Do ovo caipira nasceu uma startup: a Raiar Orgânicos quer mostrar que a produção de proteínas pode ser cada vez mais sustentável

Maisa Infante - 13 jun 2023
Da esq. à dir.: Leandro Almeida, Marcus Menoita e Luís Barbieri, os fundadores da Raiar Orgânicos.
Maisa Infante - 13 jun 2023
COMPARTILHE

Quem já quebrou um ovo podre na cozinha não esquece jamais aquele cheiro desagradável (e se você nunca quebrou, sorte sua).

A existência de ovos podres no mercado é resultado da falta de gestão de qualidade na indústria. É o que diz Luís Barbieri, sócio-fundador da Raiar Orgânicos ao lado de Marcus Menoita e Leandro Almeida. A empresa se propõe a ajudar a resolver esse problema atuando em todos os elos da cadeia – desde a produção dos grãos que alimentam as galinhas até a entrega do ovo na casa do consumidor. 

“O ovo podre é sintoma de uma cadeia desestruturada. Com a Raiar, resolvemos desbravar esse caminho com um padrão de gestão, governança e tecnologia muito únicos. E acho que vamos gerar dados concretos de que é possível”

O trio de sócios veio do mercado tradicional de grãos. Luís ficou por 16 anos na Louis Dreyfus; Marcus é fundador da NovaAgri, onde Leandro foi diretor de operações por uma década. 

A ideia da Raiar Orgânicos surgiu em 2017, quando os três perceberam algumas transformações no setor. Entre elas, um consumidor mais exigente com relação à qualidade e origem dos alimentos; a agricultura tradicional de olho em tecnologias mais sustentáveis; e o bem-estar animal cada vez mais no centro das atenções. 

Olhando para isso, decidiram produzir proteínas orgânicas em um sistema que preza pela agricultura regenerativa e pelo bem-estar animal. 

Entre a ideia e o primeiro ovo chegar ao mercado, em 2022, foram cinco anos. Hoje, a Raiar está em 700 pontos de venda, incluindo os principais varejistas. Também vende para o setor de food service e no digital, incluindo o próprio site, onde é possível fazer uma assinatura para receber ovos semanalmente em casa.

GALINHAS FELIZES VOAM MAIS ALTO? AS AVES TÊM LIVRE ACESSO AO PASTO E SÃO ESTIMULADAS A SE MOVIMENTAR

A Raiar se posiciona como uma empresa de proteínas orgânicas. Carne bovina, porco e grãos estão no radar, mas, neste momento, o produto que ela comercializa é o ovo caipira orgânico produzido em uma fazenda de 170 hectares em Avaré, no interior de São Paulo. 

A decisão de começar pelo ovo veio porque, além de ser um alimento cujo consumo vem aumentando, integra um setor que será fortemente impactado pelas mudanças que o varejo está implementando para cumprir suas metas de sustentabilidade. 

“Noventa e cinco por cento do ovo brasileiro é produzido na gaiola, mas terá que deixar de ser porque os principais varejistas brasileiros têm o compromisso de não comprar ovo de gaiola em determinado momento. Então isso é um motor de transformação desse setor”

Na Raiar, as galinhas são criadas em aviários onde possuem livre acesso ao pasto, aos ninhos, à comida e à água. Nos quatro primeiros meses de vida elas ficam na área de recria, um galpão onde há um equipamento (trazido da Holanda) chamado Jump Start, com vários níveis onde são colocadas água e comida. 

Assim, as galinhas são estimuladas a se movimentar, pular, subir e voar, em um treinamento para a vida livre: 

“Nossa experiência já mostrou que com esse tratamento ela voa mais alto que as outras”, diz Luís. “A cerca do primeiro pasto foi feita na altura referência do setor e, no segundo aviário, tivemos que fazer uma cerca mais alta.”

Por não serem criadas confinadas, as galinhas não têm o bico cortado (procedimento comum na produção tradicional para evitar o canibalismo) e não usam antibióticos. Os tratamentos necessários são feitos de forma homeopática. A ração utilizada é fabricada na própria fazenda, com milho e soja orgânicos.

“Estamos chegando a dois anos de criação de galinhas com indicadores de produção muito satisfatórios”, diz Luís. “Nossos primeiros resultados mostram que os índices de produtividade, mortalidade e conversão estão iguais ou melhores do que o de aves criadas em gaiola.”

ANTES DE TUDO VÊM OS GRÃOS: A RAIAR FOMENTA PRODUTORES ORGÂNICOS DE SOJA E MILHO PARA ALIMENTAR BEM SUAS GALINHAS

O trabalho da Raiar para produzir ovos caipiras orgânicos começa antes da porteira. Segundo Luis, a galinha é ultra sensível à qualidade da comida, que pode fazer a produtividade cair de 90% para 70%. E para ter alimento de qualidade e orgânico é preciso ter grãos de qualidade e orgânicos, algo ainda em falta no mercado. 

Para resolver essa questão, antes de começar a criar galinhas a Raiar começou a fomentar a produção orgânica de soja e milho, oferecendo ao pequeno e médio produtor a possibilidade de adotar o sistema orgânico com todas as conveniências que ele encontra no convencional. 

Isso inclui assistência técnica, garantia de precificação dos grãos mais um prêmio de 30%, além de ajuda na certificação, na compra de insumos e com a infraestrutura logística. Na fazenda de Avaré, foram construídos silos para receber os grãos orgânicos, padronizá-los, secá-los e armazená-los. 

Segundo Luís, a agricultura regenerativa orgânica “é o futuro da agricultura, porque a tecnologia está indo pra lá”: 

“É uma agricultura resiliente do ponto de vista climático porque o solo vivo retém muita água, então aguenta períodos de volatilidade climática. Queremos mostrar que é possível, é viável e é rentável, mas é uma mudança de padrão tecnológico”

Até agora, 70 produtores são parceiros da Raiar. Mais da metade deles não eram orgânicos e a Raiar ajudou na transformação. 

Os grãos comprados desses produtores são transformados na ração utilizada para alimentar as galinhas que, desde abril deste ano, também é vendida para o mercado. A expectativa é produzir 5 mil toneladas até o final de 2023, mas a capacidade da fábrica é bem maior, para 70 mil toneladas.

“Apostamos que a qualidade da nossa ração vai trazer grande produtividade para esse pequeno produtor de ovo orgânico, que costuma comprar o milho e armazenar na fazenda em um big bag de uma tonelada, com grande risco de mofar”, diz Luis.

A EMPRESA ARTICULA PARCERIAS PARA TRANSFORMAR PASTOS DEGRADADOS EM ÁREAS DE AGRICULTURA REGENERATIVA ORGÂNICA

Um dos desafios do fomento à produção orgânica de grãos é melhorar a produtividade dos agricultores, além de trazer novos players para o sistema. Afinal, os grãos são fundamentais para que a Raiar possa crescer. 

CEO da Raiar, além de cofundador, Marcus resume:

“No final do dia o nosso negócio é fazer a conversão de milho em ovo. Oitenta por cento do custo do ovo é milho e farelo de soja, então o jogo está em ter qualidade e quantidade suficiente para podermos crescer”

Para isso, a Raiar também aposta em parcerias para recuperar áreas degradadas. Além de fomentar produtores, esse modelo se traduz em benefício climático:

“Setenta por cento das emissões brasileiras estão relacionadas ao uso do solo. E as pastagens degradadas são um grande emissor”, diz Luís. “A partir da nossa necessidade de ter grãos orgânicos, encontramos uma oportunidade de criar outro benefício para esse ecossistema e atrair o capital que tem essa missão.”

Os primeiros parceiros são a Rabo Foundation, que entrou com um capital de 700 mil reais, e a Suzano Papel e Celulose, que investiu outros 60 mil reais. O papel da Raiar nesse arranjo é articular os recursos com planejamento, coordenação e assistência técnica. São parcerias que estão no começo, ainda sem resultados práticos. 

Ao todo, os dois projetos atuam com 48 produtores em São Paulo e Paraná e a ideia é fazer um próximo movimento que pode chegar a 20 milhões de reais para a conversão de pastos degradados em agricultura regenerativa orgânica. 

COM UMA PRODUÇÃO DIÁRIA DE 70 MIL OVOS, A RAIAR PLANEJA CHEGAR AO FIM DE 2023 FATURANDO 25 MILHÕES DE REAIS

Com a visão clara de que toda a cadeia de proteínas orgânicas deve ganhar impulso nos próximos anos, os sócios da Raiar decidiram começar o negócio apenas com ovo, crescendo a produção de forma gradativa. 

A estratégia foi construir uma estrutura robusta, capaz de atender toda a capacidade da empresa, porém com algumas áreas modulares, que vão sendo implementadas aos poucos, conforme a necessidade. 

Hoje, a Raiar tem 120 mil galinhas e uma produção de 70 mil ovos por dia, mas a capacidade é para 700 mil aves, número que deve ser atingido até 2028. A estrutura é composta pelo galpão da recria, aviários de produção, sala de ovos, silos para grãos e fábrica de ração. 

A sala de ovos, os silos e a fábrica de ração estão prontos para atender a capacidade máxima da fazenda. Já a recria e os aviários são modulares. Hoje, existe uma recria, onde estão 40 mil aves e cinco aviários prontos, além de quatro em construção. Marcus afirma:

“Nossa estratégia foi fazer tudo que era muito crítico na largada. Então, estamos prontos para voar. Conseguimos crescer tão rápido quanto o mercado nos aceitar e conseguirmos as equações de capital necessárias. Está tudo pavimentado, planejado e pronto, sem improvisos, para chegar nessas 700 mil aves”

Ainda sem prazo para recuperar o investimento de 57 milhões de reais captados com 31 investidores, a Raiar espera faturar 25 milhões de reais em 2023. 

“Não sabemos quando vamos recuperar esse recurso, porque estamos em período de reinvestimento para continuar a crescer”, diz Luís. “Mas ficamos felizes de ver que quem começou com a gente quando a ideia era um PowerPoint seguiu fazendo aumentos de capital, depois que o PowerPoint foi virando realidade.”

 

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Raiar Orgânicos
  • O que faz: Proteínas orgânicas
  • Sócio(s): Luís Barbieri, Marcus Menoita e Leandro Almeida
  • Funcionários: 92
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2020
  • Investimento inicial: R$ 57 milhões
  • Faturamento: R$ 25 milhões (previsão para 2023)
  • Contato: [email protected]
COMPARTILHE

Confira Também: