Chá de cogumelo? Não. Mas tem linguiça, moqueca e feijoada. Conheça a Cogumelado, marca de refeições fungi-based

Dani Rosolen - 20 jun 2023
Thiago de Azevedo, cofundador da Cogumelado.
Dani Rosolen - 20 jun 2023
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Os fungos estão em alta. Seja no entretenimento, como uma praga apocalíptica no sucesso da série The Last of Us, da HBO, seja na onda psicoterápica, com a psilocibina, princípio ativo dos “cogumelos mágicos”.

Pois o belo-horizontino Thiago de Azevedo, 38, quer trazer o cogumelo para o prato dos brasileiros. Ele é o cofundador da Cogumelado, a primeira foodtech fungi-based do Brasil que vende suas refeições enlatadas. Ou, como se apresenta no site e nas redes sociais: “a fantástica fábrica de cogumelos”.

Assim como a onda plant-based tem mostrado aos consumidores opções de produtos feitos com plantas, a marca busca disseminar a alimentação à base de fungos, com cogumelos do tipo shimeji, ostra, paris e portobello nas suas preparações.

A Cogumelado dispõe em seu catálogo de uma linha de “meals”, com latinhas de feijoada e moqueca, e uma “premium”, com cogumelos para tira-gosto ou que podem ser utilizados no preparo de receitas. É o caso do shimeji al mare e do cogumelo ostra defumado.

Fora das latinhas, a startup lançou recentemente a linha “meats”. São dois congelados, com foco no food service: um hambúrguer e uma linguiça. Para fazer referência aos efeitos causados por certos tipos de cogumelos, o site brinca (sobre o sabor dos produtos): “Não é alucinógeno, é alucinante”.

Vegano desde 2012, Thiago, que sempre amou se aventurar na cozinha, fundou a empresa pensando em como poderia contribuir com a criação de alimentos sustentáveis e saudáveis que ajudassem no enfrentamento da atual emergência climática.

ELE PERCEBEU A VERSATILIDADE DOS COGUMELOS PARA SUBSTITUIR A CARNE EM PRATOS QUE GOSTAVA DE CONSUMIR

Thiago estudou Direito, largou e foi cursar Comunicação Social Integrada, depois morou um tempo fora, no Canadá, e quando retornou, transferiu a formação para Cinema. Mas prestes a concluir, começou a trabalhar buscando investimento para o negócio de um amigo canadense. Depois, acabou atuando na parte comercial da empresa de engenharia da família por nove anos.

Sua paixão, no entanto, sempre foi a culinária. “Desde que sou muito novinho, adoro cozinhar e isso era terapêutico para mim”, afirma.

Quando virou vegetariano e, logo em seguida vegano, em 2012, o cogumelo entrou na sua vida. Dois anos depois, ele conta que se aproximou de produtores e começou a comprar esse alimento sem intermediários e a testar receitas.

“Apesar de ter me tornado vegano, sou de BH e minha família é mineira, então a cultura da carne sempre foi muito forte. Eu era, inclusive, o churrasqueiro da turma de amigos e a galera ficou meio preocupada no início da minha mudança. Mas percebi que através dos cogumelos existiam infinitas possibilidades para fazer pratos que me eram queridos, de feijão tropeiro à feijoada”

As criações de Thiago não só conquistaram o seu paladar, mas o dos amigos, que insistiam para ele abrir um restaurante. E foi o que ele fez, junto de dois sócios.

A COGUMELADO NASCEU COMO UM RESTAURANTE, QUE DEPOIS FOI “ENLATADO”

Com o amigo de infância, o engenheiro civil e especialista em agrofloresta Luciano Ribeiro, hoje CEO da empresa, e o cunhado, Ronan Oyama, que cuida da logística, Thiago abriu, em 2018, o restaurante em BH, assumindo a função que designa de “Chief Mushroom Officer”, ou seja, o responsável por desenvolver as receitas do negócio.

Com funcionamento de segunda-feira a sábado no esquema a la carte no horário de almoço, o Cogumelado focava em pratos tradicionais da cozinha brasileira como churrasco, feijoada, moqueca, estrogonofe, bobó, tutu de feijão, massas — tudo à base de cogumelo.

O restaurante também abria, no período da noite, de quinta-feira a sábado, como casa de shows, com serviço de petiscos e lanches de cogumelos.

“A ideia era que aquele espaço fosse nossa vitrine e dali a gente iria caminhando para depois criar a fábrica”

O restaurante funcionou até 2019 com sucesso, segundo o empreendedor, como um MVP. “A culinária foi muito bem recebida, assim como o ambiente que a gente formou.”

Muitos frequentadores, aliás, nem sabiam que o restaurante era vegano e que o ingrediente principal das receitas, criadas por Thiago, eram os cogumelos.

“Sempre acreditei que a gente tem que fazer comida para todo mundo. Se é vegana ou não, tem que ser algo que ofereça prazer à mesa. E foi isso que aconteceu. Algumas pessoas frequentaram o restaurante durante um ano inteiro para só depois entender a proposta. Entre nossos clientes, 90% eram onívoros, para ter uma ideia”

No final de 2019, o trio recebeu um pequeno investimento-anjo e resolveu “enlatar” o restaurante para poder chegar a mais pessoas e trazer novas opções para o mercado.

A lata foi escolhida como embalagem justamente pela questão ambiental. “Aqui no Brasil, 95% das latas são recicladas. Existe um estudo que diz que a partir do momento que ela foi descartada, três meses depois, está nas prateleiras do mercado novamente.”

Além disso, o processo de autoclave da lata permite que a Cogumelado não utilize nenhum tipo de conservante em seus produtos.

DA PRIMEIRA CRIAÇÃO DA FOODTECH ÀS REFEIÇÕES DE COGUMELO NA LATA

Os empreendedores não contavam com a pandemia, em 2020, que atrapalhou a tática de oferecer degustação em supermercados, por exemplo, para apresentar o primeiro produto da linha premium, o cogumelo ostra defumado (R$ 97,80, o kit com duas unidades). Mas mesmo assim, pouco a pouco, a empresa foi achando meios de se divulgar no online.

Thiago explica a composição dessa primeira latinha, lançada no segundo semestre daquele ano no e-commerce: “O cogumelo ostra é grelhado, defumado, temperado com chimichurri e conservado em azeite extra virgem”. Em 2021, veio o segundo produto, o shimeji al mare (R$ 75,80, o kit com duas unidades).

“Ele é mais triturado, temperado com dendê, cebola e alho, com uma pegada bem nordestina, que a gente adora”

Feijoada na lata da Cogumelado.

Em 2022, a Cogumelado trouxe para o mercado suas “meals”, com a feijoada (R$ 77,80, o kit com duas unidades) e a moqueca (R$89,80, kit com duas unidades). Os produtos são vendidos pelo e-commerce da empresa, com entrega para todo o Brasil, e também no varejo, em cidades como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e outras (é possível consultar aqui os pontos de venda da Cogumelado).

A startup também participa com seus produtos de festivais e feiras e esteve presente, por exemplo, no último Web Summit Rio, onde fez seu pitch e levou um food truck para que o público pudesse provar o que faz, e na semana passada marcou presença na NaturalTech. Lá, a feijoada da marca ficou com o segundo lugar do prêmio Award 2023 na categoria alimentos.

Atualmente, a empresa conta com cinco produtores de cogumelos de BH, um de Barbacena (MG) e um de São Paulo.

A IDEIA NÃO É IMITAR A CARNE, MAS TRAZER SABOR E TEXTURA FAMILIARES, ALÉM DE CLARO, SUSTENTABILIDADE

Entre o final do ano passado e início deste ano, a Cogumelado resolveu investir também nas carnes, com o hambúrgueres e a linguiça congelados. “Sobre os cárneos, a gente sempre diz que tem muito hambúrguer com cogumelo, mas de cogumelo mesmo, não”, afirma o fundador. E a diferença, segundo ele, está na textura e no sabor:

“Muitos produtos deste tipo da linha plant-based encontrados no mercado não têm textura de hambúrguer. Chamam assim só porque é um disco, mas na hora que você come parece um patê. E aí fica ruim, porque no caso de um hambúrguer ou linguiça, a textura é muito importante.”

Já a Cogumelado, segundo Thiago, trabalha para entregar produtos que priorizem sabor e textura. Ele diz que a intenção não é imitar a carne, mas que a startup cria processos diferenciados a fim de utilizar o máximo do cogumelo e trazer sabores únicos e familiares “para que a pessoa sinta que o produto parece com alguma coisa que já provou, mas ao mesmo tempo seja algo completamente novo”

“Tem muita gente que come o hambúrguer e diz que parece carne. Questionamos: carne de quê? E não sabem falar…”

A linguiça da Cogumelado.

Além de toda preocupação com o paladar, novamente entra em jogo nesta nova linha a questão da sustentabilidade. De acordo com Thiago, para produzir um hambúrguer de carne bovina são necessários 2 mil litros de água contra 10 litros de uma versão de cogumelo.

Para termos de comparação plant-based, um hambúrguer de soja consome 200 litros. “Não há como se falar em sustentabilidade hoje sem tocar na questão da carne. Hoje, 5% do consumo de água é residencial, mas e os outros 95%?”

O foco dos congelados, a princípio, é o B2B e a foodtech já tem entre os clientes de BH restaurantes, lanchonetes e pizzarias como Forno da Saudade, La Vera, Nico (do chef Leo Paixão), Florestal (da chef Bruna Martins) e Eddie’s Burguer.

Desde o início da operação, 17 toneladas de cogumelos orgânicos foram transformadas em produtos da Cogumelado. Já são 45 mil enlatados vendidos aos consumidores, 7 mil produtos comercializados para restaurantes em remessas de food service e, só em 2023, 15 mil hambúrgueres consumidos.

AINDA É UM DESAFIO SER SUSTENTÁVEL EM UM MERCADO QUE NÃO VALORIZA ESCOLHAS MAIS CONSCIENTES

Nos cinco primeiros meses deste ano, a Cogumelado já alcançou a marca de 500 mil reais em vendas (250% a mais do que no mesmo período de 2022). Em 2021 e 2022, de acordo com Thiago, o faturamento ficou em 1,2 milhão de reais. Mas foram vários os desafios superados (e em superação) para chegar até aqui.

Latinha de cogumelo ostra defumado.

“A gente achava que ter um produto no varejo seria algo mais simples, comparando com o mercado norte-americano plant-based. Os dois primeiros anos foram de bastante entendimento e aprendizado”, conta.

Ele diz que a precificação foi uma questão. “No restaurante há uma lógica, mas no supermercado é outra e envolve uma infinidade de custos embutidos que o consumidor não tem ideia.”

O posicionamento dos produtos nos estabelecimentos também acaba afetando a maneira como os consumidores enxergam o valor cobrado. A recomendação da marca, por se tratar de uma categoria nova, é de que os seus produtos sejam colocados todos juntos num lugar reservados, dos cogumelos enlatados. Mas às vezes, a loja dispõe a feijoada da Cogumelado junto com a de carne, ou com outros produtos premium. Ou a coloca ao lado da sardinha e do atum em lata. E é aí, justamente, segundo ele, que está o problema:

“A maioria das pessoas não sabe, mas a sardinha e o atum são de pesca completamente predatória. E são cadeias que estão fazendo isso há muito tempo e conseguem até produzir a própria lata. Aí, colocam um produto com um preço lá embaixo, que não tem conta ambiental, do lado do nosso e somos cobrados a ter um valor páreo…”

Thiago acredita que para enfrentar esse tipo de desafio, os “produtos verdes”, como o dele, deveriam receber um incentivo fiscal, sendo subtaxados, enquanto produtos comprovadamente daninhos ao meio ambiente deveriam ser hipertaxados. “Assim, haveria um incentivo para que a população fizesse escolhas mais sustentáveis.”

Como, no entanto, esse tipo de política ainda parece distante da realidade brasileira, a Cogumelado trabalha para desenvolver a consciência dos consumidores — uma latinha por vez.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Cogumelado
  • O que faz: Enlatados e congelados à base de cogumelos
  • Sócio(s): Thiago de Azevedo, Luciano Ribeiro e Ronan Oyama
  • Funcionários: 14
  • Sede: Nova Lima (MG)
  • Início das atividades: 2019
  • Faturamento: R$ 1,2 milhão (nos primeiros dois anos de operação)
  • Contato: [email protected]
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