Como a Flagcx construiu um ecossistema de mais de 30 empresas com uma missão: impulsionar a indústria criativa brasileira

Bruno Leuzinger - 27 maio 2021
Roberto Martini, sócio fundador da FlagCX (foto: Hick Duarte).
Bruno Leuzinger - 27 maio 2021
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Há algo de paradoxal na Flagcx.

Em outubro de 2020, o grupo anunciou a compra da operação brasileira do BuzzFeedCom a aquisição, o portal de entretenimento passa a fazer parte de um ecossistema que se anuncia como a maior rede independente de serviços criativos da América Latina. Entre as empresas que compõem esta rede estão Mesa, Cubocc, Soko, Obvious, The Kumite

A lista é longa (hoje, são 34) e em constante mutação. O paradoxo é que a Flagcx em si parece cada vez menor

Isso tem a ver com a utopia desenhada pelos sócios. O fundador Roberto Martini explica:

“A gente começou a Flagcx olhando para um futuro menos vertical, mais horizontal, mais fragmentado, com relações mais transparentes entre as partes… Criamos uma modelagem de negócio em que a ambição — a nossa utopia — era de que a Flagcx nem sequer existisse de fato” 

A empresa não tem mais sede física. Além dos sócios (Roberto, Luisa Martini, Matheus Barros e, desde novembro, Bárbara Soalheiro), há “umas três pessoas” que tocam o dia a dia. E só. 

“Essas operações em que a gente investe são expressões criativas, mas não é isso o que a Flagcx é — isso é o que elas são. A Flagcx é o suporte para que elas possam se expressar na sua maior potência, sem abrir mão disso em função do desafio de empreender um negócio de criatividade.”

A CRIATIVIDADE É UMA JOIA… QUE O BRASIL ENTREGA DE BANDEJA

Apresentamos a Flagcx aqui no Draft em janeiro de 2015. 

Na época, a primeira empresa da rede — a agência Cubocc, criada em 2004 — tinha como sócio a Interpublic, um dos maiores grupos de publicidade do planeta, que havia adquirido 70% do negócio em 2010.

“A Cubo deu muito certo muito rápido, com clientes muito grandes: Unilever, Google, Pepsico, Samsung… A Interpublic queria oxigenar o portfólio dela na América Latina, porque seus negócios eram focados em mercados mais tradicionais. E nós estávamos em expansão, competindo daqui por projetos com players globais.”

Era nesse pé que as coisas estavam. De lá para cá, tudo mudou. Em 2017, a Flagcx recomprou a Cubocc. A decisão está diretamente linkada àquela utopia que eles visam construir.

“A criatividade é uma joia do Brasil, um ‘lugar’ em que a gente entra pela porta da frente no mundo inteiro. Só que hoje, quando criamos um outlier, a gente entrega para que outros explorem seu valor. Isso não gera sustentabilidade para a indústria criativa. O que a Flagcx quer fazer é levantar a bandeira da criatividade brasileira e criar um sistema de suporte que ela possa prosperar”

Sentindo a essência do seu negócio nessa bandeira, Roberto e os sócios não viam mais sentido em permanecer na Interpublic.

“E temos uma velocidade que esse organismo [Interpublic] não tem. Na verdade, como estamos na mesma indústria, o melhor para ambos é que a gente corra paralelamente — porque essa corrida também influencia o lado de cá.”

A FRAGMENTAÇÃO COMO MÉTODO PARA CONSTRUIR A UTOPIA

Dividir para conquistar. Na literatura política e militar, o mote resume a estratégia de espalhar discórdia entre os inimigos e pavimentar o caminho para a vitória.

No caso da Flagcx, essa ideia é virada do avesso, e a divisão se dá de dentro para fora. Inspirada pela natureza.

“Uma analogia que a gente faz desde o início é a da divisão celular. Precisamos dividir a célula no momento em que ela está no auge, porque essa potência terá a capacidade de gerar organismos mais saudáveis. Não adianta querer dividir quando ela já está quase morta… Mas é isso que o mercado geralmente faz.”

Foi assim, fragmentando empresas no auge, e sucessivamente, que a Flagcx se construiu como um organismo complexo.

“Começamos esse projeto fragmentando a Cubocc, com a visão de que ia chegar um momento em que a Flagcx não teria mais ‘nada’. Tudo seriam unidades independentes — inclusive o financeiro, o administrativo, o RH… E chegamos nessa visão utópica no final de 2019” 

Somadas, as 34 “células” que compõem hoje o grupo engajam milhares de profissionais que tocam projetos inovadores para clientes parrudos, em cinco pilares: consultoria, inteligência e inovação; serviços de comunicação, data e martech; produção de conteúdo e tecnologia; arte e cultura; e suporte e aceleração.

A CREATORS AJUDA A DAR ELASTICIDADE ÀS EMPRESAS DA FLAGCX

Empresas da Flagcx costumam prestar serviço umas para as outras — vide a Neuron, de serviços financeiros, e a The Grid, de RH. Mas apenas se fizer sentido. “Nada é imposto”, diz Roberto. “É um ecossistema mais leve, mais livre.” 

Ele dá o exemplo da Creators, uma plataforma que conecta freelancers a clientes com projetos de comunicação e tecnologia e que precisam desses profissionais. Investida pela Flagcx em 2019, ela foi pauta no Draft (na época, a startup atendia pelo nome antigo, Nosotros). 

“Hoje, as nossas empresas usam essa plataforma para contratar freelancers e dar elasticidade às suas organizações. Elas são cada vez mais enxutas, focadas no seu core — e os times ficam elásticos a partir dos desafios que elas precisam entregar”

Segundo o founder da Flagcx, as corporações também estão cada vez mais abertas a esse formato. “Hoje, esses clientes pensam: ‘não preciso de uma agência inteira, eu preciso de um designer, de um estrategista…’. Elas entram na plataforma e contratam pessoas para seus projetos.”

Na outra ponta, os profissionais independentes conseguem acessar projetos e marcas que de outra forma estariam fora do seu alcance. 

“A Creators faz essa intermediação, os contratos, garante que essa relação vai dar certo, tornando o processo tranquilo, sem risco para os dois lados.” 

O VALOR DA GOVERNANÇA: UM APRENDIZADO DA ERA INTERPUBLIC

No dia a dia, diz Roberto, algo que Flagcx traz de muito valor para as organizações do seu ecossistema é uma governança

“Dentro da indústria criativa existem muitos talentos, mas a estrutura base de governança é fraca — muito porque as pessoas não se conectam com esse espaço, esse back-end para que tudo funcione.”

A própria Flagcx padecia desse mal, afirma o founder. 

“Esse foi um grande aprendizado que tivemos com a Interpublic: como governar um negócio global, como criar os padrões para que a gente consiga ter accountability em gestão em escala — que é o nosso business hoje, uma gestão em escala de assets”

Não se trata de interferir no produto ou na visão de cada empresa, mas sim de plugá-las a uma infraestrutura que dê segurança para a organização prosperar.

“Temos nossos fóruns estratégicos, fóruns financeiros… Quando uma empresa entra para a Flagcx, entra com um programa que suporta o desenvolvimento e a caminhada, e a conecta com outras possibilidades, pessoas, lideranças…”

Os sócios se distribuem entre Estados Unidos e Brasil. Lá, Matheus coordena a operação e Bárbara tem um papel mais de embaixadora do grupo, função exercida por Roberto aqui, onde Luisa, sua mulher, responde pela operação brasileira.

O BUZZFEED TEM POTENCIAL PARA SER UM MEGASHOPPING

Content commerce é a construção de um conteúdo “que faz um drive direto para o consumo”, explica Roberto. A experiência de compra se dá sem que você nem sequer precise desgrudar os olhos do texto ou do vídeo sobre aquele produto.

Desbravada nos EUA, entre outros players, pelo BuzzFeed, a tendência ainda é incipiente por aqui — daí a decisão estratégica de adquirir sua operação brasileira.

“O BuzzFeed tem uma audiência de 50 milhões de pessoas/mês, é o quinto maior gerador de tráfego transacionável para a Amazon do mundo. Pensando que se trata do maior varejista que a gente tem no Ocidente — e que a exploração desse negócio [content commerce] aqui na América Latina, através do BuzzFeed, era zero –, o movimento pareceu meio óbvio para nós”

Sob essa perspectiva, o BuzzFeed Brasil teria o potencial para se transformar em um “shopping enorme”. Outra motivação para a compra é “adicionar audiência” ao negócio da Flagcx. 

“Até já tínhamos um asset de audiência, a Obvious, focada no mercado feminino, que hoje tem um dos podcasts mais escutados do país para esse segmento. Agora, trazemos outra [empresa] que leva a Flagcx para um espaço em que audiência é algo que a gente tem no ecossistema. E isso obviamente oxigena várias relações.”

COM TRANSFERÊNCIA CULTURAL, A D3 DIGITALIZA CORPORAÇÕES

Desde os primórdios, diz Roberto, ele e os sócios já enxergavam “o mundo funcionando em rede, um mundo que iria se digitalizar.”

Essa antevisão deixou a Flagcx bem posicionada quando a pandemia chegou. O timing foi fortuito: a jornada rumo à utopia de um ecossistema totalmente distribuído tinha acabado de chegar ao fim.

Com a Covid, corporações precisaram aprender a trabalhar em rede — e rápido. É aí que entra a D3, empresa da Flagcx focada em transformação digital.

“Estamos ajudando a digitalizar grandes organizações. Por exemplo, MRV. É uma das maiores empresas de engenharia do mundo. Fizemos um processo de como realizar a primeira transação full-online de comercialização de uma propriedade. Algo que levava meses transformou-se numa transação de horas”

Roberto explica que a D3 digitaliza os processos e produtos do cliente ao mesmo tempo em que realiza uma transferência cultural.

“E isso num processo muito veloz, em que metade do time é do cliente, metade é da D3. Porque não adianta contratar o produto digital de um fornecedor e, depois que termina a construção desse produto, não saber como operá-lo.”

MESA E SOKO HOJE VOAM NO ATENDIMENTO A CLIENTES GLOBAIS

Roberto destaca ainda duas empresas da Flagcx que estão voando: Mesa e Soko. No portfólio, clientes como AB InBev, Fiat, Gerdau, Nestlé, Netflix, Uber e Unilever.

“Soko explodiu nos últimos cinco anos. Ela nem mídia faz, vai [na linha] contrária do mercado de publicidade — e compete com as maiores empresas de publicidade. Chegar nessa velocidade no ‘topo do jogo’ não tinha precedente.” 

Fundada pela (hoje sócia da Flagcx) Bárbara, Mesa ainda se chamava Mesa & Cadeira quando apareceu aqui no Draft:

“O que Mesa criou é a melhor metodologia ágil do mercado, que consegue acelerar qualquer coisa. Hoje a gente suporta Facebook, Google, Nações Unidas… Estamos fazendo Mesa com pessoas de seis, oito fusos diferentes, sentados ao mesmo tempo. Temos a curadoria das melhores pessoas do mundo para resolver um problema junto com a tua organização”

A metodologia de Mesa é aberta, disponível na internet — bem naquela pegada de um futuro “mais horizontal e transparente” de que o fundador da Flagcx falava lá atrás. Ao contemplar seu ecossistema, ele festeja a materialização — e o sucesso — da utopia.

“O negócio hoje é vinte vezes maior do que quando entramos na Interpublic [em 2010]. E com uma expectativa de, nos próximos dez anos, multiplicar por dez — ou vinte — de novo.”

 

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