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A editora Bebel Abreu, 45, revira os livros e papéis sobre sua mesa, na tentativa de listar, no meio da entrevista ao Draft, todos os projetos em que está envolvida neste momento.
“Nossa, vou fazer essa conta em tempo real…”, ela ri, enquanto cita títulos, perde-se em um raciocínio para revelar histórias que a busca traz, e pede ajuda à irmã e sócia Manaíra.
“É muito difícil ser editora, bicho”, desabafa Bebel. E elabora a respeito:
“Um trabalho árduo, mínimo de doze horas por dia. E você tem que equilibrar tantos pratinhos ao mesmo tempo, ter carisma, performar na internet, chamar seu público e lidar com fornecedores, parceiros, artistas, o que nem sempre é fácil”
Se pode parecer caótica, a cena também revela o carinho da arquiteta e produtora cultural por cada título da centena de publicações do catálogo de sua editora, a Bebel Books.
Fundada em 2010 (como um selo experimental da produtora de eventos Mandacaru), a Bebel Books partiu da participação em feiras independentes e edições artesanais para o lançamento de fenômenos editoriais, prêmios e a internacionalização de mercado.
Hoje, Bebel transita para uma maior profissionalização, sem abrir mão do caráter curatorial que a tornou reconhecível. Nem, tampouco, do seu envolvimento pessoal com os projetos.
Durante a conversa com o Draft, Bebel separava materiais para vender na feira de publicações Miolo(s), realizada em São Paulo no fim de semana de 8 e 9 de novembro. Ela também estava organizando a sua agenda para a COP30, em Belém.
Na capital paraense desde a última quinta-feira, 13, Bebel tem um compromisso hoje, segunda, dia 17: a partir de 18h30, ela vai estar na Travessia Livraria, onde irá autografar seu livro Viagem a Belém, escolhido pela ONU Brasil para apresentar a cidade-sede da COP30 aos visitantes de todo o mundo.
O cordel nasceu de uma experiência turística, em 2023. Naquele ano, Bebel esteve no Pará para um evento de tipografia e participou de uma oficina.
“Fiquei o resto da semana com o meu caderninho, anotando as coisas todas que eu queria contar, e ele virou esse grande diário de viagem”
A edição, então fininha, encorpou e virou um livro de 48 páginas com ilustrações (xilogravuras e linóleo). Catherine Balston, jornalista britânica baseada entre Londres e São Paulo, especializada em turismo e gastronomia, topou o desafio de preservar rimas e regionalismos na tradução para o inglês.

Escolhido pela ONU Brasil para apresentar a cidade aos visitantes, Viagem a Belém está disponível em português e inglês.
O convite da ONU Brasil veio a partir da indicação de uma funcionária da Comunicação do órgão. A ideia era usar as ilustrações nas redes sociais da instituição durante a COP; para isso, Bebel animou suas artes com a ajuda do irmão Bento, videomaker.
“Eu imprimi três mil unidades em português e duas mil em inglês. Agora, preciso vender esse livro de qualquer jeito”, contou Bebel na entrevista ao Draft. Ela revelou que a rede de televisão NBC, dos Estados Unidos, iria inaugurar seu estúdio temporário na COP presenteando convidados com exemplares de Viagem a Belém.
“Estamos fazendo contato com hotéis, agências de turismo, delegações dos países presentes, ONGs, porque ele é um presente muito lindo para quem visita a cidade”
A agenda de Bebel em Belém inclui o lançamento de mais dois livros, bancados pela Voz dos Oceanos – uma iniciativa da família Schurmann, a primeira da América Latina a circum-navegar a Terra em um veleiro.
“Tomou bastante do nosso tempo, mas é uma entrega que a gente também sabe fazer muito bem, sabe?”, diz.
Ilustradas por Marco Lorino, as obras falam sobre conscientização ambiental e são exemplos de projetos comissionados, livros encomendados e fora do catálogo – um modelo de projeção institucional que abre o leque da editora a outros modos de fazer receita.
Nascida em João Pessoa, Bebel viveu a infância em Brasília, a adolescência em Vitória e, após estudos de expografia na Alemanha, fixou-se em São Paulo.
Essa vivência nômade se refletiu na curadoria dos livros que ela viria a editar. “Não ser de um lugar só me deu esse olhar muito diverso, aberto”, diz.
Por muito tempo, segundo ela, a Bebel Books funcionou de modo quase “intuitivo”:
“Já publiquei mais de cem títulos, mas sem muito compromisso com a regularidade, eu [ia] fazendo algo no meu tempo livre”
Eventuais lucros em geral eram reinvestidos na próxima tiragem. E como a empresa se resumia a Bebel, os gastos eram mínimos e o que sobrava ia para uma poupança.
Em 2015, veio um grande sucesso de vendas, Suruba para Colorir, série com três edições e diversos ilustradores. Alcançou 30 mil exemplares vendidos.
“Isso me garantiu um certo colchão financeiro. Foi muito bom porque me deu uma certeza, uma possibilidade de ter uma liberdade criativa muito grande”
Um dos motivadores da atual reestruturação da editora foi a entrada no mercado internacional.
“A gente mudou essa chave depois que fui para a Feira de Frankfurt, em 2023, levando a um movimento que acelerou negociações de direitos e o intercâmbio de autores”, diz Bebel.
A editora já trouxe traduções e projetos até das Filipinas. Também viu seus títulos circularem na Bolívia, em Portugal e em países africanos da comunidade lusófona.
O degrau para a profissionalização veio com uma série de fatores, como a necessidade de contratar funcionários e a percepção de um mercado que exige estrutura.
Atualmente, a Bebel Books já tem uma equipe estruturada, formada por cinco mulheres em funções administrativas diversas. A busca é por modelos de receita que viabilizem uma produção diversa e a conquista de novos públicos.
“Passamos por um ano e meio bem desafiador, mas acho que a gente está chegando num lugar melhor, até para ficarmos mais tranquilas sobre as contas”
Para financiar a transição, Bebel abriu mão de parte da sua reserva: “Eu investi por volta de 120 mil reais nesse período e gostaria muito de rever esse dinheiro…”
Além disso, um sócio-investidor pôs outros 20 mil reais na editora. Ela diz que ainda não tem um plano de negócios formal, mas que a experiência construída serve hoje de base para a profissionalização.
A Bebel Books sobrevive com uma engenharia de receitas que inclui crowdfunding, editais (ProAC e similares), encomendas comissionadas e, recentemente, coedições e clubes de assinatura.
Sobre custos e margens, Bebel explica como a matemática muda quando se busca escala:
“Antes, quando eu ia calcular um livro para vender na banquinha da Miolo(s), o preço de capa deveria ser quatro vezes o valor da impressão. Hoje, o custo de impressão precisa ser de um oitavo do valor final, pois a distribuidora fica com 60% – e o investimento inicial é muito maior”
Mesmo assim, e dificuldades à parte, nos últimos 12 meses a Bebel Books atingiu um faturamento de quase 500 mil reais.
A linha editorial da Bebel Books une experimentação gráfica e impacto social. Seja com humor ou uma crítica contundente, as obras discutem de cidadania a questões de gênero, passando por racismo, cultura popular e meio ambiente.
Entre os principais títulos do catálogo estão Adjetivo Feminino, de Marina Jerusalinsky; Pequeno Manual de Defesa Pessoal, de Helô D’Angelo; e a coletânea Boy Dodói.
O primeiro, um dicionário feminista, já chegou à sexta reimpressão; o segundo, uma HQ focada no público LGBTQ+, foi traduzido para o espanhol e o birmanês. Boy Dodói, por sua vez, traz “histórias reais e ilustradas sobre masculinidade tóxica”.

Obras do catálogo da Bebel Books.
A obra – organizada por Bebel, Carol Ito e Helô D’Angelo – foi viabilizada graças a um financiamento coletivo com quase 1,5 mil participantes e, segundo Bebel, é usada como material didático em sessões do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) de ressocialização de homens agressores, condenados pela Lei Maria da Penha. “Nem tudo é sobre números”, diz.
Buscando ampliar o alcance, ela negociou coedições de seis livros por ano com uma editora de grande porte, a Martins Fontes, também distribuidora. Segundo ela, sem perder a autonomia curatorial.
“Hoje, a distribuição toma muito do nosso tempo. Com eles assumindo essa parte, a gente vai poder se concentrar mais na edição mesmo. Vai ser um passo importante, vamos marcar presença em bienais, em lugares maiores”
Para completar essa transição, só falta alguém para ajudar a cuidar das contas.
“Uma coisa que eu faria diferente é procurar desde o início um sócio que entenda de administração, para me liberar para o que eu mais gosto de fazer”, diz Bebel. “Para mim, dói fazer isso e não poder apenas cuidar da parte editorial e criativa, onde eu sei que brilho de verdade.”
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