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Como o Instituto Sabin criou um mapa estratégico para nortear suas ações de impacto social

Julia Moioli - 11 maio 2022
(Foto: Per Lööv/Unsplash)
Julia Moioli - 11 maio 2022
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No ano passado, quando a crise sanitária de Covid-19 atingiu seu pior momento no país, o Instituto Sabin, organização responsável pelo investimento social privado do Grupo Sabin, de promoção à saúde, sentiu que o momento era de reflexão. 

“Quais seriam os grandes desafios do mundo pós-pandemia e que papel o Instituto assumiria nessa reconstrução e fortalecimento do ecossistema de impacto? Qual seria o legado?”

Foi assim que a instituição mergulhou em uma jornada de escuta e co-construção de um plano de ação que durou mais de seis meses e envolveu mais de 300 pessoas. Todos os principais stakeholders foram ouvidos: beneficiários, parceiros, equipes de campo da área de impacto social, representantes da sociedade civil, além dos colaboradores do próprio Instituto e convidados da mantenedora.

As conversas revelaram uma fotografia precisa do Instituto Sabin. Nessa imagem estão o público impactado pelas ações do Instituto, os principais desafios sociais e ambientais dessas comunidades (como falta de acesso a saúde integral, condições psicossociais precárias, pouca educação para saúde e baixa cobertura de atendimentos) e os três eixos estratégicos que norteiam a instituição: 

• Promoção da saúde integral e do bem-estar para pessoas em situação de vulnerabilidade;

• Fortalecimento dos ecossistemas de impacto;

• Engajamento social e filantropia.

Mas ali também está projetada a visão de futuro e um caminho para alcançá-la: resultados pretendidos no curto, médio e longo prazo, desdobrados em painéis de organização de portfólio, orçamento, metas e entregas, para, assim, completar toda a visão de transformação, que também é ancorada em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). 

O foco da atuação do Instituto Sabin está nos seguintes ODS:

• Erradicação da Pobreza (ODS 1);

• Fome Zero e Agricultura Sustentável (ODS 2);

• Saúde e Bem-Estar (ODS 3);

• Trabalho Decente e Crescimento Econômico (ODS 8);

• Redução das Desigualdades (ODS 10);

• Cidades e Comunidades Sustentáveis (ODS 11).

No centro dessa reflexão estratégica do Instituto está uma ferramenta chamada Teoria da Mudança, formulada a partir de debates sobre iniciativas e experiências de impacto social ao redor do mundo, promovidos nos anos 1990 pelo fórum Roundtable on Community Exchange, do Aspen Institute, uma das mais importantes organizações internacionais sem fins lucrativos.

A proposta é estruturar, de forma colaborativa, um mapa das mudanças pretendidas por uma iniciativa social, com resultados estabelecidos de maneira causal (ou seja, os resultados de curto prazo levam aos de médio prazo e, estes, aos de longo prazo), e avaliar seu impacto.

Gabriel Cardoso, gerente executivo do Instituto Sabin, e pesquisador no campo de inovação e empreendedorismo social, comenta:

“Agora temos uma visão mais clara da transformação que queremos e estamos promovendo, graças à ferramenta. O dia a dia operacional do nosso trabalho está todo balizado nesse mapa: é a mudança que vamos realizar no futuro, com um passo a passo de como atuaremos para chegar até ela, e um painel que indica se estamos ou não no caminho certo. Sabemos que o mapa não é o território, mas temos em mãos uma ferramenta de auxílio para a nossa caminhada.”

A partir de 2022, toda a atuação do Instituto passou a seguir a Teoria de Mudança, que é estratégica na priorização de investimento e tempo. “Tomar decisões em um contexto complexo, volátil e de recursos restritos se tornou mais ágil e assertivo”, complementa Cardoso.

A avaliação das entregas, dos resultados e do impacto ocorre em ciclos de curto, médio e longo prazo, adotando uma cultura de compreensão de evidências que qualifiquem as ações continuamente. O executivo destaca a maior clareza nas responsabilidades de cada um e da equipe e nas relações com parceiros e stakeholders.

“A Teoria da Mudança nos ajuda a reorganizar papéis internos para que todos se concentrem naquilo que preferem e sabem fazer melhor. Isso, sem dúvida, reflete na outra ponta, nas pessoas beneficiadas. Temos um Instituto que entrega mais porque tem colaboradores mais motivados e alinhados. Esse é o segredo de qualquer boa organização.”

Em uma série de reportagens, NetZero acompanhará os três eixos estratégicos, já mencionados, que orientam as ações de enfrentamento aos principais desafios do Instituto Sabin.

O primeiro deles, foco dos relatos a seguir, nasceu do próprio DNA da mantenedora da instituição, o Grupo Sabin, e trata do acesso e promoção à saúde integral e bem-estar de pessoas em situação de vulnerabilidade por meio de iniciativas e parcerias. 

O foco está em ampliar o acesso à saúde, olhar para a prevenção de doenças e para o cuidado da mulher, do homem, do idoso e da criança e disseminar conhecimento.

Falta de acesso à medicina diagnóstica preventiva

Um dos parceiros do Instituto Sabin no campo de prevenção de doenças transmissíveis é o Fundo Positivo, criado em 2014. Em seus oito anos de existência, já financiou mais de 200 projetos envolvendo enfrentamento a HIV/AIDS, saúde sexual e reprodutiva, diversidade e apoio psicossocial e mudou a vida de quase 10 milhões de pessoas.

Harley Henriques, coordenador geral do Fundo Positivo, comenta:

“Com o apoio do Instituto Sabin, incluímos no mercado de trabalho pessoas trans do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, incentivamos a prevenção à AIDS entre mulheres no sul da Bahia e imigrantes na fronteira com a Venezuela e, em São Paulo, possibilitamos o ingresso de jovens com HIV em universidades.”

De acordo com o coordenador geral do Fundo, nenhum desses projetos teria se concretizado sem a parceria com instituições como o Instituto Sabin. “Além de ajudar a financiar nossas ações, o Instituto funciona como farol de como trabalhar eticamente o tema do investimento social privado para outras fundações e institutos”, diz ele.

Momentos como o atual, com o grande impacto da pandemia de Covid-19 no aumento da desigualdade social, no número de pessoas vivendo em situação de pobreza e miséria e no acesso a políticas públicas de saúde, colocam a importância da parceria ainda mais em evidência.

Abuso e violência doméstica

Quando, em 2007, o Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal se aproximou do Instituto Sabin para uma parceria, a então colaboradora do Instituto, Esmeralda Moreira de Moura, sabia que poderia ajudar. Depois de ouvir relatos sobre a situação de mulheres vítimas de violência, que, por falta de alternativa, eram obrigadas a levar seus filhos aos depoimentos, usou sua própria história de vida para atuar na equipe que idealizou o Projeto Ludotecas.

Ludoteca inaugurada pelo Instituto Sabin em Salvador (BA). (Foto: Instituto Sabin)

Espaços de brincadeira adaptados às necessidades das crianças, as ludotecas têm como objetivo preservá-las e evitar que ouçam ou revivam a violência sofrida pelas mães e, muitas vezes, por elas mesmas – situação que os especialistas chamam de revitimização. Também são importantes na identificação crianças e adolescentes que tenham passado por situações de violência sexual e em seu apoio psicológico.

A própria Esmeralda, que trabalhava com teatro de bonecos e havia sido vítima de violência sexual na infância, pesquisou brinquedos e cenários que favorecessem a lembrança dessas crianças. Como cocriadora do projeto Ludotecas, Esmeralda comenta:

“Ouvimos sobre casos em que havia suspeita de abuso, mas também dificuldade para abordar as crianças. Com a ajuda dos brinquedos, elas mesmas foram capazes de montar o cenário da agressão e mostrar exatamente o que tinha acontecido sem falar absolutamente nada.”

Nos últimos 17 anos, o Instituto Sabin ajudou a implementar 114 ludotecas em todo o Brasil, incluindo a que está localizada na Delegacia da Mulher de Dourados (MS). “Quando eu recebi a ligação do Instituto Sabin, foi até difícil de acreditar porque não tínhamos possibilidade de desenvolver nada semelhante”, conta Paula Ribeiro, delegada na época da implementação. E complementa:

“A ludoteca é tão atrativa para as crianças que elas se sentem acolhidas e, em inúmeras situações, conseguimos descobrir e entender a violência que elas haviam sofrido, a pior que pode existir. Conseguimos abrir caminho para minimizar os danos e mostrar que há amparo e esperança. Ajudamos as crianças a entenderem que a culpa não é delas. Foi um divisor de águas na delegacia e vimos transformações reais ali dentro.”

Primeiro lugar de busca de socorro, a Delegacia de Dourados viu na ludoteca também a possibilidade de se aproximar da sociedade e mostrar a polícia por um novo ângulo. Com frequência, o espaço recebe crianças carentes que vivem na região ao redor da delegacia para visitas, com apoio de uma pedagoga.

Educação e saúde

Outra iniciativa de destaque guiada pelo eixo estratégico de promoção da saúde integral e do bem-estar – e fortemente ancorada no propósito de criar e disseminar conhecimento fomentado pelo Instituto Sabin – é a capacitação de profissionais para atuar nas ludotecas.

Capacitação de ludotecários é fundamental para qualificar o acolhimento às crianças. (Foto: Instituto Sabin)

Por meio de um programa que inclui videoaulas e apostilas impressas, que foca em habilidades técnicas, o Instituto capacita os ludotecários.

Roberta Ladislau Leonardo, profissional que contribuiu para a criação de uma estrutura de apoio aos profissionais das ludotecas, declara:

“A concepção do material interdisciplinar se baseou na ideia de acolhimento sem revitimização. Os dados mostram que a chance de crianças agredidas se transformarem em agressores é grande. Precisamos atuar nessa frente com profissionais qualificados para essa função.”

Como os atores envolvidos no trabalho com crianças e mulheres são diversos, incluindo advogados, juizes e psicólogos, entre outros, foram desenvolvidos materiais específicos para as diferentes instâncias, como justiça, segurança pública e o SUS.

“Apenas a lei não é suficiente para diminuir o problema da violência doméstica no país – precisamos de uma mudança cultural e social e precisamos de pessoas qualificadas para realizar as intervenções necessárias”, acredita Roberta. “Disponibilizar essa formação gratuitamente é fundamental para isso.”

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