Mineiro de Juiz de Fora, Maycon Passos de Melo, 29, conhecido como Maycon Aram, sempre tomou aquele café comum nas mesas das famílias brasileiras: bem diluído e com açúcar. Designer de produto, apaixonou-se pelo “sabor verdadeiro” da bebida quando fazia pesquisa para um conjunto de utensílios que nunca saiu do papel. Ali, no entanto, nascia um projeto calcado em sustentabilidade e humanização que resultou em um produto que o mercado ainda não tinha. Depois de quatro meses de pesquisa, ele finalizou a Cafeteira Aram. Desenhada para ser produzida por artesãos, é um objeto portátil e disruptivo para se fazer um espresso: não usa energia elétrica, cápsulas ou coador de papel.
O produto não é a primeira aventura de Maycon como empreendedor, postura que assumiu em 2011, aos 24 anos. Cansado da rotina dos frios projetos industriais e da obsolescência cada vez mais rápida deste modo de produção, ele montou uma linha de óculos artesanais de madeira — o nome Aram, aliás, não é sobrenome, é uma marca que significa luz do sol, em tupi guarani. Apesar disso, dicas de empreender não são algo que você possa esperar dele. “É difícil”, diz.
A cafeteira Aram usa um sistema de pistão e manivela para fazer o café. O bocal se ajusta ao copo: basta água fervente e o pó (foto: André Sanches).
Pela primeira vez em sua trajetória, porém, o mercado lhe deu um sinal contundente de que deve continuar: com a ambição de escalar seu produto, ele fez uma campanha da financiamento coletivo para a Cafeteira Aram, e foi um sucesso estrondoso.
Atraiu 334 apoiadores e resultou em 253 mil reais, 723% acima da meta inicial de 35 mil, na recém-encerrada campanha do Catarse. Além disso, o empreendimento atraiu também um investidor e agora Aram se prepara para ampliar o mix de produtos, agregar serviços e divulgar o seu conceito “luz do sol” na preparação de uma das bebidas mais apreciadas pelos brasileiros.
Abraçar este sucesso agora é um desafio que anima Maycon e seu sócio, o barista Juca Esmanhoto, um dos donos da Rause Café + Vinho, que Maycon conheceu no período de pesquisas para a sua cafeteira. A presença de Juca é resultado de um aprendizado que Maycon trouxe da primeira fase da Aram. Eram muitas demandas para ele dividir seu tempo, afetando a criação. Eis aí um singelo conselho:
“Decidi que uma coisa que não vou fazer de novo é tocar um negócio sozinho. Não dá”
Com o interesse gerado através da campanha de crowdfunding, uma das próximas etapas da Aram é adequar a produção artesanal à demanda. Dias atrás, Maycon tinha uma lista com mais de 100 emails pendentes de interessados em comprar a cafeteira no varejo, o que será feito via email até que o primeiro site da marca, com e-commerce, fique pronto — a previsão é que seja lançado até o fim de dezembro.
UM PRODUTO ARTESANAL CONTRA A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA
Aram nunca gostou de comprar coisas feitas para durar pouco. Em seu projeto, buscou usar o caminho artesanal para combater a obsolescência. Graças a um sistema de pistão e manivela, a cafeteira consegue imprimir diferentes pressões na bebida, resultando em um café personalizado, bem ao gosto do freguês, mais forte ou mais fraco. Aliado a isso — e talvez um dos pontos fortes de seu projeto — é que o aparelho foi concebido para “durar gerações”, com um custo de manutenção que deve ficar em torno de 20 reais a cada dois anos.
Assim ele segue. Atualmente, a capacidade de produção é de cerca de 500 cafeteiras por mês. “Com o aumento da demanda, vamos capacitar alguns desses pequenos fornecedores para otimizar a produção. A gente crescendo, eles crescem com a gente”, afirma Maycon. Ele acrescenta que, em janeiro de 2017, as cafeteiras já estarão em estoque para pronta-entrega.
Em relação ao preço, deve continuar na margem dos produtos premium. Na campanha do Catarse, 679 reais era a menor cota para tê-la como recompensa. “Neste primeiro ano, pelo menos, não vamos conseguir baixar esse valor, o que vamos fazer é ter outros produtos mais acessíveis”, diz o empreendedor.
UM COMEÇO AMARGO
No início da parceria, quando Maycon e Juca avaliavam como seguir com o negócio, ainda incipiente e sem garantia alguma, surgiu a possibilidade de assumirem uma postura comum entre startups e priorizar a busca por investidores. Mas eles não toparam. Maycon fala a respeito: “Procurar investidor podia levar até dois anos. É muito tempo. Dá para fazer muita coisa. Resolvi focar no produto e ver o que viria depois”. Antes do sucesso no Catarse, veio a tempestade:
“Às vezes, faltava dinheiro para pagar o aluguel. Era desesperador. Você fica agoniado, melancólico. Várias vezes pensei em abandonar tudo e virar assalariado de novo”
Nesta fase, em que ainda estavam desenvolvendo o produto, o que colocou Maycon e Juca contra a parede foi uma barreira que acabou selando o destino da cafeteira. Com os altos custos para manter o selo do Inmetro em aparelhos elétricos e a decisão de não buscar um investidor, a saída foi adaptar o projeto. Foi quando nasceu o atual conceito: uma cafeteira que funciona sem energia elétrica. Definido o novo modelo, Juca conseguiu 6 mil reais emprestados, com um parente, para bancar o protótipo, enquanto Maycon já havia escolhido o crowdfunding como o melhor canal pra conseguir fazer o negócio andar.
A cafeteira Aram é produzida no interior do Paraná. Hoje, a capacidade é de 500 peças por mês (foto: André Sanches).
“Nem tudo funciona em crowdfunding, mas vi que a cafeteira poderia funcionar. Especialmente aqui no Brasil, um produto precisa ter um engajamento social muito forte pra pedir financiamento coletivo. O conceito sustentável da Aram atende muito bem a esses critérios”, diz Maycon. Ele argumenta que é difícil explicar a que se atribui o sucesso da campanha. Mas conta que a rede de familiares e amigos foi o principal gatilho no início, atingindo a meta inicial, de 35 mil reais, em menos de dois dias.
É SOBRE OLHAR DE FRENTE PARA O ABISMO
O volume arrecadado na campanha já estava em cerca de 100 mil reais quando, na tentativa de ampliar o alcance, os sócios fizeram uma parceria com uma assessoria de imprensa para divulgar o conceito e a campanha. Mas por que aumentar a divulgação se a meta já havia sido batida?
“A gente estava focado em colocar o produto no mundo. Se eu fosse planejar demais, acabaria perdendo tempo”
Maycon afirma que o que realmente pesou foi sentir que as pessoas se identificaram com a proposta, o conceito que estava propondo. “Recebemos muitos emails de gente que nem apoiava o projeto, mas nos apoia e nos incentiva”, diz. E assim foi.
Embora esteja realizando um sonho, Maycon não tira os pés do chão quando fala sobre ser empreendedor. Além de ter que mudar seu negócio de óculos — que tinha quatro anos de vida porém já não estava dando mais bons resultados —, dar conta das finanças enquanto desenvolvia a cafeteira não foi fácil. Além de enfrentar a falta de dinheiro, ele passou por problemas pessoais também, que contribuíram para o quadro de angústia. “Esse ano foi bem pesado porque me separei e sei que esses estresses também pesaram no relacionamento”, conta. Inspirado no cheiro bom do café e das promessas que saem do novo negócio, ele afirma que vai seguir em frente:
“Parece balela, clichê, mas você tem que se entregar, olhar para o abismo bem de frente e enfrentar os problemas”
Agora, a Aram se ocupa de planos de negócios, entrega de recompensas e conversa com investidores. Ao falar sobre os planos para um futuro que já começa nas próximas semanas, Maycon menciona a parceria com uma cafeteria em Curitiba. O objetivo é criar uma loja conceito da marca e aplicar o que Maycon espera ser o “Método Aram”. “Lá, os clientes vão poder imergir no conceito de produção da Aram, podendo preparar e entender melhor as suas bebidas”, diz. Estão nos planos ainda a venda dos produtos em casas especializadas em outros Estados e a criação de um clube de assinatura.
Outro impulso para a Aram é a chegada do investimento da Lake Tahoe Ventures, que reconheceu o potencial do projeto ainda no início da campanha de crowdfunding e procurou a Aram. “Foi o processo inverso, eles vieram atrás da gente”, conta, e faz um balanço do futuro: “Temos grandes expectativas e parece que o resultado vai ser muito bom. Mas vamos ver como conseguir produzir a tempo, conseguir engajar todo mundo, fazer plano de negócios, conversar com investidores. São novos desafios que não vão parar de vir”. Pés no chão, café na mão.
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