Com iniciativas que unem engenharia e permacultura, a Fluxus quer resolver o problema da gestão da água

Maisa Infante - 5 nov 2018
Guilherme Castagna conta como seu negócio buscar tornar mais fluida e consciente a relação de pessoas, cidades e empresas com a água através de projetos técnicos e jornadas de aprendizagem.
Maisa Infante - 5 nov 2018
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Da união entre a engenharia civil e a permacultura nasceu a Fluxus Design Ecológico. Enquanto a primeira é uma ciência exata especializada em desenhar sistemas e estruturas eficientes, a segunda trabalha com o design ecológico, buscando lições na natureza para atender necessidades de forma eficaz. Juntas, elas podem ajudar a redesenhar a lógica de como a água percorre as cidades, diz Guilherme Castagna, 44, engenheiro, permacultor e fundador da empresa, que desenvolve sistemas de manejo integrado de água.

Diferentemente da engenharia clássica, que define o saneamento básico como uma soma dos serviços de abastecimento, tratamento de esgoto, manejo de água da chuva e gestão de resíduos sólidos, a Fluxus entende a água como um elemento único. Na lógica clássica, a água potável é trazida de longe, a chuva é drenada e removida o mais rápido possível da superfície da cidade e o esgoto é conduzido até uma caixa de concreto para ser “tratado” (na realidade, na maioria dos casos, é despejado sem tratamento algum nos rios).

A Fluxus trabalha com outros princípios, pois sua maior inspiração reside na lógica de operação da própria natureza. Nos ecossistemas naturais, cada um dos processos que acontecem alimenta o outro com um impacto positivo e não existem desperdícios. É assim que são desenvolvidos os projetos da empresa. A água da chuva, por exemplo, é captada, aproveitada e seu excedente tratado e infiltrado em sistemas paisagísticos multifuncionais.

Já nos projetos que oferecem soluções de abastecimento, a Fluxus sempre busca pelas “águas locais” disponíveis, compatibilizando a qualidade destas com a necessária para o consumo, reduzindo, assim, a dependência de águas trazidas de longe, via abastecimento público. O esgoto, por sua vez, é encarado como um fluxo contínuo de água em qualidades diversas, com presença de nutrientes e energia incorporada, que podem e devem ser recuperados para criar novos ciclos virtuosos.

O projeto ideal, diz Guilherme, é aquele que leva em conta todos esses processos. Mas nem sempre isso é possível e, por isso, cada situação é estudada individualmente. Não há receita pronta, mas os princípios que regem o trabalho da empresa são sempre os mesmos, independentemente da escala ou do orçamento, como fala o empreendedor:

“A Fluxus oferece um serviço de inteligência para a gestão de água e nossos princípios cabem em qualquer escala, seja em uma casa na periferia ou em uma grande empresa”

Ele continua: A gente sempre quer gerar uma situação de ganha-ganha, que dê retorno para o investidor e, ao mesmo tempo, ajude a regenerar o ambiente da propriedade ou empreendimento e de todo o entorno”.

O INVESTIMENTO INICIAL FOI EM CURSOS E EM MUITO TEMPO DE DEDICAÇÃO

Formalmente, a Fluxus existe desde 2011. No entanto, o processo de construção do negócio começou bem antes, em 2006, quando Guilherme começou a se organizar para levar essa visão adiante. Ele conta que sempre quis trabalhar com obras de construção pesada e foi, de fato, o caminho que começou a trilhar ainda na faculdade. Fez estágio em uma grande construtora, mas foi dispensado em 1998, quando o setor de construção civil passou por uma crise.

Coleta, tratamento e armazenamento de águas de chuva fazem parte do sistema de manejo desenhado pela Fluxus para este prédio comercial na Vila Madalena, em São Paulo.

Durante um período de estudos em Sidney, na Austrália, ele observou que a cidade tinha uma relação muito harmônica com a água, bem diferente do que ele via no Brasil. “Lá, as pessoas cultuam uma relação positiva com esse bem natural. Pra mim, descobrir isso foi muito simbólico. Fiquei com aquilo na cabeça, mas não sabia exatamente como esse processo se dava.” Ele ainda diz: “Voltei para o Brasil com vontade de colaborar, de fazer algo positivo. Ainda não sabia exatamente o que, quando descobri a permacultura como caminho pra alcançar aquilo com que eu estava sonhando”.

O engenheiro foi, então, estudar permacultura e suas possibilidades mais a fundo e, nesse caminho, acabou sendo convidado para oferecer uma oficina de construção de um reservatório em uma comunidade de agricultores no sul de Santa Catarina. “Era uma comunidade de 36 famílias de agricultores que trabalhavam com arroz alagado, ou seja, tudo em volta era água, mas as áreas estavam contaminadas com agrotóxico. Tinha um rio passando no meio da cidade e eles não tinham um pingo de água para beber, porque estava contaminado com esgoto. Foi a primeira vez que realmente me caiu a ficha de que os problemas de crise de abastecimento geralmente estão relacionados à nossa incapacidade de lidar com a água.”

Nesse momento, ele começou a entender como desejava trabalhar e a Fluxus deu seus primeiros passos. Guilherme conta que não houve uma verba para investimento inicial no negócio, mas considera que todos os cursos e todo o tempo dedicado a aprender mais sobre as questões da água representam o capital para começar o negócio:

“Não peguei uma quantia de dinheiro e investi para começar a empresa, mas tiveram os anos de estudo, vivência e pesquisa”

E prossegue: Busquei aulas com professores especialistas em determinados temas para que pudesse dominar aquilo e incorporar dentro da nossa visão”.

FOI PRECISO CONVENCER OS CLIENTES DE QUE O INVESTIMENTO VALIA A PENA

O primeiro projeto de Guilherme com essa visão sistêmica da água foi feito em 2007. Na época, ainda não se falava em crise hídrica e as pessoas não costumavam olhar de forma mais sustentável para a questão da água. A dificuldade, então, era mostrar para o cliente de que o investimento valeria a pena:

“No início, estávamos muito distantes do que vivemos hoje em relação à preocupação com a água. Então, todo processo envolvia quase que um convencimento do cliente”

Quando veio a crise hídrica, houve uma procura intensa pelos serviços da empresa, quase sempre de forma desesperada, em busca de soluções para a captação de água de chuva, o que deixaria as pessoas menos dependentes das concessionárias. “Eu recebia de três a quatro ligações por dia de gente interessada em fazer projetos de aproveitamento de água da chuva. Mas era um olhar muito raso, uma solução desesperada, que não levava em consideração que às vezes essa captação não é a melhor resposta para aquele caso específico.”

Hoje, o negócio é procurado por pessoas, pequenos municípios e empresas, como indústrias e redes hoteleiras, que já perceberam a urgência de ter um novo olhar para a questão da água. “Temos demanda de grandes clientes que entenderam as vantagens de se trabalhar nesse ganha-ganha. Uma construtora, por exemplo, já percebe que o manejo integrado agrega valor ao empreendimento e pode aumentar o valor de venda, ao mesmo tempo em que o cliente final é beneficiado porque vai consumir menos água e ainda gerar uma demanda menor para a concessionária.”

Em 2017, a Fluxus faturou 200 mil reais, mas neste ano, por causa de mudanças na gestão, o valor deve ser menor. “Resolvi investir mais tempo do que dinheiro para fazer um redesenho na empresa”, conta Guilherme. Ele diz que os projetos tem escalas bastante diferentes e, por isso, os valores cobrados são avaliados caso a caso, mas as consultorias pontuais para propriedades rurais ou urbanas começam em 4 500 reais. A empresa já atendeu clientes como Verescence do Brasil, Prefeitura de São Paulo, Zabo Engenharia e Escola de Engenharia Mauá.

ABRIR MÃO DO CONTROLE FOI ESSENCIAL PARA A FLUIDEZ DA EMPRESA

Até 2017, a Fluxus funcionava como uma empresa tradicional, com funcionários, salários e planilhas fechadas apenas para o administrador. Incomodado com essa forma de gestão, Guilherme resolveu iniciar um processo para transformar os colaboradores em sócios e implementar uma forma de gestão aberta e colaborativa. O processo está em andamento e ainda existe muita tentativa e erro, mas o fundador vê a mudança como positiva. “Hoje nossas planilhas são abertas e desenvolvemos, juntos, uma proposta de retorno para cada um.” Em resumo:

“As pessoas que trabalham comigo são meus parceiros e têm participação direta no resultado dos projetos, na definição de quem vai fazer o que e do quanto vão ganhar”

Para ele, a mudança de gestão é um alinhamento com o propósito da empresa e do próprio core do negócio, que é deixar a água fluir, seguir o seu caminho mais sinuoso e menos retificado. “O nome Fluxus veio de um movimento artístico que aconteceu na Europa no final dos anos 1970 e era descentralizado e autônomo. E a essência do nosso trabalho é a descentralização dos serviços de manejo de água e, também, do poder.”

O Jardim de Chuva, que ajuda na drenagem da água, foi implantado pela Fluxus em uma praça de São Paulo.

Guilherme conta que estava descontente com o modelo de gestão há algum tempo, mas havia apego ao negócio e medo de abandonar o controle. “Este ano decidi virar a chave. Não tinha mais como manter o velho formato. Eu estava descontente e sentia que as pessoas da equipe também buscavam esse tipo de relação. Então, decidi quebrar os nossos muros e conversar de uma maneira mais transparente.”

O resultado dessa nova forma de trabalhar, ele diz, é que novos clientes chegam pelas mãos dos parceiros e a autonomia da equipe e as dinâmicas de trabalho têm trazido mais qualidade e agilidade aos projetos. “Antes, a gente tinha uma equipe única que pegava um projeto do inicio ao fim. Agora, eles passam por diferentes mãos e temos um envolvimento maior dos times, ao mesmo tempo em que reduzimos em 30% o tempo dedicado ao desenvolvimento”, fala. Segundo o empreendedor, a colaboração entre todos é a chave para essa mudança. “Por mais experiência que um ou outro membro da equipe tenha, sempre é uma visão pontual. Então, quanto mais gente trabalhando junto, em um primeiro momento de projeto, melhor.”

COMO FINANCIAR PROJETOS EM ÁREAS MAIS VULNERÁVEIS?

Pelo fato de a água ser um recurso fundamental para a vida, Guilherme acredita que a empresa precisa atuar em todos os lugares onde for possível. Assim, a Fluxus atende desde a periferia até os grandes empreendimentos. Para viabilizar os projetos em áreas mais vulneráveis, a empresa faz alguns trabalhos de forma voluntária (parcerias com ONGs que captam recursos através de editais), além de usar parte do lucro obtido com grandes obras no financiamento desses trabalhos. “Nos projetos de maior porte, estabelecemos um fundo que é usado para investir nos projetos menores. Não existe uma porcentagem fixa. É feito um estudo caso a caso.”

Embora sempre tenha trabalhado com iniciativas menores e voltadas para as classes mais vulneráveis, em 2014, Guilherme conta que entendeu, de fato, que a grande escala não é necessariamente o mais importante. Na época, finalizou um grande projeto de manejo integrado de água para o estádio Mané Garrincha, em Brasília, que nunca foi implantado.

“Ao avaliar o impacto desse projeto, vi que o benefício que ele oferecia era equivalente à soma dos tantos outros que eu tinha feito até então. Por isso, assumi o desafio de pegar esse projeto, que nem era rentável do ponto de vista financeiro, mas tinha um potencial de inspiração para outras cidades. No entanto, com a mudança do governo, o projeto nunca saiu do papel. Para mim, foi uma grande lição de que o importante é trabalhar com quem quer fazer a diferença, não importa a escala”.

ELE ACREDITA QUE O CONHECIMENTO SOBRE A ÁGUA DEVE SER ACESSÍVEL A TODOS

Mais do que fazer projetos de manejo integrado, a Fluxus quer disseminar o conhecimento sobre a água para que cada vez mais pessoas a entendam a importância de unir todos os processos que envolvem esse recurso à vida na cidade. Para ajudar nisso, Guilherme e sua equipe oferecem palestras e cursos práticos, sempre voltados a temas diretamente ligados à questão.

A fabricação e instalação de biodigestores é ensinada na prática pela Fluxus para que todas as pessoas possam entender o processo.

Um deles, o “Esgoto como fonte de recursos” é ministrado em Pedra Bela, interior de São Paulo, cidade onde Guilherme vive, e é realizado em comunidades carentes, levando não só o benefício do conhecimento, mas também de como construir um biodigestor (equipamento que transforma detritos orgânicos em biogás e o resíduo líquido deste processo em água limpa e pronta para o uso). “O pessoal tem a oportunidade de botar a mão na massa e conhecer uma realidade totalmente diferente da que eles vivem e sai todo mundo ganhando. A gente discute a teoria enquanto executa e essa é a melhor maneira de aprender.”

Outra forma de disseminar o conhecimento é disponibilizando no site da empresa, com cartilhas e manuais sobre alguns dos projetos desenvolvidos (já foram cerca de 70) e sobre temas correlatos, além de abrir algumas tecnologias de construção, como o biodigestor, que já foi replicado por diversas ONGs.

Guilherme analisa: “É um prazer saber que isso está sendo executado. Parte da nossa investigação e pesquisa é nesse sentido, porque a gente acredita que o manejo de água na escala da residência tem que ser de domínio público”. Afinal, sem água não há vida.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Fluxus Design Ecológico
  • O que faz: Desenvolve sistemas integrados de manejo de água e oferece consultorias sobre o assunto
  • Sócio(s): Guilherme Castagna
  • Funcionários: Apenas o fundador
  • Sede: São Paulo
  • Investimento inicial: Não teve
  • Faturamento: R$ 200.000 (em 2017)
  • Contato: contato@fluxus.eco.br
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