Depois de estourar com bonecos personalizados, o Bololofos percebeu que tinha também um papel social

Cecilia Valenza - 1 dez 2016Os publicitários Thiago Espeche e Graziella Poffo e a mãe artesã Udi Poffo: família Bololofos.
Os publicitários Thiago Espeche e Graziella Poffo e a mãe artesã Udi Poffo: família Bololofos.
Cecilia Valenza - 1 dez 2016
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Transformar desenhos de crianças em bonecos reais já é por si só uma ideia irresistivelmente fofa. Mas e se por trás disso ainda houvesse um propósito, um papel social a ser cumprido? O Bololofos conseguiu juntar essas duas coisas. Criado em 2013 por um casal de publicitários, o ateliê surgiu com a proposta de produzir bonecos personalizados a partir de desenhos infantis.

Depois de três anos e uma série de dificuldades superadas, o negócio cresceu, se transformou e hoje, além dos bonecos sob encomenda, sua principal atividade a realização de oficinas nas quais as próprias crianças aprendem a produzir seus próprios bonecos. O passo além é levar essas oficinas a crianças em situação de vulnerabilidade, para que ao brincarem com a própria imaginação, sejam estimuladas a se tornarem mais confiantes.

Com mais de duas mil crianças impactadas nas oficinas este ano, o Bololofos viu seu alcance crescer muito. Mas, na verdade, desde o início do negócio eles foram surpreendidos pelo sucesso. E isso nem sempre foi bom. O negócio começou como muitos empreendimentos criativos. Frustrada com a rotina de diretora de arte em uma agência de comunicação, Graziella Poffo, 36, sentia a necessidade de ter um trabalho mais autoral. Durante um ano, ela e o marido, Thiago Espeche, 34, se prepararam financeiramente para que ela pudesse deixar o emprego. A demissão veio no final de 2012.

Com mais tempo livre, poderia se dedicar a um projeto novo. “Na época a gente ficou sabendo de uma canadense que transformava os desenhos dos filhos em bonecos de pano e achamos isso fantástico. Minha mãe (Udi Poffo, 66) sempre foi uma artesã muito habilidosa e já sabia trabalhar com costura. O que fizemos foi criar um projeto que juntasse as nossas habilidades”, conta ela.

No Bololofos, cada boneco é único, como este feito com um desenho do Francisco, divulgado no Instagram da marca.

No Bololofos, cada boneco é único, como este feito com um desenho do Francisco, divulgado no Instagram da marca.

O primeiro protótipo foi feito a partir de um desenho da afilhada do casal, que na época tinha 6 anos. “Ficou horrível. Tentamos de novo, e ficou horrível de novo”, lembra. Na terceira tentativa e depois de mudar o tecido, que a princípio era pelúcia e depois passou a ser plush, o resultado agradou. Eles produziram então mais 9 bonecos diferentes e criaram um portfólio suficiente para começar o negócio.

“Nosso investimento inicial foi praticamente nada além de um capital intelectual. Tínhamos tudo dentro de casa, minha mãe com os conhecimentos de costura, e nós com a bagagem publicitária. Nós mesmos criamos a identidade visual da marca, tiramos as fotos, montamos o site e as redes sociais. E lançamos!”, diz Graziella. Isso foi em setembro de 2013.

A página no Facebook chamou atenção rapidamente. Logo na primeira semana, surgiram pedidos de entrevistas para jornalistas. As reportagems saíram e choveram encomendas. Muito mais do que eles estavam preparados para assumir:

“Nos três primeiros meses recebemos mais de 150 pedidos. Foi apavorante. Não estávamos preparados para atender isso, o processo era totalmente artesanal”

Ela conta que nessa época eles levavam 15 horas para produzir um único boneco. O preço varia de acordo com o tamanho final do boneco, mas em média custa 230 reais. Foi preciso abrir uma fila de espera para administrar os pedidos mas, nem assim, Graziella ficou em paz: “A cada nova encomenda a gente entrava em pânico achando que não ia conseguir construir o boneco. Acho que esse sentimento só passou depois que passamos do centésimo”.

Se cada desenho de criança é único, cada boneco exige um projeto igualmente exclusivo. O diferencial do Bololofos é justamente o fato deles não “corrigem” traços nem interferem no original. “Se a criança desenhou uma pessoa com um cabeção e um corpinho, a gente vai fazer assim. Se ela fez uma girafa com 24 pernas, a gente vai colocar todas”, diz Graziella. O que no início era uma dificuldade, acabou se tornando o ponto forte do negócio. Os bonecos são realmente muito fiéis. “Estudamos cada desenho como uma obra de arte, respeitando todos os traços, formas e proporções e tornando aquilo realidade sem nenhuma correção do ponto de vista de um adulto”, afirma Thiago.

FOFURA NÃO PAGA AS CONTAS. E AGORA?

Apesar de encantadora, a produção dos bonecos personalizados não era um negócio lucrativo. A produção extremamente artesanal levava muito tempo, limitando a quantidade de bonecos e, portanto, o faturamento. Já não havia como voltar atrás, o jeito era inventar um jeito de tornar o que era um sonho em um empreendimento financeiramente viável. Diante do impasse, Graziella teve um insight: “Percebemos que nosso foco não devia ser o boneco, mas sim o desenho”.

A partir daí, teve início uma nova fase para o negócio. A primeira ideia foi expandir a atuação e começar a fazer decoração de festas infantis. Neste caso, em vez do aniversário ser temático de princesa ou super-herói, a criança poderia ter seus próprios desenhos na decoração. Este foi o primeiro passo para o Bololofos sair de ficar apenas na produção do boneco personalizado.

Ainda havia o desafio da escala, que é a antítese da exclusividade. Para enfrentá-lo, veio a coleção Bololofos Superstars. Era uma forma de manter-se na área (bonecos) mas ampliar o público e massificar minimamente a produção. “Usamos a estética infantil para criar, nós mesmos, bonecos de ícones pop. Produzimos o David Bowie, o Elvis Presley, o Joey Ramone”, diz Graziella. Foi um sucesso. Em setembro de 2015, foram produzidas 100 unidades para o lançamento. Com um preço de 190 reias, esgotaram rapidamente. Eles, então, lançaram uma segunda edição em janeiro deste ano. Mais uma vez venderam tudo.

Elvis Presley, David Bowie e Joey Ramone, a 190 reais cada, ajudaram o negócio a ter alguma escala pela primeira vez.

Elvis Presley, David Bowie e Joey Ramone, a 190 reais cada, ajudaram o negócio a ter alguma escala pela primeira vez.

Ao se aventurar no universo da cultura pop, Thiago e Graziella ficaram sabendo que o MIS (Museu da Imagem de do Som, em São Paulo) receberia uma exposição do cineasta Tim Burton em fevereiro deste ano.

Surgiu, então, a grande ideia —  que mais adiante seria o ponto de virada do negócio.

“Não seria incrível montarmos uma oficina e em que as crianças pudessem criar seus próprios bonecos com o estilo do Tim Burton?”, diz Graziella. Sim, seria! Mas não seria tão simples assim.

Eles apresentaram o projeto e o museu gostou. Eles tinham feito uma simulação da oficina imaginada com seis crianças — mas o MIS queria 100! Novamente, o desafio da escala. Novamente, uma saída criativa. “Tivemos que repensar e acabamos criando um modelo de boneco híbrido, ou seja, que tem uma base mas pode se transformar em qualquer coisa à medida que a criança coloca pernas, braços etc”, conta Thiago.

Com essa adaptação, a oficina aconteceu e foi um divisor de águas para o ateliê. Enquanto ao fazer bonecos personalizados eles conseguiam produzir no máximo 50 unidades por mês, com oficinas, esse alcance seria muito maior. E foi. Depois do MIS, o SESC procurou o Bololofos para fazer oficinas temáticas no mês de julho deste ano. Era o mês do rock e cada criança produziria a sua própria guitarra. Participaram mais de 300. Olha a escala, finalmente, aí.

VOCÊ RESOLVE UM PROBLEMA, E PERCEBE QUE SUA MISSÃO É MUITO MAIOR

O terceiro parceiro levou o Bololofos além dos limites da capital paulista — e também do que eles mesmos pensavam sobre o negócio. Em outubro, o governo do Mato Grosso convidou o ateliê para realizar uma semana de oficinas em Cuiabá, numa parceria com o Sebrae e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). Dessa vez o público seria formado por 600 crianças em situação de vulnerabilidade. O tema da oficina foi adaptado para a ocasião, era “Meu monstrinho anjo da guarda” e cada criança criava seu próprio guardião, “um amigo para todas as horas”. Graziella fala de como encarou o desafio de trazer acolhimento em uma situação difícil, com crianças na faixa dos 6 a 7 anos:

“Nessa oficina, quisemos abordar a questão do trabalho infantil de uma maneira sutil. Nosso papel ali era usar a arte como instrumento transformador. Ao ver seus bonecos virarem realidade, a autoestima daquelas crianças se fortalece”

A oficina foi transformadora em muitos sentidos, especialmente para os sócios. Com a experiência, eles perceberam que tinham em mãos algo muito maior. Viram a possibilidade de encaminhar o Bololofos para um negócio de impacto social. É nesse sentido que eles seguirão caminhando.

Uma das crianças em situação de vulnerabilidade que participou da oficina "Monstros da Guarda", que mudou a história do Bololofos.

Uma das crianças em situação de vulnerabilidade que participou da oficina “Monstros da Guarda”, que mudou a história do Bololofos.

Os erros, os acertos e o aprendizado de que é preciso se adaptar para superar dificuldades levaram o Bololofos a encontrar o modelo de negócio ideal. Com as oficinas, eles chegaram a uma fórmula que permite alcançar muito mais crianças e, assim, conseguiram tornar o negócio rentável.

Hoje, o ateliê tem um faturamento de 380 mil reais por ano (previsão para este ano de 2016). “Nos dois primeiros anos a gente aprimorou a técnica diminuiu o tempo de produção de cada boneco, mas somente neste terceiro ano, com as oficinas, que o negócio começou a dar retorno”, diz Graziella. O crescimento permitiu a contratação de duas costureiras e também mais dois auxiliares para as oficinas.

Além de expandir as parcerias (em novembro, novamente no MIS, aconteceu outra oficina, dessa vez o tema era Frida Kahlo), o Bololofos pretende ter um espaço próprio no próximo ano. “Queremos tirar o ateliê de casa e ter um espaço para a realização das oficinas que seja, na verdade, um centro cultural”, conta a fundadora.

No entanto, isso não significa fixar território. O Bololofos continua sendo itinerante. “No ano que vem temos um projeto também no Mato Grosso em que vamos ensinar mulheres de baixa renda a produzir os bonecos e a vendê-los, como forma de gerar renda para suas famílias”, diz Graziella. “Como temos um propósito social, nada melhor do que deixar esse legado por onde passarmos.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Bololofos
  • O que faz: Ateliê que produz bonecos a partir de desenhos infantis, e dá oficinas para crianças fazerem o mesmo
  • Sócio(s): Graziella Poffo, Thiago Espeche, Udi Poffo
  • Funcionários: 7 (incluindo os sócios)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2013
  • Investimento inicial: não houve
  • Faturamento: R$ 210.000 (em 2015)
  • Contato: [email protected]
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