Com quantos tombos se faz uma startup de sucesso? Os sócios do Méliuz abrem o jogo sobre os erros que ensinam o caminho

Israel Salmen e Lucas Marques - 14 maio 2021
Israel Salmen, fundador do Méliuz e coautor do livro sobre a startup.
Israel Salmen e Lucas Marques - 14 maio 2021
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“A vontade era de desistir, sumir do mapa e nunca mais voltar. Entretanto, desistir nunca foi uma opção.”

Escolhemos essa frase para encerrar o primeiro capítulo do livro Empreender: a arte de se f*der todos os dias e não desistir porque, de fato, muitos empreendedores desistem logo no início da jornada.

Na contramão de muitas obras da categoria, que ressaltam os grandes feitos e enfatizam as conquistas, neste livro decidimos abrir mão do ego e revelar todos os erros e aprendizados que tivemos — e foram muitos

A ideia de escrever sobre os fracassos surgiu a partir da nossa própria experiência. No começo, a cada erro a gente se sentia pior do que os outros.

A verdade é que todo mundo estava errando, mas por quase ninguém falar sobre os fracassos, muitas vezes, a gente acabava se sentindo sozinho — como se o problema fosse exclusivamente nosso.

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Quando o Méliuz começou, assim como na maioria das startups, tínhamos certeza que  a boa ideia (e o investimento inicial que recebemos) seria por si só suficiente para alcançarmos o sucesso.

Não contávamos com os vários obstáculos que teríamos à frente — alguns deles, inclusive, foi a gente mesmo que criou, seja por medo, empolgação excessiva ou segurança demais

O Méliuz surgiu com o propósito de tornar as relações de consumo mais vantajosas para todos os envolvidos. O famoso ganha-ganha-ganha que continua nos guiando até hoje.

A ideia era devolver parte do valor gasto pelos consumidores que comprassem nas lojas online parceiras a partir do nosso site.

Lucas, sócio, COO do Méliuz e coautor do livro (foto: Pedro Vilela/Agencia i7).

Desenhamos o modelo de cashback, fechamos parcerias com alguns e-commerces e, em setembro de 2011, colocamos o site no ar.

Assim o site ficou por alguns minutos. E caiu. O balde estava furado. As pessoas chegavam até o site, mas não ficavam e muito dificilmente voltavam. Logo no primeiro ano, quase fomos à falência.

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Em 2012, fomos uma das 100 empresas selecionadas para o Start-Up Chile, um programa de aceleração que fornece mentorias, contato com uma rede mundial de empreendedores, além de investimento.

Após os seis meses do programa, voltamos para o Brasil com uma estratégia melhor definida e o produto e o time mais completos. Com seis funcionários, nos mudamos para nosso primeiro escritório em um apartamento — o mesmo em que o Israel morava — e passamos a fazer parte do San Pedro Valley.

Em 2015, conseguimos nosso primeiro investimento seed feito por grandes investidores como o francês Fabrice Grinda, um dos criadores da OLX, Julio Vasconcellos, fundador do Peixe Urbano, e o Florian e o Mate, fundadores da Printi e da Loft. Com a grana em caixa, conseguimos resolver alguns problemas e traçar melhor os planos para o futuro.

O ano de 2016 foi o nosso ano de ouro (até aquele momento). Israel e Ofli [Guimarães, cofundador] se tornaram “Empreendedores Endeavor“, o Méliuz foi reconhecido como Startup do Ano, prêmio concedido pela Associação Brasileira de Startups, e conseguimos concluir a nossa série A de investimentos, liderada pela monashees — um importante fundo

Contando assim parece que é uma história linear… A verdade é que, até chegar em 2016, cometemos muitos erros, sendo que alguns nos assombraram ainda por muito tempo.

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Além de ver o dinheiro acabando mais rápido do que o previsto, tivemos que lidar com a escolha errada de sócios, dificuldade em atrair investidores, desalinhamento de cultura entre funcionários e priorização errada de projetos e formas de gastar o dinheiro.

Mas a verdade é que o nosso maior erro estava por vir, em 2017.

O Projeto Guerra, história que abre o livro, foi talvez o maior fracasso que vivemos (no qual mais erramos) e que quase nos levou ao fim.

Já tínhamos certa experiência na aventura do empreendedorismo — o Méliuz estava com 6 anos — e o negócio indo muito bem. Essa confiança na gente, no time e no produto foi a combinação perfeita para entrarmos em uma espiral de erros e fracassos

Não é por menos que à primeira parte dessa história, no livro, demos o título de “Pólvora e faísca” (confira abaixo um trecho com exclusividade):

 

“Na manhã do dia 16 de janeiro de 2017, nos deparamos com uma matéria no Diário do Comércio, de Minas Gerais, que anunciava outra startup de cashback iniciando as operações em Belo Horizonte em menos de dois meses, no dia 15 de março. Belo Horizonte é a cidade em que o Méliuz nasceu e na qual ficava alocada a maior parte do nosso time. Para nossa história, vamos chamar essa startup concorrente de Smurfs, o apelido que demos a eles na época.

Publicado pela Gente, o livro está à venda no site da editora por 49,90 reais.

Essa notícia deixou Israel, CEO do Méliuz, muito apreensivo. Apesar da nossa empresa ser sólida, ficamos temerosos pelo modelo de negócios dos Smurfs: eles funcionavam no mundo físico, em restaurantes, lojas e postos de gasolina, por meio de maquininha de cartão de crédito e débito. Ou seja, nesse modelo, você compraria normalmente, porém pagando na maquininha deles e recebendo cashback na hora. Assim, quem estivesse ao seu lado ficaria sabendo, pois testemunharia a experiência ao vivo — e, consequentemente, contaria para mais pessoas, o que levaria o negócio a um patamar viral. Nesse momento, o nosso modelo era diferente: o uso era individual, em casa, durante as compras on-line, que costumam ocorrer com menor frequência do que as compras em lojas físicas.

Imagina a sensação? Ter a sua empresa desde 2011 em Belo Horizonte e sentir que outra empresa, mais nova, de outro lugar, chegaria na sua cidade e viraria notícia por todos os cantos? E o pior de tudo: não só já conhecíamos a startup como havíamos dado mentoria para aquele negócio.

Meses antes, havíamos recebido os Smurfs em nosso escritório em Belo Horizonte e, na época, eles só operavam no interior de São Paulo. Sempre tivemos boas relações com nossos concorrentes porque acreditamos que eles podem acabar se tornando parceiros algum dia. Naquela ocasião, trocamos boas ideias sobre o mercado de startups, o cenário de empreendedorismo e o segmento de cashback. Café, pão de queijo e um papo legal. A ideia foi criar uma relação de confiança para que, quem sabe, pudéssemos fazer algo juntos no futuro.

(…)

Foi aí que o Israel decidiu entrar em contato com os Smurfs. Fizemos uma conversa por vídeo chamada e dizemos com toda honestidade do mundo: ‘Cara, já que vocês estão vindo, por que não fazemos isso juntos? Que tal pensarmos em um investimento? Podemos juntar nossas empresas e lutarmos nessa batalha lado a lado’. Nossos negócios eram complementares, o Méliuz já era o maior site de cashback no e-commerce, eles estavam fazendo um bom trabalho no mundo físico. Nas entrelinhas, deixamos claro que tínhamos dinheiro em caixa e faria muito mais sentido criar uma parceria do que disputarmos mercado na mesma cidade e com o mesmo segmento.

O que o CEO dos Smurfs respondeu foi a punhalada final, a faísca necessária para o início do incêndio: ‘Olha, não achamos que faz sentido fazer alguma coisa juntos agora. Agradecemos a proposta, mas não queremos nenhum tipo de parceria por ora’. Naquele momento, foi como se o computador dentro da cabeça do Israel tivesse bugado. Ficamos bravos, indignados, malucos, ensandecidos. Ali decidimos que iríamos para a guerra!”.

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Escancarar em um livro essa e outras tantas histórias de erros que cometemos foi desafiador. Não é fácil se lembrar de momentos de frustração, angústia e tristeza.

Passou um filme nas nossas cabeças com tudo o que sofremos e todas as batalhas perdidas. Ao mesmo tempo, escrever este livro hoje, em 2021, após o Méliuz ter se tornado a primeira startup a abrir capital na bolsa, nos fez olhar para trás e lembrar de todos os aprendizados que tivemos graças a esses tantos erros — e que nos fizeram chegar até aqui.

Nosso objetivo com o livro foi compartilhar os nossos fracassos, não só para que outros empreendedores possam aprender com a nossa história — e ter insumos para tentar fazer diferente –, mas principalmente para que eles não se sintam solitários.

Empreender não é fácil, mas a verdade é que nós não sabemos (e não queremos) seguir outro caminho agora. Por isso, esperamos que com o livro a gente consiga deixar a jornada de outros um pouco mais leve.

 

Israel Salmen, 32 anos, fundador do Méliuz e Empreendedor Endeavor. Formado em Economia pela UFMG, começou a empreender aos 14 anos. Em 2009, fundou a Solo, gestora de investimentos que foi vendida em 2011. Pouco depois fundou o Méliuz, primeira startup a abrir capital na Bolsa de Valores brasileira.

Lucas Marques, sócio e COO do Méliuz. Formado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais, entrou na Ambev como trainee, onde trabalhou por três anos. Foi gerente de vendas e de marketing, e no seu último cargo foi responsável por Copa do Mundo e pela plataforma Futebol. Atualmente é COO no Méliuz, onde é responsável por Gestão, Cultura, Gente, CS, e Marketing.

 

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