Chega de decoreba: saiba como dois amigos se uniram para estimular a criatividade infantil e melhorar a performance escolar

Marcela Marcos - 15 ago 2022
Vitor Azambuja (à esq.) e Gilberto Barroso, os empreendedores à frente da DCPC.
Marcela Marcos - 15 ago 2022
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As crianças hoje são nativas digitais. Pelo celular, na palma da mão, têm acesso a um volume de informação (e de distração) antes inimaginável. Daí surge um dilema para muitos pais e mães: como fazer os filhos se interessarem o suficiente pela vida escolar?

Dois amigos resolveram empreender para responder essa questão. E foi assim que nasceu a De Criança para Criança (ou DCPC). A edtech desenvolve uma metodologia de aprendizagem baseada em animações criadas pelas próprias crianças.

O carioca Vitor Azambuja e o paulistano Gilberto Barroso, ambos de 56 anos, são os amigos que pilotam o negócio. Gilberto afirma:

“Quando a criança cria conteúdo, depois desenha e narra, ela consegue refazer todo o processo de aprendizagem dentro da cabeça, enquanto o educador faz as provocações necessárias para estimular o raciocínio. Ela aprende ao ganhar protagonismo”

Batizada de Criando Juntos, a metodologia da empresa é aplicada entre crianças dos 6 aos 12 anos. Funciona assim: os professores propõem um tema (conforme o conteúdo programático da Base Nacional Comum Curricular, a BNCC) e atuam como “provocadores” para que os alunos criem histórias – desenhando e, depois, narrando em áudio, num celular.

A escola, então, devolve todas as ilustrações e as narrações para a startup, que desenvolve essas animações a partir do material enviado. Os vídeos ficam disponíveis na EncicloKids e no canal do YouTube do DCPC.

UM É O CRIATIVO, O OUTRO É VENDEDOR: OS BASTIDORES DA ORIGEM DO NEGÓCIO

Vitor é publicitário e artista plástico, formado em piano clássico. Na publicidade, ele conta que já trabalhou com os bambambãs Nizan Guanaes e Washington Olivetto; como pintor, já mostrou seu trabalho em São Paulo, Rio, Paris e Nova York.

Gilberto tem uma trajetória bem diferente. Com três graduações (em administração, psicologia e comércio exterior), começou a carreira no segmento de aviação civil, vendendo jatos e helicópteros para táxi aéreo. Em 1996, ingressou no ramo de TV por assinatura, participando do lançamento (no Brasil) de canais como AXN, Warner e HBO, até se tornar diretor da Sony Pictures.

As esposas dos dois são ex-colegas de faculdade, e assim eles ficaram amigos. A ideia da DCPC veio de um insight meio por acaso, em 2015. Gilberto conta que já tinha pensado em fundar uma produtora de desenho animado.

“Um dia, o Vitor me ligou dizendo que o filho dele estava indo para a escola e fez um desenho de um jogador de futebol. Antes de ir para a agência [na qual trabalhava], ele pegou a ilustração do menino e transformou em uma animação” 

Os dois intuíram que havia ali uma possibilidade de negócio… A primeira ideia que pintou era criar uma rede social na qual crianças do todo inteiro pudessem contar histórias a partir de desenhos que elas próprias fizessem.

“A gente pensava: imagina que bacana se uma criança na África do Sul pensasse numa história, outra na Inglaterra desenhasse e uma terceira, no Brasil, fizesse a narração?”

Parecia mesmo bacana, mas logo surgiu a pergunta: ok, mas quem vai pagar por essa brincadeira? “Até fomos atrás de empresas interessadas em patrocinar, mas não queríamos misturar patrocínio com geração de conteúdo infantil, porque poderia haver um conflito.” 

COMO TROCAR A DECOREBA PELA IMAGINAÇÃO

Foi então que Vitor resolveu marcar uma reunião com a diretora pedagógica da escola do filho. Foi ela a primeira pessoa da área de educação a enxergar ali um potencial transformador para a aprendizagem.

Gilberto relembra como a sua cabeça ficou fervilhando depois daquela reunião:

“Quando o professor vai dar uma aula, por exemplo, sobre o descobrimento do Brasil, ele pede aos alunos para abrirem o livro na página tal, onde a história já está contada… Mas e se, em vez de decorar, o aluno tivesse que construir uma narrativa sobre como ele imagina que tenha sido o descobrimento?”

A partir dessa sacada, os sócios abandonaram de vez aquela ideia de criar uma rede social para, em vez disso, estabelecer uma plataforma com uma metodologia de ensino baseada na tríade história-desenho-locução, que chamaram de Criando Juntos.

Em 2016, eles se dedicaram a estruturar o projeto e, no ano seguinte, começaram a oferecer o método para as escolas. Vitor tocava a parte criativa do negócio, enquanto Gilberto assumia esse trabalho de prospecção de clientes.

A METODOLOGIA AUMENTA O GRAU DE RETENÇÃO DOS CONTEÚDOS E A NOTA DOS ALUNOS

A startup, diz Gilberto, se baseia nos estudos do psiquiatra americano William Glasser, que deram origem à Pirâmide de Glasser.

Segundo esse modelo, durante o processo de aprendizagem as pessoas retêm 10% do conteúdo que apenas leem, 20% do que escutam, 30% do que observam e 50% caso observem e escutem simultaneamente.

No caso da metodologia da startup, Gilberto afirma que esse grau de retenção chega a 85%, o que se refletiria também em um aumento das notas — de meio até um ponto, em média.

“No começo eu achava que o resultado [nas notas] deveria ser muito maior, mas, depois, pesquisando e conversando com pedagogos, entendi que meio ponto percentual de aumento é algo muito difícil de ser alcançado”

Os empreendedores também começaram a ter um feedback legal dos pais. “Eles diziam coisas como: antes meu filho chegava em casa, jogava a mochila no sofá e saía para brincar. Agora, ele chega falando sobre alinhamento dos planetas!

PARA RESOLVER UM GARGALO DO NEGÓCIO, ELES CRIARAM SEU PRÓPRIO CURSO DE ANIMAÇÃO

O contrato com a escola inclui um valor por aluno, que inclui o treinamento do professor para o uso da plataforma com os materiais criados em sala de aula. A precificação envolve, ainda, o custo da animação, a parte mais cara de todo o processo.  

 

A startup tem 16 funcionários fixos, entre eles animadores contratados, mas não demorou para que os sócios notassem que justamente esta função poderia ser um problema para escalar o negócio, gerando a necessidade de contratar muito mais gente conforme a demanda aumentasse. 

Para contornar o problema – e aproveitando a necessidade de digitalização dos processos durante a pandemia –, Gilberto e Vitor criaram um curso de Animação 2D para pessoas com idade a partir de 10 anos. Assim, as crianças (ou seus pais, professores etc.) podem animar a própria produção.

AO TENTAR VENDER A PLATAFORMA PARA PREFEITURAS, ELES OUVIRAM PROPOSTAS DE CORRUPÇÃO

A DCPC hoje trabalha com 24 escolas em cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). A base de clientes chegou a ser três vezes maior, mas sofreu um baque com a pandemia; a expectativa é voltar ao patamar anterior até o fim de 2022.

Inicialmente, as parcerias eram feitas somente com colégios particulares, até que os sócios começaram a vender a metodologia para escolas públicas por meio de prefeituras. Aí, tiveram alguns percalços.

“Além das dificuldades orçamentárias com verba municipal, precisamos lidar com gente que tentou se apropriar da metodologia — e recebemos até ofertas de corrupção”

Uma das gestões (ele não revela qual) teria sugerido um contrato que inflasse em cinco vezes o valor que a startup cobrava, para repassar parte do dinheiro a um grupo político.

Apesar da dificuldade em firmar parcerias para além das escolas particulares, expandir no ensino gratuito é o grande objetivo de atuação da empresa, que, na visão do idealizador, “tem um DNA público, não privado”.

A STARTUP JÁ CONQUISTOU DOIS PRÊMIOS INTERNACIONAIS E DÁ SEUS PRIMEIROS PASSOS NA INTERNACIONALIZAÇÃO

A DCPC ainda não obteve investimento externo e pretende seguir uma estratégia de crescimento orgânico. Além do Brasil, a edtech está presente na Dinamarca e planeja vender a metodologia para escolas da Espanha e dos Estados Unidos ainda em 2022. 

Segundo os sócios, a startup conquistou duas edições do Prêmio HundrED, na Finlândia, concorrendo com mais de 4 500 empresas de todo o mundo com iniciativas voltadas para educação. Há, ainda, as parcerias sociais, com organizações que passaram a utilizar a metodologia, como o GRAAC, a APAE e a Fundação Dorina Nowill.

Gilberto, o cara que vendia helicópteros e foi pioneiro no mercado de TV por assinatura, hoje explica a Pirâmide de Glasser com propriedade – e cheio de orgulho pelo seu negócio.

“Tenho consciência de que sou um bom vendedor, mas sou 70% intuição e 30% técnica. O que mais me orgulha sobre o que fazemos hoje é saber que damos aos alunos uma espécie de bússola confiável para navegarem em um mundo cada vez mais complexo e com mudanças inimagináveis.”

 

DRAFT CARD

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  • Projeto: De Criança para Criança
  • O que faz: Desenvolve metodologia de aprendizagem baseada em animações criadas por crianças sobre conteúdos da Base Nacional Comum Curricular
  • Sócio(s): Gilberto Barroso e Vitor Azambuja
  • Funcionários: 16
  • Sede: Indaiatuba (SP)
  • Início das atividades: 2016
  • Investimento inicial: R$ 2,4 milhões
  • Contato: [email protected]
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