Como não ter vergonha de nós mesmos no futuro? O melhor do TEDSummit 2016

Rodrigo Vieira da Cunha - 8 jul 2016
Inteligência Artificial, Blockchain e Natureza: questões para navegar no novo mundo e o melhor do TEDSummit 2016.
Rodrigo Vieira da Cunha - 8 jul 2016
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por Rodrigo Vieira da Cunha

 

É ético construir uma inteligência artificial que pode ficar mais inteligente que nós mesmos, a ponto de poder colocar em risco nossa própria espécie? Que tipo de instituições vão trazer certeza para as relações em um mundo mediado por moedas e outros serviços digitais? Faz sentido construir parques nacionais e deixá-los intocados, sem o contato humano?

Vamos deixar estas questões em suspenso para entender um recorte do TEDSummit, que acabou na semana passada nas magníficas montanhas de Banff, no Canadá. Montei minha conferência (alguns workshops se podia escolher) com base nos temas que, para mim, são a fronteira do conhecimento e evolução neste momento: Inteligência Artificial, Blockchain e Natureza. E, para ajudar a entender melhor tudo isso, um workshop sobre Ética.

Abaixo vão algumas reflexões sobre cada tema:

O QUE É INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL?

O botão de ligar e desligar. Logo que começou o workshop conduzido por Luke Hutchison, engenheiro de software do Google, coloquei esta questão.

“O que vai acontecer quando as máquinas chegarem no mesmo nível de inteligência que os humanos e arriscarem nossa existência?” “Ah, the switch button (botão de ligar e desligar)”

Este foi apenas um dos pontos controversos abordados em toda a discussão. Vou listar algumas inquietações:

 

1) Era de ouro — Estamos entrando na era de ouro da Inteligência Artificial. Se antes o mantra das corporações era Mobile First, agora é AI (Artificial Intelligence) First. Para Kevin Kelly, da Wired, esta é a segunda revolução industrial. Existem bilhões de dólares investidos, mas ainda não existem experts. “Estamos na primeira hora de AI e mesmo da internet. Inteligência Artificial não foi criada ainda — então ninguém está atrasado”, disse ele.

2) A relação homem-máquina — O relacionamento entre estas duas entidades, homem e máquina, está sendo experimentado de muitas maneiras. Além do DeepBlue, computador da IBM que venceu o campeão mundial de xadrez, mais recentemente foi a vez do Google, com o programa AlphaGo, que também venceu o número 1 do jogo de tabuleiro Go. Há alguns meses, começou a circular um vídeo falando para as pessoas pararem de abusar dos robôs. É hilário. Há um certo conflito latente entre este relacionamento, como se fosse um “Nós x Eles”. Kelly trouxe talvez a visão mais lúcida de todas sobre isso, dizendo que a resposta é mais E do que OU. Quer dizer usar o melhor da inteligência humana combinado com a inteligência artificial.

Já que há tanto em jogo, agora é a hora de construir as bases do relacionamento. A visão de outro palestrante, Sam Harris, autor, filósofo e cientista, é que inevitavelmente, teremos uma máquina super inteligente — mais cedo ou mais tarde. Aqui seus argumentos: a) inteligência é produto do processamento de informação; b) continuaremos melhorando a inteligência das nossas máquinas; c) não estamos ainda nem perto do pico de uma possível inteligência.

3) O que é inteligência — Quando se fala na possibilidade de criar uma inteligência artificial — que para alguns ainda está um tanto longe — ainda existe a enorme discussão sobre o que é a inteligência em si.

O neurônio é um transistor (amplificador e interruptor de sinais elétricos) que carrega sinais de um lugar para o outro? Não, uma célula humana é algo absolutamente complexo. Existe algo sobre ser humano que ainda não entendemos

Inteligência tem a ver com consciência ou intuição? Como reproduzir isso em máquinas? O verbete Intelligence na Wikipedia traz várias definições de inteligência. Quantas se aplicam às maquinas?

4) Ética das máquinas — O chamado “Dilema do Bonde (ou ‘Trolley Problem’) foi um desafio criado para discutir questões éticas. Foi formulado por Philippa Foot, em 1967: “Um bonde está fora de controle em uma estrada. Em seu caminho, cinco pessoas amarradas na pista. Você tem a opção de apertar um botão que encaminhará o bonde para um percurso diferente, mas ali se encontra outra pessoa também atada. Deveria apertar-se o botão?”. Pare um pouco e pense neste dilema. Pensou? Agora, imagine a situação que um carro autopilotado precisa escolher entre atropelar alguém que atravessou na sua frente ou desviar para atropelar uma pessoa que está na calçada. Qual seria a escolha do carro? 

 

BLOCKCHAIN É MUITO MAIS QUE BITCOIN

A discussão sobre Blockchain esteve presente em muitos momentos do TEDSummit. Por dois motivos, principalmente: pela novidade e pelo potencial disruptivo. O autor Don Tapscott lançou um livro sobre o tema recentemente. Ele participou de um workshop com Bettina Warburg, pesquisadora sobre Blockchain, e Rachel Botsman, pesquisadora e autora sobre colaboração, confiança e tecnologia, também palestrantes.

Basicamente, um Blockchain, como diz o nome, é uma corrente de blocos. O exemplo mais conhecido de aplicação é a moeda digital chamada Bitcoin, mas há muitas outras aplicações possíveis além disso. Cada bloco do Bitcoin contém o histórico de todas as transações realizadas com a moeda e vai sendo atualizado continuamente a cada nova transação. Um bloco está ligado a outro de forma ininterrupta, tornando extremamente difícil hackear o sistema para fraudá-lo. Ninguém disse que é impossível, mas o Bitcoin existe desde 2008 e até hoje nunca foi hackeado. Todas as transações são realizadas entre as pessoas (peer-to-peer), sem necessitar de um intermediário. Há uma série de outras aplicações para o Blockchain, tecnologia considerada por muitos com potencial disruptivo para criar a segunda era da internet.

1) Fim dos intermediários — Com a possibilidade das transações serem feitas de pessoas para pessoas, não vai ser mais necessária a intermediação do sistema financeiro, por exemplo, para estabelecer a confiança nessas transações. Para bancos e operadoras de cartões de crédito, esta tecnologia representa uma possível mudança porque agiliza transações e significa inclusão para uma camada considerável da população (38%) que não tem acesso a contas bancárias.

2) Criação de uma economia compartilhada (sharing economy) de verdade — Serviços como Uber e Airbnb não estão realmente compartilhando serviços, disse Rachel. O que elas fazem é agregar serviços e vendê-los. Usando Blockchain, os proprietários de casas poderiam alugar diretamente entre si. Entretanto, aqui surge uma questão interessante: se houver algum problema entre usuários, onde processar? Qual será a instituição que garante a execução dos direitos? Estas dúvidas, assim como outras, vão levar à criação de uma série de novos modelos de negócios.

3) Fim das taxações nas transferências de dinheiro entre países — A cada ano, 600 bilhões de dólares são enviados por imigrantes para seus países de origem. Cerca de 10% deste valor some entre taxas de transferência ou impostos. Via Blockchain, essas transações podem acontecer diretamente entre as pessoas.

4) Reforço das identidades digitais — Todas as informações que um usuário transmite para outro precisam da certificação de alguém. O Blockchain possibilita que elas sejam certificadas de maneira independente. Isso, por exemplo, pode garantir a remuneração para os criadores de conteúdo, pois os artistas independentes poderiam lucrar diretamente, sem intermediários. É o mesmo princípio que se aplica às propriedades de terras.

Durante a sessão, alguém perguntou quantas pessoas já tinham uma carteira digital com Bitcoins. Cerca de 20% levantou a mão. Não é muito, mas já é alguma coisa e um sinal de que já há uma massa crítica começando a usar. Há alguns dias, o New York Times noticiou que empresas chinesas estavam dominando o mercado das transações com Bitcoins, num nível preocupante para uma tecnologia cuja essência é a descentralização. Ainda veremos muitos novos capítulos sobre o desenrolar dos diferentes usos de Blockchain.

 

E A NATUREZA NISSO TUDO?

É bom ver discussões e palestras sobre natureza aparecerem cada vez mais em uma conferência que nasceu para discutir, principalmente, tecnologia. Destaco duas palestras: a de Emma Harris, que estuda o ambientalismo moderno, e de Suzanne Simard, pesquisadora da Universidade de British Columbia.

Emma trouxe uma visão desconcertante sobre nossa relação com a natureza. Segundo ela, estamos destruindo o conceito do que é natureza para nossa crianças. Metade do planeta hoje é usado pela humanidade. Por conta disso, emitimos 42% mais dióxido de carbono do que em 1750. Isso traz tantos impactos pelo planeta que já se diz que hoje vivemos na era do Antropoceno. Nós influenciamos ecossistemas pelo planeta inteiro. Segundo ela, não existe um espaço demográfico completamente vazio na Amazônia ou em qualquer floresta tropical. Mesmo nesses lugares há tribos indígenas. “Dá um trabalho enorme cuidar de parques naturais para parecerem intocados. Nestes lugares, as crianças não podem brincar, não podem tocar na natureza”, diz Emma:

“Não existem mais lugares de natureza pristina, ou seja, intocada no mundo”

Emma tem um ponto. Segundo ela, quase não é possível levar crianças para alguns lugares da natureza, porque é caro demais ou mesmo inacessível. Por outro lado, todo mundo vive perto da natureza — afinal um parque ou mesmo uma praça na cidade, com diferentes espécies de árvores e animais, também é natureza. “A gente fica olhando para a natureza sexy nos documentários da televisão e não vamos para lugares que estão perto de nós.” É verdade. Emma mostrou o caso de um finlandês que deixou de cortar o gramado de sua casa há 10 anos. O que aconteceu lá? Nasceram 375 espécies de plantas diferentes, sendo que duas estão ameaçadas de extinção. Em resumo: a) não podemos considerar natureza apenas aquilo que não é tocado e b) as crianças precisam tocar a natureza. O que não é tocado, não é amado.

A palestra de Suzanne Simard foi toda sobre estar perto da natureza. Tudo que ela contou na fala do TED, ela nos mostrou diretamente na floresta que circundava o Banff Creativity Centre, no parque nacional de Banff mesmo. Ela fez sua pesquisa nesta floresta. Basicamente, ela descobriu que as árvores falam entre si. “As árvores são a fundação das florestas, mas uma floresta é muito mais do que a gente enxerga”, disse. “Embaixo, existe todo um mundo the caminhos biológicos infinitos que conectam as árvores e permitem que elas falem entre si.” Suzanne descobriu que as plantas não estavam competindo, mas colaborando, enviando entre si carbono, nitrogênio, água, fósforo e até sinais de dor ao seu grupo. Ela também descobriu que existem algumas árvores que são como “mães” da floresta, que cuidam de uma série de espécies ao redor.

 

ÉTICA

O último ponto que trago é sobre a questão ética para lidar com estes temas novos. Três questões surgiram no workshop “Black, White and Shades of Grey”, conduzido por Juan Enriquez, sobre quem já falei no texto anterior. Ele colocou as seguintes questões:

 

Quais temas vão fazer nos sentir como “donos dos escravos do futuro”?

Para quem estamos construindo o modelo de ética e moral? Para os humanos ou para todos os seres vivos?

Quem vai nos ensinar o que é certo ou errado?

 

Juan começou a discussão trazendo exemplos de escravidão do início do século nos Estados Unidos e como isso era plenamente aceito na sociedade, a ponto de médicos, empresários e professores que defendiam a escravidão terem seus nomes em monumentos e hospitais até hoje. O que define o que e ético ou não é sobre qual padrão?

Ao final, veio uma lista de temas para definir quais seriam as três “prioridades éticas” que devemos trabalhar agora e que nos deixarão envergonhados no futuro, assim como hoje temos vergonha da escravidão institucionalizada. (Digo isso porque, infelizmente, ela ainda existe — e de alguma maneira colaboramos para isso ao comprar roupas de fast-fashion como denunciou o documentário The True Cost, de Andrew Morgan — veja no Netflix — sobre os métodos de produção de empresas como Forever 21, H&M e Zara.)

Os itens que surgiram, pela ordem de votação, foram: a) desigualdade, b) aquecimento global e c) educação.

Se quisermos construir uma relação inteligente com as máquinas, com as possibilidades que a tecnologia nos trará, com Blockchain ou mesmo com a fonte de tudo, que é a Natureza, vamos precisar redefinir conceitos éticos e morais sobre nossas decisões.

Isso em relação à desigualdade (1% das pessoas é responsável por 48% da riqueza do mundo), aquecimento global (os 10 anos mais quentes desde 1880 aconteceram nos últimos 12 anos) e educação (72 milhões de crianças ao redor do mundo em idade escolar não estão estudando), entre outras questões.

Ou, então, podemos ficar com a cortante e irônica frase de Groucho Marx: “Por que eu devo me preocupar com as gerações futuras? O que elas fizeram por mim?”…

 

Rodrigo Vieira da Cunha, 39, é sócio-fundador da Profile, sócio da LiveAD e embaixador-sênior do TED para o Brasil.

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