Desenvolver novas drogas é caro. A APTAH reduz o tempo e o custo da descoberta de medicamentos com biologia computacional

Marina Audi - 6 jan 2020
Os cofundadores Caio Bruno (à esq.) e Higor Falcão: em um ano, oito produtos descobertos.
Marina Audi - 6 jan 2020
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Drogas órfãs, o Google ensina, são produtos médicos destinados ao diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças raras ou negligenciadas pelos laboratórios, que acabam não investindo no desenvolvimento desses medicamentos.

Esse é o nicho de atuação da APTAH. A startup investe na criação de drogas órfãs, usando ferramentas de bioinformática e de modelagem molecular in silico (ou seja, por meio de simulação computacional). Uma vez criadas, essas novas moléculas podem ser patenteadas e licenciadas para a indústria farmacêutica.

Com sede em Goiânia, a empresa foi fundada por Caio Bruno, 30, e Higor Falcão, 39. Segundo Caio:

“O impacto social de cada ideia que sai da APTAH é incalculável. Tudo que fazemos aqui é para beneficiar milhões de pessoas que não têm sequer esperança de ter um tratamento para suas doenças de base”

Em um ano, a APTAH descobriu oito produtos: três quimioterápicos de baixo efeito colateral, dois para doenças inflamatórias, um para tratamento de Atrofia Muscular Espinhal, outro para sarcopenia (perda de massa muscular devido ao envelhecimento) e um antifebril. 

A STARTUP DESENVOLVE TIPOS ESPECÍFICOS DE DNA SINTÉTICO

Para entender a que ponto a tecnologia tem sido usada a favor da cura de doenças e como a APTAH atua, é preciso atualizar certos conceitos de biologia.

Lembra das bases nitrogenadas do DNA (Adenina, Guanina, Timina e Citosina, ou A, G, T, C)? Pois bem. Em 2012, usando a biologia sintética, um grupo de pesquisadores liderados por Floyd Romesberg, do Scripps Research Institute, conseguiu ampliar esse alfabeto genético. 

Hoje, se conhecem mais de 20 (!) tipos de bases não-naturais de DNA. E, com o advento do DNA sintético, surgiram novas possibilidades de tratamento.

Quando se sabe que uma determinada sequência genética causa uma doença, é possível sintetizar uma cadeia de ácido nucleico (DNA ou RNA) para se ligar ao trecho “defeituoso”, desativando-o. Essa é, simplificadamente, a base da chamada Terapia Antisense. E é nessa seara que a APTAH atua. 

A startup desenvolve tipos específicos de DNA sintético: aptâmeros (daí o nome da empresa), ASO e RNAi. O foco é corrigir uma doença ou um processo inflamatório através de modulação da célula. Ou seja: sem alteração do genoma, mas alterando, sim, o transcritoma – o conjunto de transcritores, os tradutores do DNA.

A EMPRESA ENCURTA EM 30% O PROCESSO DE DRUG DISCOVERY

Segundo dados da Universidade de Tufts, a média de tempo de desenvolvimento de um medicamento – da descoberta até a chegada ao mercado – é de 12 anos, a um custo médio de 12 bilhões de reais. E mais: 80% dos projetos ficam pelo caminho. 

Com uma metodologia própria que combina engenharia genética, engenharia reversa e o uso de softwares de bioinformática (SeeSAAR, Stardrop e SAMtools), a APTAH encurta em 30% a fase de Drug Discovery — o processo de descoberta do princípio ativo ou de um composto. 

“O que fazemos é reduzir o tempo, o custo e o risco na etapa de descoberta do composto e da fase de estudos pré-clínicos, que são os testes em laboratório nas culturas de célula e em animais”

Essa etapa inicial do desenvolvimento de uma medicação não inclui, portanto, os testes clínicos, mais caros e complexos, que envolvem experimentação em seres humanos. Mesmo assim, representa, segundo Higor, de 30% a 33% de todo o custo de criação do medicamento — ou seja, cerca de 4 bilhões de reais.

NO INÍCIO, O SÓCIO E CEO DUVIDOU DA VIABILIDADE DO NEGÓCIO

Os fundadores se conheceram em 2015. A pedido de um amigo em comum, Higor aproximou-se de Caio para ajudá-lo a desenvolver um sequenciador genômico (um equipamento para ler DNA). Eles não conseguiram, porém, levantar o capital para transformar esse hardware num produto comercializável — e o projeto foi abortado.

Em 2017, Caio fez um convite: fundarem uma startup para criar medicamentos a partir de DNA. Higor, médico radiologista, no primeiro momento desconfiou: 

“Nosso organismo é preparado para degradar tudo quanto é tipo de molécula de DNA que cai na corrente sanguínea ou, simplesmente, que entra em contato com a gente… Aí o Caio vem me falar que estava fazendo moléculas de DNA – em dois projetos-piloto – para funcionar como medicamento?”

Antes de comprar a ideia, Higor precisou voltar a estudar. Acabou topando modelar o negócio — e a empresa foi oficializada em 2018.

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL OTIMIZA A BUSCA POR NOVAS  MOLÉCULAS

Antigamente, os medicamentos eram ou descobertos por acaso – como o ácido acetilsalicílico (Aspirina), a penicilina e a vacina da raiva – ou então por tentativa e erro, testando-se substâncias já conhecidas. 

Caio desenvolveu uma  lógica de descoberta de novas drogas que faz o “caminho inverso”: parte do entendimento da doença, seus sintomas e da fisiopatologia molecular — para só daí chegar à molécula curadora

A inteligência artificial do IBM Watson Discovery é aplicada pela empresa para fazer uma varredura de artigos científicos em bancos de dados (como PubMed e BLAST) e reunir o conhecimento disponível sobre a doença. Só aí procura-se uma molécula que será testada, primeiro no computador, depois em um organismo. Segundo Caio:

“Qualquer um tem acesso à literatura e consegue determinar se um alvo é bom ou ruim. A nossa sacada é que, além disso, temos um processo que consegue encontrar a chave de modulação das células — ou seja, identificamos a região do genoma em que vamos trabalhar o DNA sintético”

A metodologia, diz, é aplicável a segmentos como medicina humana e veterinária, agronegócio e bioenergia. Nos dez compostos já estudados pela APTAH, a predição em modelo computacional se confirmou no teste in vitro em 100% dos casos.

COMEÇAR DO ZERO: O DESAFIO DE SE TRABALHAR COM DROGAS ÓRFÃS

Higor afirma que a empresa necessita de 1,5 milhão de reais para tocar o processo inicial de descoberta in silico, mas diz que é impossível prever o custo dos testes pré-clínicos. 

“Como só trabalhamos com drogas novas, tudo tem de ser construído do zero: a droga e os testes in vitro – tanto o pré-clínico quanto os testes clínicos. Não existe como replicar testes para novos medicamentos. Essa é uma dificuldade quando se trabalha com drogas órfãs”

O custo dessa fase (imediatamente posterior à descoberta) pode ser astronômico. Para licenciar um produto que anunciam como o primeiro dermatocosmético anti-idade com efeito comprovado, de uso tópico, à base de terapia gênica do mercado, os sócios da APTAH estão negociando, com um parceiro, um adiantamento para desenvolvimento das formulações e avaliação de segurança e eficácia clínica em seres humanos.

Esse produto nasceu da pesquisa de uma molécula ASO para tratamento de câncer. Como os testes iniciais demonstraram grande poder antioxidante, a fórmula foi refeita para derivação do cosmético. 

“Já temos alguns parceiros fazendo estudo de uma possível planta fabril, pensando em produzir o cosmético para lançá-lo no ano que vem”, diz Caio.

CONSULTORIAS DE BIOINFORMÁTICA AJUDAM A SUSTENTAR O NEGÓCIO

A expectativa da APTAH era fechar 2019 com 150 mil reais de faturamento em cima dos produtos já descobertos. Quatro já foram licenciados (para os laboratórios ICF e Equiplex). Paralelamente, a empresa presta consultoria de bioinformática — há duas em negociação no momento — para clientes com demandas específicas.

Um exemplo é o teste microbiológico para análise de produtos estéreis, que precisa ser feito para verificar possíveis contaminações antes que os medicamentos saíam do estoque do laboratório fabricante. A solução criada pela APTAH será patenteada e licenciada para que o cliente produza um kit de teste in-house. Segundo Caio:

“Hoje, a indústria perde muito tempo. Imagine que um lote de medicamento fica preso 15 dias. Você deixa de vender, ocupa espaço, aumenta a taxa de contaminação e gasta com processos e pessoas. O nosso diferencial é que detectamos DNA de patógenos e liberamos o teste em seis horas”

Outra frente de negócio é o desenvolvimento de kits de diagnóstico molecular de baixo custo para suspeita de arboviroses (dengue, zika, chikungunya e febre amarela), em parceria com a Osiris Rio, equipe de biologia sintética da UFRJ.

OS SÓCIOS SENTEM FALTA DE UM ECOSSISTEMA PARA ESSE TIPO DE PRODUTO

Recursos de prêmios, aceleração e editais de fomento ajudam a APTAH a tocar projetos próprios, cujas moléculas descobertas ainda não foram licenciadas. Esse tipo de recurso já soma 1,1 milhão de reais – 600 mil reais do edital de inovação para a Indústria do SESI/SENAI e 500 mil reais em serviços do InovAtiva Brasil

Segundo os sócios, há mais 1 milhão de reais prestes a serem liberados de dois programas: o TechD, da Associação para Promoção da Excelência do Software (Softex); e o Startup Indústria 4.0, da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). 

Mesmo assim, os sócios se queixam da falta de recursos e de um ecossistema para o desenvolvimento desse tipo de produto. O investidor privado brasileiro, dizem, resiste à ideia de esperar mais de cinco anos para ter o retorno do seu investimento. Com essa perspectiva, eles miram a internacionalização.

“Aqui [no Brasil], é raríssimo ter um VC que invista em empresas de biotecnologia em estágio pré-clínico”, diz Higor. “Também não temos quem faça o follow-on. Por isso, abrimos registro nos Estados Unidos, e estamos abrindo no Canadá e Arábia Saudita, para buscar esses tipos de recursos”.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: APTAH
  • O que faz: Desenvolve novos medicamentos e kits diagnósticos moleculares com auxílio de plataforma ágil de drug design e ferramentas de biologia computacional.
  • Sócio(s): Higor Falcão e Caio Bruno
  • Funcionários: 4
  • Sede: Goiânia
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: R$ 200 mil
  • Faturamento: R$ 150 mil (previsão para 2019)
  • Contato: [email protected]
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