Depois de perder o emprego de instrutor de Libras, Breno Oliveira, que é surdo de nascença, teve dificuldades em encontrar um novo trabalho. Decidiu, então, empreender.
Breno resolveu aprender a produzir gelatos, aquele sorvete em estilo italiano. Fez cursos em locais como Finamac e MEC3 e, há nove anos, abriu uma pequena gelateria em Aracaju, a capital do Sergipe, onde vive.
Era o início da história da Il Sordo (“O surdo”, em italiano), que se multiplicou numa rede de cinco lojas e funcionários surdos em sua maioria. Segundo Breno, 31:
“Gelatos e sorvetes são bem diferentes, porque o gelato é mais artesanal e mais fresco, tem menos gordura e açúcar do que os sorvetes que são feitos com matéria-primas mais baratas e que têm maior prazo de validade”
Três das unidades da Il Sordo estão localizadas em Aracaju; a quarta, em Salvador, funciona no modelo de franquia, pilotada por um franqueado que também é surdo. Em maio deste ano foi inaugurada a quinta unidade, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
Nas lojas da Il Sordo é possível provar desde sabores como mangaba, uma fruta nordestina, até o Beethoven, gelato à base de chocolate e nozes, batizado em homenagem ao compositor alemão (1770-1827) que criou sua célebre Nona Sinfonia mesmo depois de perder a audição.
A expectativa de Breno agora é fechar 2024 com um faturamento de 3 milhões de reais, e uma média de 10 mil a 12 mil gelatos vendidos por mês.
A conversa de Breno com a reportagem do Draft aconteceu via Google Meet; uma ferramenta de inteligência artificial da plataforma e o pai de Breno, José Oliveira, investidor da Il Sordo e presente durante a entrevista, ajudavam na comunicação.
O filho precisou convencer o pai a investir no negócio. Usou como argumento o fato de que não existiam empresários surdos e que era necessário abrir caminhos.
“Descobrimos que há um surdo dono de bar na Itália, outro dono de pizzaria em Washington, mas só”, diz José. E prossegue:
“Há uma barreira linguística que faz com que os surdos sejam afastados do mercado de trabalho, mas garanto que trazer pessoas diferentes para o ambiente empresarial é muito proveitoso”
Segundo eles, dos cerca de 30 funcionários da rede, apenas quatro (alocados em Aracaju) são ouvintes, e nenhum deles trabalha no atendimento ao público.
“A maioria das empresas que contrata surdos cumpre a cota, mas não consegue criar um ambiente em que aquela pessoa se sinta valorizada e estimulada a aprender”, diz José. “Porque não há pares para que ela consiga trocar experiência.”
A Il Sordo se posiciona então como uma empresa disposta a romper com esse padrão, dar oportunidade e formação para pessoas surdas – e combater o capacitismo.
Para incentivar os clientes a fazer pedidos em Libras, há TVs em que Breno aparece ensinando os sinais relacionados aos sabores e demais itens disponíveis no cardápio.
A ideia, segundo André Vasco, 40, um dos sócios da unidade paulistana, é estimular a comunicação “olho no olho” entre ouvintes e não ouvintes.
“Queremos criar o que eu chamo de acessibilidade reversa em um mundo em que as pessoas só olham para o celular, não há olho no olho… Na Il Sordo a gente quer quebrar isso”
André teve passagens por emissoras de TV e rádio, criou uma startup de tecnologia e investiu numa marca de roupas. Hoje, possui uma produtora de vídeo e dirige filmes de publicidade, além de ser sócio da Il Sordo.
Ele diz que se apaixonou pela proposta durante uma viagem a Aracaju, quando conheceu a marca. Nessa época, ele começava a assumir uma perda auditiva que inicialmente resistia em aceitar.
Diagnosticado em 2015, o problema afeta os dois ouvidos de André. Há uma perda para os tons médios e agudos, e ele – que hoje usa aparelho auditivo – tem dificuldade de entender o interlocutor em ambientes ruidosos ou quando não há contato visual.
De volta à capital paulista, André dividiu com Felipe Paladino, um amigo de infância, sua ideia de trazer a Il Sordo a São Paulo. Assim, em sociedade com Breno e um valor de investimento não revelado, eles abriram a unidade de Pinheiros — na rua Coropés, em frente ao Instituto Tomie Ohtake.
André diz que não pretende que a Il Sordo seja um “QG da comunidade surda”, mas que tenha conexão com o público e ajude a quebrar a “quarta parede” que separa as pessoas com deficiência do resto da sociedade:
“Não somos uma ONG, somos uma gelateria que oferece uma experiência incrível. Mais de 90% das pessoas que entram lá nunca tiveram contato com um surdo, com uma pessoa com deficiência. Nós somos o único estabelecimento do quarteirão que tem rampa de acesso, cardápio em braille”
Como esta aproximação, ele espera que a Il Sordo ajude a combater o que ele chama de “capacitismo inconsciente”. “Tem gente que vem me falar que o gelato é maravilhoso, mas fica impressionada que foi feito por um surdo”, afirma André. “É uma fala em que o capacitismo está totalmente incrustado.”
Por sua vez, o idealizador da rede, Breno Oliveira, diz que está feliz com a trajetória da Il Sordo. Segundo ele, a marca atingiu um patamar que ele nunca tinha imaginado.
“Continuo enfrentando desafios e amadurecendo. Mas meu propósito é ajudar surdos a crescerem, melhorarem qualidades e serem profissionais melhores do que antes.”
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