilizar a startup, ele precisava de recursos. Sacou o FGTS e mobilizou parentes, amigos e investidores. Depois de testar o modelo de negócio, que virou case dentro da OAB, a ideia era adequá-lo à sua empresa, cujo público-alvo são os motoboys. O ponto de partida seria entender qual sua principal necessidade.
Para isso, a Trampay criou seu primeiro produto em 2021: um ponto de apoio, em Brasília, para que esses trabalhadores pudessem utilizar banheiros, esquentar marmitas e fazer pausas durante o expediente de forma gratuita e segura.
“Enquanto os usuários de cartão black têm sala VIP no aeroporto, a gente tem esse ponto de apoio na rua para quem trampa. Virou o nosso laboratório porque conseguimos construir uma comunidade real”
Acompanhando de perto a rotina desses trabalhadores, Jorge logo identificou sua principal demanda: a necessidade por crédito. “Desde acesso à liquidez financeira porque eles demoram para receber o valor de uma corrida, às vezes tinham de pedir vale para a empresa.”
A falta de previsibilidade de renda característica do trabalho informal e por vezes a negativação do CPF impedem, segundo Jorge, que esses trabalhadores tenham acesso aos bancos tradicionais.
Assim, eles acabam sendo empurrados para o “mercado secundário”, clandestino, com juros exorbitantes, que podem começar em 15%, segundo o empreendedor. “Estamos falando do mercado que gira nas comunidades. Agiotas, pessoas que se aproveitam dessa vulnerabilidade dos informais.”
A Trampay se posiciona como alternativa ao mercado clandestino e também aos bancos tradicionais. Isso se dá por meio de um “crédito assistido”, uma espécie de consignado privado; à medida em que há conexão com as empresas, a Trampay faz uma leitura dos recebíveis dos entregadores e transforma o valor em crédito.
“A Trampay se dispõe a ser esse fio condutor, ter acesso a dados e construir um score próprio para esse trabalhador informal”
Para ter acesso a uma conta, basta baixar o aplicativo disponível nos sistemas Android e IOS, e comprovar os dados com os documentos pessoais. Jorge afirma que mesmo os que possuem restrição no CPF são aprovados.
A confirmação sobre a atuação como entregador é feita por meio de um cruzamento de dados com as plataformas de delivery. Caso o vínculo não seja confirmado, o usuário deixa de ter acesso aos benefícios exclusivos para a categoria, mas poderá fazer as demais transações bancárias.
A antecipação de recebíveis se tornou o chamariz da Trampay. O motoboy que demoraria até 30 dias para receber uma corrida consegue antecipar o dinheiro na hora, o que garante, por exemplo, que ele consiga abastecer a moto para continuar trabalhando.
“Batemos 2 bilhões de reais transacionados dentro da Trampay, construímos o case e vimos muito impacto porque 70% dos pedidos eram para necessidades básicas”
Além de atuar como um banco e oferecer produtos financeiros, a Trampay opera em outras frentes. Eles processam parte da agenda de pagamentos do iFood, funcionando como uma espécie de conta salário para cerca de 6 mil entregadores.
O modelo permite que os descontos de antecipações de recebíveis e empréstimos sejam feitos diretamente na fonte, eliminando o risco de inadimplência dos usuários. A Trampay também atende outras empresas, como Shopee, Shein e Amazon.
Por meio de uma parceria com a B3, os usuários recebem orientações sobre investimentos e de educação financeira, algo particularmente importante em tempos de bets.
Desde 2022, Jorge vive em São Paulo, para onde se mudou com o objetivo de empreender a Trampay. Ele diz que ao longo dos anos a startup passou por diversas acelerações: Artemisia, Quintessa, InovAtiva, BNDES Garagem, Endeavor.
A empresa atualmente tem 35 funcionários, incluindo departamentos financeiro, operacional, tecnologia, produto, atendimento ao cliente, inteligência de dados, comercial, comunicação e marketing. Eles atuam no formato híbrido, alocados parte do tempo em um dos escritórios da Google for Startups, no Paraíso, em São Paulo.
Recentemente, a startup teve queixas registradas contra ela no Reclame Aqui, com menções a dificuldade de cadastro e problemas de segurança (como clonagem). Jorge comenta:
“Tivemos uma incidência de alguns golpes e fraudes e meu time subiu a barreira de abertura de contas, mas durante o primeiro semestre cuidamos internamente de cada um dos casos. Mas é importante ressaltar que nenhum deles é de entregador”
Mesmo com o escritório em São Paulo, a Trampay mantém dois pontos de apoio em Brasília; o segundo foi inaugurado agora, no fim de junho, na Asa Sul. São espaços para que os motoboys descansem, usem o banheiro e esquentem suas marmitas, com tudo gratuito.
Sobre o impacto na vida dos clientes (a startup registra 70 mil downloads em 600 municípios), Jorge cita um caso, um usuário que estava construindo sua casa no interior da Bahia e só conseguia manter o andamento semanal da obra por conta dos adiantamentos viabilizados pela startup.
Para chegar a cada vez mais gente, ele conta que a Trampay tem outros produtos no radar, como um cartão de crédito próprio, plano de financiamento para aquisição de motos e seguros. Também há planos de expandir o público-alvo para incluir outros grupos, como pedreiros e empregadas domésticas:
“Minha mãe não foi doméstica, mas somos um país de filhos de empregadas domésticas, muitas delas passaram pelas nossas vidas”, diz Jorge. “Atendê-las é uma construção que precisa ser feita.”
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