Por que a gente ainda acha normal tênis dar chulé, doer no pé ou fazer barulho ao andar? E ainda por cima, ser feito de material que polui e destrói a natureza?
Cynthia Arcas Borgh se perguntava sobre essas questões. Depois de 25 anos trabalhando no setor calçadista, ela decidiu fundar a Arcas Bear Sneakers, uma marca de tênis veganos e feitos de plantas, voltada à sustentabilidade e ao consumo consciente.
A empresa nasceu de um incômodo a partir da percepção certeira do seu filho, Thomas, da necessidade de cuidarmos do planeta. Em 2016, ainda com 6 anos, ele chamou a atenção da mãe, quando Cynthia deixou o chuveiro ligado para preparar o menino para entrar no banho: “Mamãe, é muito errado você ligar o chuveiro e deixar a água ir embora. Você sabia que a água é um dos recursos mais limitados que existem no planeta?”.
A frase marcou Cynthia, que se lembra até hoje do choque que sentiu no momento do “puxão de orelha”. Na época, Thomas estava aprendendo sobre o assunto na escola e a mãe decidiu que também precisava se aprofundar no tema. Passou, então, a estudar a fundo sobre sustentabilidade.
“Comecei a sentir culpa de tudo: quantos pacotes eu abro, quantas verduras eu descasco, e isso vai para o lixo… Então, tentei ressignificar minha culpa e olhar o que eu podia transformar”
A Arcas Bear Sneakers é a materialização dessa transformação. Fundada em 2019, a empresa participa do programa de aceleração da Rede Mulher Empreendedora, foi eleita pela Revista Vogue Itália como um talento Vogue do Futuro, tem certificação da APEX (Agência Brasileira de Promoção, de Exportações e Investimentos) e foi a única marca brasileira presente na última edição da London Fashion Week.
Cynthia fez carreira na área de administração em grandes corporações como HP, Shop Tour e C&A. Foi na rede de varejo de moda que ela mergulhou no universo dos calçados:
“Comprava sapatos masculinos para o Brasil inteiro e para a Argentina. Eu adorava essa experiência criativa, de ver o que as pessoas usavam, qual era o best-seller… E a cada três meses, mudar a coleção”
Isso foi há mais de 20 anos. Naquele tempo, Cynthia não tinha consciência de que aquele sistema de fast fashion no qual estava inserida era tão nocivo ao meio ambiente.
Um dia, ela decidiu estudar design de moda no exterior. Seu sonho era Nova York, mas o namorado, hoje marido, era natural de Turim, no norte da Itália, e convenceu Cynthia a estudar moda lá. Tempo depois, já casados, eles se mudaram para a Califórnia, por conta do trabalho dele, e foi lá que Thomas nasceu.
Depois de levar o puxão de orelha do filho sobre sustentabilidade, Cynthia começou a observar a rapidez com que os tênis do menino se desgastavam com o uso. Juntando a necessidade materna e despertar de consciência ecológica, ela teve então a sacada Arcas Bear Sneakers:
“Comecei a estudar a cadeia produtiva desse mercado e, de forma muito simples e discreta, desenvolver uma linha de tênis para crianças.”
Cynthia visitou o Vale do Silício, Stanford e indústrias que já estavam mais evoluídas quando o assunto era sustentabilidade. Ela bem que tentou produzir seu MVP de sapato infantil no Brasil, mas conta que as fábricas não compraram a ideia.
Decidiu então levar o projeto para Portugal e lá conseguiu criar os primeiros modelos. Com a pandemia, no entanto, voltou ao Brasil por um tempo e, enfim, conseguiu um fabricante que topasse a sua proposta. Mas nesse ínterim, mudou o público-alvo, depois de ouvir os adultos:
“Os pais ao meu redor, tanto no Brasil quanto na Europa, falavam que eu deveria fazer um tênis na numeração deles, porque assim compensaria comprar um produto mais caro, já que as crianças perdem sapatos muito rápido porque o pé está crescendo”
Foi o que ela fez — sem desistir de futuramente voltar a olhar para o público infantil.
Hoje, a Arcas Bear Sneakers tem sede na Califórnia, mas fabrica em São Paulo. A empresa se posiciona como uma cleantech, com tênis produzidos à base de plantas (cerca de 97% da composição do produto é vegetal).
“A nossa prioridade é manter sempre a matéria-prima natural. O que não é feito com plantas, é de origem reciclada. Só no que não tem alternativa, como o poliéster da espuma, mantemos os padrões do mercado, mas é uma porcentagem mínima da composição”
O cabedal do tênis é feito de algodão reciclado, a parte interna com fibra de coco e a sola é uma mistura de borracha com borracha reciclada. A palmilha é de cortiça. Cynthia conta com 14 fornecedores de matéria-prima para chegar a essa configuração — todos foram escolhidos a dedo para manter os princípios ecológicos da marca.
A produção tem certificação de produto vegano da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) e os têxteis utilizados, da GOTS (Global Organic Textile Standard), atestando que são orgânicos e fabricados de forma ética.
Os calçados não têm classificação de gênero ou idade, o que varia é o tamanho (do 35 ao 435), a cor e os modelos (cano alto, lace up, slip on e knit).
Os materiais, diz a empreendedora, não refletem apenas a questão da sustentabilidade, mas a preocupação com a durabilidade e conforto.
“A maior parte dos tênis e sapatos de couro esquentam o pé, se você usa sem meia, e o contato direto com o material machuca; já se é feito de poliéster ou derivados, acaba dando chulé e ainda faz barulho a cada passada. Então, optei pelo algodão macio — para proteger os pés — e pela cortiça, porque absorve o suor e ainda ajuda no desenvolvimento do tato em contato com os dedos, o que melhora também o alinhamento da coluna”
De olho na sustentabilidade, a empresa conta um serviço de logística reversa, oferecendo cupons de desconto para quem devolve o par usado; e tem um programa de reflorestamento.
“A cada par vendido, duas árvores são plantadas. Não em monoculturas de eucalipto, como é feita a maior parte dos programas desse tipo. Mas em processos regenerativos, com biodiversidade. Já plantamos no interior de São Paulo, nos Estados Unidos e na Ásia”. Segundo Cynthia, essas ações ocorrem em parceria com a One Tree Planted.
Criar uma marca do zero em um setor dominado por homens e grandes nomes estabelecidos não foi fácil.
“Tem muito preconceito automático, inconsciente. Além disso, quando se pensa em sapato, logo vêm na cabeça marcas conhecidas e estabelecidas, não o produto em si. Então, pega bastante essa parte de construção de uma marca, mas eu estou gostando de cuidar disso.”
Hoje, a Arcas Bear Sneakers vende online, pelo seu site, mas o plano é crescer e ter os produtos em lojas físicas. A empresa já exportou para Itália, Estados Unidos, Japão e Noruega, mas seu principal mercado é o Brasil. O sonho de Cynthia (que hoje vive entre Estados Unidos, Itália e Brasil) é ter uma loja própria:
“Se eu tivesse todo o dinheiro do mundo, faria um lugar bem disruptivo. Porque loja de sapato, geralmente, é muito cansativa… Quero trazer uma experiência diferente, mas esse é um plano super futuro”
Outro projeto, mas esse de curto prazo, é lançar um livro infantil. A obra já está pronta e deve ser publicada ainda este ano. Adivinha o tema? “A sustentabilidade sempre foi tratada como algo muito científico, mas é um assunto que precisa ser sentido com o coração, antes da razão. Quero que as crianças aprendam isso desde cedo.”
Conectar cadeias produtivas com respeito à natureza para gerar impacto por meio de um tênis descolado: fundada por Sébastien Kopp e François-Ghislain Morillion, a Veja produz milhões de pares no Brasil e exporta para uma centena de países.
Luiz Gustavo Rosa foi sócio de diversos negócios, até pegar gosto pelo empreendedorismo de impacto. Ele está à frente da Tairú, que cria tênis, roupas e acessórios com matéria-prima vegana e práticas sustentáveis.
No doutorado, o oceanógrafo Bruno Libardoni se viu questionando a falta de alcance das pesquisas acadêmicas. Ele empreendeu então a Infinito Mare, que monitora a poluição aquática enquanto oferece uma solução de marketing ESG para empresas.