Ela cancelou uma reunião para cuidar da filha com febre, e foi criticada. Hoje, ajuda outras mulheres a equilibrar maternidade e trabalho

Cláudia Pappacena - 11 nov 2022
Cláudia Pappacena, fundadora e CEO da Mãe Freela.
Cláudia Pappacena - 11 nov 2022
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Desde pequena, já era empreendedora e arriscava produzir e vender meus artesanatos. Aprendi a produzir com a minha mãe e minhas avós, que me ajudavam nas vendas.

Já adulta, mas ainda antes de ser mãe, havia tentado empreender algumas vezes, em paralelo aos meus empregos como analista de sistemas. 

Tive loja online de camisetas geek, consultoria de estilo e até alguns aplicativos, como uma rede social de moda e beleza e um app para match entre pessoas, “estilo Tinder”. Mas meus negócios não deram muito certo…

Muitas vezes, me faltou conhecimento para empreender, e lá ia eu correr atrás de aprender. Outras, o que me faltou foi maturidade, experiência de vida.

Eu também não tinha o principal: um problema para resolver que realmente me envolvesse — e para o qual eu visse sentido em me entregar. Além disso, sempre tive interesse por muitas áreas, o que me fazia sentir constantemente perdida

Em busca de tentar me achar, fiz algumas sessões de coaching e mergulhei profundamente num processo de autoconhecimento.

Em uma das sessões, minha coach me perguntou como me via no futuro. Respondi que me visualizava em uma capa de revista como uma empresária de sucesso e uma filha no colo. Talvez esse tenha sido um prenúncio do que seria a Mãe Freela

UM ANO E MEIO DEPOIS DO NASCIMENTO DA MINHA FILHA, VOLTEI A TRABALHAR — MAS VI MINHA DEDICAÇÃO SER QUESTIONADA

Penso que tive dois grandes momentos de transformação nos últimos cinco anos: o nascimento da minha filha e, depois, a fundação da Mãe Freela. Foram dois grandes choques que fizeram meu coração dar uma parada e voltar batendo renovado.

Depois que Elena nasceu, passei um longo período dedicada exclusivamente a ela. Quando voltei a trabalhar, minha filha estava com 1 ano e meio, e eu me sentia muito feliz em poder colocar em prática, de novo, meus conhecimentos e minhas ideias.

E mesmo com toda a dificuldade em dormir (pouco), amamentar, cuidar da criança, da casa, da comida…, o fato de trabalhar me dava um ânimo surreal

Sempre gostei muito de trabalhar. E, apesar da minha pausa para a maternidade ter sido super consciente – algo que fiz por querer mesmo –, tinha chegado um momento da minha vida que não suportava mais ficar em casa parada.

Então, quando passou a oportunidade de voltar ao mercado, eu a agarrei com todas as forças. Comecei a atuar numa pequena consultoria de software como Business Developer. 

Em um desses dias, tinha uma reunião marcada com uma cliente, mas quando acordei, vi que minha filha estava com 39 graus de febre. Na mesma hora, avisei que precisava adiar o encontro.

Um tempinho depois, essa mesma cliente disse a um dos sócios da empresa que “estava insegura comigo lidando com o projeto dela”, e que por conta de ter uma filha pequena “talvez eu pudesse deixá-la na mão”…

Nossa! Fiquei arrasada quando soube do ocorrido. Detalhe: a cliente era mãe e avó de uma criança pequena.

Para algumas pessoas pode parecer que foi só um comentário de alguém querendo garantir que o que ela contratou seria cumprido. Para mim, porém, aquilo caiu como uma sentença de que agora que eu era mãe trabalhar “não servia mais para mim”.

Logo pensei: se uma mãe teve esse tipo de atitude, o que devo esperar dos clientes que não passaram pelo mesmo?

COMO AJUDAR MÃES QUE OPTAM POR SER FREELANCERS A CONSEGUIREM OPORTUNIDADES NO MERCADO DE TRABALHO

Não passou muito tempo, logo entrou a pandemia e eu parei de atuar profissionalmente mais uma vez.

Em um ambiente de total incerteza, achamos melhor que meu marido se dedicasse exclusivamente ao trabalho, enquanto eu voltava a cuidar da nossa filha e da casa.

Não vou mentir: apesar de ter sido uma decisão acordada, mergulhei em momentos de profunda tristeza pela sobrecarga mental e física em estar fazendo o que não queria 

Ainda por cima, ninguém tinha ideia de quando aquela fase chegaria ao fim…

O tempo passou, e fomos adaptando a rotina como dava. Quando chegou o momento de Elena voltar à escola, eu já planejava também o meu retorno ao trabalho.

Mas me assombrava muito a situação de ter uma filha pequena em casa, sem rede de apoio… E a possibilidade de eu não conseguir cumprir com as minhas entregas e parecer “pouco profissional”, sendo interrompida por uma criança o tempo todo.

A sensação é de que o fracasso seria certo. Acho que toda mãe que estiver lendo isso já deve ter sentido alguma vez essa angústia

Diante disso, fui pesquisar o mercado e entender como outras mães estavam agindo. Descobri que muitas optavam pelo trabalho freelancer para ter mais flexibilidade e conciliar melhor a carreira e a maternidade. 

Vi também que elas enfrentavam uma grande dificuldade para conseguir clientes, e careciam de conhecimentos para escrever propostas comerciais, precificar seus serviços, criar portfólios etc. 

Imagine que uma grande parte dessas mães nunca havia trabalhado como autônoma ou até mesmo no ambiente digital…

Foi nessa situação que enxerguei uma oportunidade e criei a Mãe Freela, uma plataforma que facilita a conexão dessas mães com contratantes, ao ajudá-las a montar um perfil profissional e a enviar propostas comerciais

Aproveitei toda minha experiência de trabalho com gerência de projetos de software e com a área comercial para criar e lançar um MVP.

Consegui transformar a minha dificuldade em retornar ao mercado de trabalho em oportunidade e acolhimento para outras mães como eu.

A MÃE FREELA É FRUTO DA PANDEMIA, MOMENTO EM QUE OS DEBATES SOBRE QUESTÕES MATERNAS E CUIDADO GANHARAM DESTAQUE

Já como empreendedora, tocando a Mãe Freela, a forma que consegui me organizar tem sido trabalhar e focar ao máximo nos momentos em que minha filha está na escola. Nos demais, sigo com os outros afazeres.

Tenho investido em me conectar às pessoas, principalmente às mulheres. Isso tem sido uma das minhas principais tarefas, porque acredito muito no poder da troca de conhecimentos e experiências. Recomendo para todo mundo

Desde o início, tem sido importante, para mim e para o negócio, participar de programas de aceleração. Uma oportunidade crucial para ampliar meu networking, adquirir conhecimentos valiosos e divulgar a empresa.

Busquei programas focados em mulheres e negócios de impacto social. Foi onde me vi acolhida, me descobri potente, conheci outras realidades e fortaleci meu feminismo.

Tudo isso foi muito importante e fez sentido para a Mãe Freela, que nasceu na pandemia, uma situação extrema que trouxe para o debate questões maternas, de carga mental e a dura realidade de quem cuida. 

Não só isso, mas a nossa saúde mental e os nossos  limites profissionais e pessoais tornaram-se pauta.

Passamos a perceber o ser humano como único, independente do ambiente, e a entender que qualquer um pode precisar de um momento de pausa por questões de saúde, maternidade/paternidade, cuidado com um familiar… e que nem todo dia estamos superprodutivos

À medida que essas conversas vêm à tona, as pessoas se conscientizam e cobram mais empatia de seus líderes, clientes e empresas.

UM SONHO POR VEZ, VOU CHEGANDO AONDE QUERO. QUEM SABE UM DIA AINDA SOU CAPA DE REVISTA!

Ainda estou me adaptando às funções de estar a frente de um negócio e ser mãe, me desdobrando em mil para continuar impactando as profissionais, correndo atrás de gerar dinheiro com a Mãe Freela, ao mesmo tempo em que também busco desenvolver habilidades que me faltam.

Um desafio “horroroso” para mim é falar em público e mostrar minha cara em vídeos. Tenho problemas para me expor. Isso me causa muita ansiedade e me tira muita energia. 

Mas como agora estou à frente de um negócio novo, com um ano e meio de vida, inevitavelmente preciso contar a nossa história. Preciso me mostrar para que as pessoas se conectem comigo. Então, aos poucos, tenho tentado superar esses medos.

Apesar das dificuldades que tenho, sei que sou muito privilegiada. Aprendi que posso usar esse privilégio para melhorar a vida de outras mulheres e, consequentemente, colaborar para construir uma sociedade mais justa e inclusiva.

Hoje, mais de 1 200 mães fazem parte de nossa rede. Finalmente posso dizer que me apaixonei pelos problemas que estou tentando resolver — e que tudo faz muito mais sentido agora para mim

Aos poucos, vamos colhendo os frutos do que foi plantado. Já conquistamos um prêmio pelo melhor pitch eleito por uma das bancas no DemoDay da aceleração da B2Mamy em abril. E, em setembro, chegamos ao Top10 da categoria Impacto Social do Startup Awards.

Agora, só falta conquistar aquele velho sonho: sair na capa de uma revista como empresária de sucesso e com a minha filha no colo!

 

Cláudia Pappacena, 38, é mãe da Elena e fundadora e CEO da Mãe Freela. Formada em Análise de Sistemas e pós-graduada em Design Estratégico e BI, tem 12 anos de experiência em projetos de software.

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