Casa de Valentina, um blog que inovou e virou referência ao vender online produtos de decoração

Isabela Mena - 14 dez 2015
Lucila, do Casa de Valentina, negócio que começou como um blog e se tornou um marketplace de móveis e objetos para a casa.
Isabela Mena - 14 dez 2015
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Quem visita o Casa de Valentina, marketplace online de decoração que também oferece conteúdo editorial, não imagina que sua origem é anterior ao blog que deu início aos trabalhos. O começo mesmo foi um arquivo gigantesco de PowerPoint com milhares de imagens de decoração no notebook de Lucila Turqueto, 33. Que, claro, um dia travou — simplesmente não abria mais. A quase fatalidade (o arquivo foi salvo) fez com Lucila migrasse para a web. E transformasse seu projeto paralelo em um business de sucesso.

Olhando hoje, estar online parece ser o caminho natural, quase óbvio. Mas em 2008, quando Lucila comprou seu primeiro domínio, ela achava a blogosfera pouco convidativa ao universo de decoração. “Já existiam alguns blogs de moda, mas de decoração só uns dois se destacavam. A maioria era mesmo de tecnologia. Eu via aqueles blogs super geeks e tinha vergonha de falar que também tinha um. Para não aparecer, pus uma foto do meu pé em vez do meu rosto, e coloquei o nome de Casa de Valentina em vez de Casa de Lucila. Queria um nome de mulher”, conta.

A escassez de similares brasileiros significava, também, baixa concorrência — um oceano azul, em linguagem startupeira. Mas este é outro fato que faz mais sentido se visto em retrospectiva já que lá no início Lucila nem pensava nisso. Era uma funcionária bem sucedida e realizada da área de comunicação e mercadologia da Globo, onde começou ainda como estagiária (é formada em publicidade pela ESPM e em jornalismo pela Cásper Líbero). O universo da decoração entrou em sua vida apenas porque ela ia casar. E, nas pesquisas para montar o apartamento novo, encontrou uma paixão. “Era algo tão gostoso que acabei me envolvendo mais do que imaginava”, diz.

No blog do Casa de Valentina há a seção Open House, que conta a história (em texto e muitas fotos) da casa de convidados.

No blog do Casa de Valentina há a seção Open House, que conta a história (em texto e muitas fotos) da casa de convidados.

De dia, Lucila trabalhava na Globo com desenvolvimento de plataforma, comunicação visual de eventos, material gráfico. À noite, abastecia o blog não só com as referências achadas em blogs e sites gringos mas com informações que obtinha peregrinando em causa própria. “Considero uma linha guia minha experiência e dificuldades montando meu apartamento. Até hoje, procuro manter isso em mente porque acho superválido para o Casa de Valetina”, afirma.

Assim foi por cerca de um ano e meio, tempo em que os acessos cresceram rápida e organicamente. Ela então migrou para a plataforma Wordpress e nisso gastou entre 2 e 3 mil reais, valor que considera como seu primeiro real investimento no projeto (no Blogspot tinha gasto 30 reais). A esta altura, já estava mais estruturada, tinha dois anunciantes e contratou um designer, que remodelou a coroa da logomarca. O seu olhar já estava se voltando para o fato de que seu projeto estava se tornando um business. “Vários arquitetos começaram a me mandar projetos porque passei a ter relevância. Já a grana ainda era pouco nesta fase, tipo uns 400 reais por mês”, conta ela.

PRIMEIRO UMA SACADA, DEPOIS UMA GRANDE SACADA

Lucila então teve sua primeira sacada: montar um guia de profissionais, algo que ainda não existia. “Era um guia incipiente, bem júnior. Fiz sem custo nenhum, usava o que o WordPress me possibilitava. Mas quem buscava arquiteto, decorador, não tinha muito onde encontrar porque os sites das revistas nacionais eram ainda muito fracos”, conta.

Mas a grande sacada de Lucila veio um pouco depois, em 2010. Ela percebeu que não havia catálogo online de produtos de decoração e quem quisesse comprar teria de “bater perna”, ou seja, visitar loja por loja atrás de um único produto, se fosse o caso. “Foi uma dificuldade que encontrei quando montei minha casa. Não havia portfólio online, era um garimpo físico e eu achava isso muito burro. Minha vida era corrida, trabalhava em horário comercial e ainda fazia o blog à noite, ou seja, não tinha muito tempo para visitar lojas.”

O Casa de Valentina também é vitrine para profissionais de arquitetura e decoração, que podem mostrar projetos (esse é o da Tango Arquitetura)

O Casa de Valentina também é vitrine para profissionais de arquitetura e decoração, que podem mostrar projetos (o acima é da Tango Arquitetura)

Ela o mesmo designer e fez o layout de uma plataforma “que já deu para começar a pensar no negócio”. O passo seguinte era ilustrar seu guia. Ela começou a conversar com as lojas, mas nenhuma tinha still (fotos produzidas) das peças, o que foi uma dificuldade inicial. Certa de que estava criando algo que iria atender uma demanda do mercado, ela própria encarou o desafio: ia nas lojas (sempre aos sábados ou durante seu horário de almoço) e fotografava ela mesma as peças. A ideia era montar um mostruário para que as lojas tivessem a ideia da proposta do catálogo.

Deu certo. No começo, o guia tinha cerca de mil móveis de 10 lojas. “Com esse mostruário, vi que tinha um mercado potencial bom. Então contratei uma empresa de tecnologia que desenvolveu um catálogo profissional de produtos”, conta. Para isso, foram mais 100 mil reais, tirados das suas economias já que a renda com a publicidade do blog ficava perto de 4 mil reais mensais.

A TEMIDA HORA DO SALTO

Após dois meses da plataforma do catálogo pronta, Lucila contratou uma vendedora para prospectar lojas e o Casa de Valentina deixou de ser projeto paralelo — ela pediu demissão da Globo, o que não foi fácil:

“Eu gostava muito do meu emprego, o clima de trabalho e a equipe eram bons. Posterguei a saída até o último minuto”

Ela agora tinha tempo para trabalhar o conteúdo do blog e, nos seis meses seguintes, viu o negócio crescer rapidamente. O modelo de negócio consistia em vender uma mensalidade de 500 reais para as lojas se cadastrarem na plataforma, podendo inserir ali um número limitado de produtos. Se excedessem, pagavam uma taxa variável. A agora empreendedora contratou uma equipe de frilas com fotógrafo e uma pessoa para ajudar no cadastramento. Em um ano, a Casa de Valentina tinha quase 200 lojas listadas. O passo seguinte foi contratar uma pessoa para cuidar da parte administrativa.

O Casa de Valentina é dividido em produtos (marketplace), blog (conteúdo inspiracional) e referências (conteúdo).

O Casa de Valentina é dividido em produtos (marketplace), blog (conteúdo inspiracional) e referências (conteúdo).

“O catálogo teve muita aderência, a gente reinava único no mercado. Em quase dois anos com ele no ar, estava entregado para as lojas parceiras 3 milhões de reais em leads de compra”, conta ela.

O modelo em que o usuário entrava no site, fazia a busca, usava os filtros, encontrava os produtos, clicava, fazia o orçamento e era encaminhado à loja durou dois anos. Lucila diz que começou, então, a perceber que poderia entregar para seus leitores uma experiência mais completa. “Às vezes uma loja de São Paulo não entregava em Salvador, por exemplo, e demorava em responder ao leitor. Não era um processo rápido e comecei a pensar em automatizar isso, em transformar o catálogo num marketplace. Foi o que a gente fez no fim de 2013”, conta ela.

Entrava no ar uma terceira plataforma e outra sacada de Lucila: a nova plataforma já tinha integração com gateway de pagamento, com sistema de frete e com sistema de rastreamento de produto. “Nessa mudança, que é grande para o negócio, tivemos de abrir mão de algumas lojas que ainda não têm estrutura de fazer venda online, de embalagem, não emitem nota fiscal, ou seja, lojas que têm uma estrutura um pouco mais caseira. Mas valeu muito a pena”, afirma.

Para dar conta do lado administrativo da nova fase, Lucila fez uma pós-graduação na FGV e acha que o curso a ajudou mas o fundamental, acredita, foi sua experiência na Globo, com desenvolvimento de site. E, claro, a vivência:

“Os erros e acertos do dia a dia valem mais do que qualquer pós-graduação”

Ela prossegue: “Percebo é que tem muita loja que não faz venda online mas vende pelo Casa de Valentina e acha que montar online é simples, que vai ter um custo menor do que montar uma loja física. Não é. Já vi muita loja boa fechar porque no papel as coisas funcionam brilhantemente mas na prática, num blog, há uma pulverização enorme é só quem está imerso no negócio sabe o que dá certo ou não”.

O Casa de Valentina hoje é dividido em três áreas principais: produtos (o marketplace propriamente dito), blog (conteúdo inspiracional e dicas DIY) e referências — esta última, dividida em ambientes (parece um Pinterest infinito), projetos (mini reportagens com fotos e textos contando sobre projetos de decoração) e referências (uma lista de paisagistas, decoradores e arquitetos).

Com a evolução do modelo de negócios, atualmente o faturamento do Casa de Valentina vem um pouco da publicidade (posts com dicas de marcas) e mais fortemente do marketplace. Lucila diz transacionar cerca 1,2 milhão de reais por mês, e explica como fatura em cima disso: “A cada venda que fazemos, ficamos com um percentual de comissão. Mesmo com esse percentual, garantimos que o produto comprado no Casa de Valentina terá preço igual ou até mais barato do que na loja. O pulo do gato é que, comprando no site, o consumidor tem a garantia do preço e também de que o produto vai ser entregue, pois fazemos questão de acompanhar o produto desde que sai da loja até chegar à casa do cliente. Temos um painel que aponta os produtos e entramos em contato com o lojista se identificarmos qualquer problema”.

UMA COMUNIDADE FORMADA SEM COMPRA DE MÍDIA

Hoje, o Casa de Valentina acumula quatro milhões de pageviews, cerca de mil leitores únicos diários e uma taxa de conversão de 1,7%. Isso, organicamente, já que Lucila nunca fez anúncios pagos no Google ou no Facebook. “Acho que antes de montar qualquer coisa a pessoa precisa ter um planejamento de como vai trazer o fluxo de navegação para o site delas. E tem várias maneiras: trabalhar conteúdo, se associar a outra empresa de bons conteúdos ou até montar algo físico”, diz.

Em seu cotidiano de empreendedora, Lucila se divide entre fazer o conteúdo — separa três horas do dia para esta que é sua grande paixão — e, no resto do tempo, dedicar-se à gestão do marketplace que envolve questões comerciais, administrativas e tecnológicas (há um consultor de tecnologia participando desde o começo).

Lucila e o marido, Pedro Turqueto, na pop-up store da empresa no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo

Lucila e o irmão, Pedro Turqueto, na pop-up store da empresa no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo

Lá no início, quando saltou para o mundo do empreendedorismo, Lucila (que é casada com Célio Levorin e mãe de Bento, de 1 ano)  imaginava que viria a ter um negócio com dois ou três funcionários. No começo deste ano, tinha 21. “Dei uma enxugada boa, para 14, e agora acho que está rodando bem. Diminuímos por causa de uma mudança de plataforma, que ficou mais automatizada, e também por receio do ano que vem, como todo empresário”, diz.

Mais uma vez, ela usa a tecnologia para tentar superar dificuldades e manter seus clientes sempre bem atendidos. Como em outros sites de e-commerce, o Casa de Valentina mapeia o perfil do leitor/cliente de acordo com fluxo de navegação em outros sites. Com isso, Lucila sabe que seu público é formado prioritariamente por mulheres adultas de classe alta e considera um desafio grande encontrar formatos online que conversem com elas. “Não são adolescentes que consomem tecnologia de maneira frenética, mas de alguma forma consomem, e por isso precisamos descobrir como.”

Nessas horas, as atenções da fundadora se voltam novamente à área do blog, que era o embrião do projeto e tornou-se o coração do Casa de Valentina. A equipe que trabalha é formada por cinco pessoas, todas empenhadas em postar inspirações diárias, vivências e dicas que inspirem essa leitora/cliente. Lucila diz que, se fosse um ambiente físico da casa, o blog seria uma cozinha “aberta para o quintal com um bolo saindo do forno, pronta para receber os visitantes”.

Desde o início deste mês, a Casa de Valetina está com uma pop-up store no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo. Até o dia 27, é possível comprar presencialmente pequenos móveis e objetos de muitas marcas que, assim como o Casa de Valentina, só “existem” online. Vai ter bolo quentinho, Lucila?

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Casa de Valentina
  • O que faz: Blog de conteúdo e marketplace de decoração
  • Sócio(s): Lucila Turqueto
  • Funcionários: 14
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2008
  • Investimento inicial: entre R$ 2.000 e R$ 3.000 reais
  • Faturamento: NI
  • Contato: [email protected] e (11) 3854-6051
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