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Contra a insegurança das grandes cidades, eles criaram uma rede de câmeras de vigilância que rastreia veículos usados por criminosos

Italo Rufino - 19 ago 2024
Otávio Miranda (à esq.) e Erick Coser, os fundadores da Gabriel.
Italo Rufino - 19 ago 2024
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Em 2023, somente a cidade de São Paulo registrou 439 651 casos de roubos e furtos, de acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública.

Além de afetar o bem-estar e o patrimônio das pessoas e empresas, a insegurança pública traz prejuízos para o desenvolvimento do país, pois reduz a confiança de investidores na capacidade do governo de proteger seus cidadãos. Segundo dados do FMI, o PIB brasileiro poderia ter um incremento de 0,6% se as taxas de criminalidade fossem reduzidas ao patamar médio global.

De olho nessa dor nacional está a Gabriel. A startup desenvolve câmeras e sistemas de monitoramento, dotados de inteligência artificial, que formam uma rede capaz de registrar placas de veículos irregulares: carros e motos usados por criminosos nas ruas das grandes cidades.

“O dever de investigar, julgar e punir é sempre do poder público. A Gabriel atua com serviços complementares”, afirma o cofundador Otávio Miranda, 30. E prossegue:

“O nosso desafio é lidar com um alto volume de informações e a criatividade dos criminosos, que tentam estar um passo à frente das autoridades e se adaptam a novas tecnologias”

Hoje, são 7 mil câmeras instaladas em fachadas de condomínios residenciais e corporativos; uma pequena parte está em casas e comércios, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói.

Batizado de Camaleão (por causa da capacidade desse réptil de mover cada olho de forma independente, alcançando uma visão de quase 360 graus), o equipamento está disponível em três modelos. O de entrada é uma câmera única que se camufla na parede. O mais avançado possui múltiplas lentes e é instalado num totem, visível à distância, para monitorar grandes áreas urbanas.

COMO USAR A TECNOLOGIA PARA FORNECER INTELIGÊNCIA AO PODER PÚBLICO

Segundo Miranda, a solução da startup integra diferentes serviços, que, até então, eram disponibilizados de forma picada por vários fornecedores: a câmera em si, a instalação, a conexão com a internet, o armazenamento de dados e o aplicativo de visualização.

Ao mesmo tempo que transmite as imagens para a central de monitoramento, ao vivo via internet 4G, as câmeras Camaleão registram tudo num HD interno, os dados ficam armazenados no hardware por 14 dias. O sistema é eficiente, pois não há custos com licenças de armazenamento em nuvem. Miranda explica:

“Um dos diferenciais é aplicar toda a parte técnica de monitoramento via vídeo ao conceito de cidades inteligentes. A lógica vai além de filmar as ruas. Consiste em entender as suas dinâmicas para fornecer inteligência para o poder público”

Por exemplo, em segurança pública, os dados podem ser usados para distribuir melhor o policiamento de acordo com as rotas mais comuns dos criminosos. Em zeladoria, é possível realizar manutenção preventiva nas vias com base no fluxo de veículos que recebem. Em urbanismo, decidir quais locais precisam ter calçadas maiores para acomodar bem os pedestres.

EM QUATRO ANOS, 375 PRISÕES FORAM EFETUADAS COM AUXÍLIO DAS IMAGENS DA STARTUP

Falando em segurança, as lentes da startup já captaram mais de 5 600 ocorrências. As principais são de roubos (40%) e furto (31%). Há também casos de estelionato (6%), invasão (3%), colisão de veículos (3%), entre outros.

A conexão com autoridades se dá via um convênio da Gabriel com as polícias civis de São Paulo e Rio de Janeiro. Por meio do site da startup, os agentes podem requisitam imagens de locais envolvidos em investigações. Em paralelo, ao identificar veículos irregulares ou possíveis crime, a central de monitoramento, e os próprios usuários, podem avisar a polícia.

Em quatro anos de operação, 375 prisões foram efetuadas em investigações que contaram com imagens da Gabriel.

“Além das prisões, temos muito orgulho de dizer que nossas imagens colaboraram em investigações que inocentaram oito pessoas”

Miranda cita dois casos. Um aconteceu na Avenida Paulista, quando a polícia prendeu um homem suspeito de furto num mercado da região. Posteriormente, as imagens provaram que, no momento do crime, o homem havia desembarcado de um caminhão e aguardava um ônibus para ir para casa.

O segundo caso ganhou repercussão nacional. Num domingo no Rio de Janeiro, uma mulher que passeava na rua com o cachorro acusou de agressão uma entregadora de aplicativo e um pedestre. Porém, as imagens mostram que foi a acusadora que iniciou a briga, perseguiu a entregadora e usou a coleira do cachorro para bater no pedestre, que apareceu somente para separar a confusão.

OS COFUNDADORES EMPREENDERAM NA CHINA, DE ONDE TROUXERAM O MODELO DE NEGÓCIO

A incursão de Miranda no empreendedorismo começou a quase 18 mil quilômetros do Rio de Janeiro, onde foi criada a Gabriel. Em 2017, ele foi cursar ciências políticas com concentração em economia, na Universidade Renmin, no nordeste da China. Posteriormente, trabalhou na rede social Kwai.

Na época, Erick Coser — cofundador e CEO da Gabriel — também estava na China. Aficionado por tecnologia (na adolescência, seu passatempo era desmontar e montar computador e escrever artigos no Wikipedia), ele cursava mestrado em relações internacionais na Universidade Tsinghua, em Pequim.

Com passagens pela Rocket Internet, Tripda e Wunder Mobility, Erick, 32, era gerente de expansão para países emergentes da Mobike, empresa chinesa que criou o modelo que viria a ser usado pela Yellow no Brasil, e convidou Miranda para ingressar no projeto de criação da operação brasileira. A ideia vingou e, um ano depois, eles venderam a operação  para um grupo chinês por 2,7 bilhões de dólares.

De volta ao Brasil, os dois começaram a estudar modelos de negócios chineses que poderiam ser replicados aqui. Foi aí que surgiu a ideia da Gabriel.

Para tirá-la do papel, eles receberam um seed de 1,75 milhão de dólares do Canary, fundo de venture capital para startups em estágio inicial, criado por Florian Hagenbuch e Mate Pencz, fundadores da Printi e Loft; Marcos Toledo e Patrick de Picciotto, sócios das gestoras de investimentos M Square e Velt; e Julio Vasconcellos, fundador da Peixe Urbano.

“O estereótipo de má qualidade dos produtos chineses é ultrapassado. O que a China faz é desenvolver produtos com preços competitivos, com distribuição em larga escala, que resolvam problemas do maior número possível de pessoas, em mercados pouco explorados”

Porém, quando pensamos em China e câmeras de vigilância, outra preocupação vem em mente: vigilância extrema centralizada nas mãos de poucos.

Segundo a empresa britânica de pesquisas e avaliações de segurança cibernética Comparitech, nas grandes metrópoles chinesas, são em média 439 câmeras a cada 1 mil habitantes.

Fora da China, a metrópole mais vigiada é Hyderabad, na Índia, com 83 câmeras per capita. No Brasil, o Rio de Janeiro tem 2.01 câmeras por pessoa; São Paulo, 0.83.

Miranda diz que, dentro do conceito de cidades inteligentes, quanto mais câmeras, maior a sensação de segurança entre a população. Por outro lado, ele garante que o foco da Gabriel não é o reconhecimento facial de cidadãos — e nem pretende ser no futuro.

“A tecnologia de câmeras de reconhecimento fácil é usada de forma muito displicente pelas autoridades. É extremamente difícil e pouco assertivo identificar rostos em vias públicas. Mesmo nas cidades que adotaram a tecnologia, as prisões acontecem com base em investigação policial tradicional”

Ele explica que o foco da Gabriel é mesmo placas de veículos. Inclusive, diz que a assertividade no reconhecimento só se dá via várias câmeras instaladas no mesmo bairro.

Devido às variações de ângulos, iluminação e velocidade do carro, a placa é lida quando o automóvel passa por, ao menos, três câmeras, em média — o que permite que a inteligência artificial monte um quebra-cabeça com as imagens.

COM DINHEIRO EM CAIXA, A STARTUP ESTÁ INVESTINDO EM CONTRATAÇÕES E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

De dezembro até hoje, o número de câmeras instaladas pela Gabriel cresceu 83%. Embora a empresa não revele o faturamento, afirma que as receitas têm triplicado, ano a ano.

Ao mesmo tempo, caixa não é um problema. Dois anos após receber aporte de série A de 12 milhões de dólares, liderado pelo Softbank, a startup anunciou, em janeiro de 2024, uma extensão no valor de 6,6 milhões de dólares. Essa rodada mais recente foi coliderada pela Astella Investimentos e Qualcomm Ventures, com participação da Globo Ventures, que já era investidora.

Os valores foram aplicados no desenvolvimento da segunda versão das câmeras e em ganho de escala. O objetivo é dominar as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, onde estão os escritórios.

Para isso, as contratações seguem em alta. São mais de 170 funcionários, em formato presencial. A maior parte da equipe, com idade média de 33 anos, está alocada no comercial, seguido por engenharia.

Na busca pela liderança, a empresa deve integrar o Smart Sampa, programa de monitoramento por câmeras da Prefeitura de São Paulo. Em julho, foi anunciada uma chamada pública para a adesão de mais 20 mil câmeras particulares ao programa.

E para quem está de olho em empreender, Otávio Miranda compartilha algumas lições:

“Cuidado com a ideia de que um produto inovador é o [único] diferencial do negócio. Um bom produto precisa ter preço adequado ao mercado de atuação, rede de distribuição de alta capilaridade e ser rapidamente validado. É necessário criar um modelo de negócio, com barreiras de entrada, ao redor do produto.”

 

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