Há cinco anos, grávida dos gêmeos Hugo e Murilo, Milene Peres Guerson Medeiros Schuery teve dificuldade em encontrar uma plataforma que correspondesse ao que ela queria no momento de organizar o chá de bebê.
Basicamente, a ideia de Milene era poder interagir com os convidados por meio de um site que proporcionasse esse contato, principalmente com parentes e amigos distantes, que não poderiam estar no evento presencial. Não bastava ser um intermédio para montar a lista de presentes.
“Na época não encontrei no mercado aquilo que eu demandava, então, pensei que seria bom ter uma empresa que não dependesse de estoque de produtos e de aumentar minha estrutura proporcionalmente à escala do negócio”
Com o incentivo do marido, João Moreira Schuery, Milene resolveu colocar o conceito em prática. Nascia assim o iFraldas. A plataforma online tem foco na organização de eventos relacionados à maternidade, como chá de bebê.
É um negócio em família: João, o marido, e Michelle Guerson, irmã de Milene, completam o trio de fundadores. Os demais sócios — Wilson Nogueira, Carlos Eduardo Spineli e Rogério Mourão — são amigos deles há mais de dez anos.
A mineira Milene tem 40 anos. Filha de juiz e com vários advogados na família, ela cresceu incentivada a cursar direito e a prestar concurso público como (suposta) garantia de um bom emprego.
Formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Milene trabalhou por dez anos na Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Depois, ingressou no mestrado e, em paralelo, passou num concurso e conquistou seu emprego na Ebserh, empresa pública federal que presta serviço para hospitais universitários.
Ainda assim, sentia que faltava algo.
“Acabei gostando do direito, mas [trabalhar na área] nunca foi uma decisão 100% minha… Mesmo com histórico no serviço público, nunca me encontrei, porque achava tudo muito burocrático”
A satisfação profissional parecia uma objetivo quase impossível.
“Ficava mordida quando alguém falava: ‘amo tanto meu trabalho, que parece até que nem estou trabalhando’. Comigo não era assim.”
Esse sentimento de frustração só começaria a mudar com a criação do iFraldas.
O primeiro passo para tirar a ideia do papel foi contratar uma agência (a Tripé Criação) encarregada de desenvolver o projeto do site. O investimento inicial na operação foi de 40 mil reais.
Demorou cerca de um ano para colocar no ar e, até 2020, Milene se dividia entre cuidar dos ajustes necessários na plataforma e tocar o trabalho formal na Ebserh. Naquele ano, porém, resolveu pedir exoneração, já que o iFraldas estava pronto para receber os primeiros clientes.
Basicamente, as gestantes se cadastravam, escolhiam entre as opções de serviço disponíveis – chá de bebê, chá revelação e chá rifa – e montavam uma lista dos presentes que gostariam de ganhar.
O pulo do gato é que, em vez de receber os presentes físicos, as mães recebiam, por meio do iFraldas, o dinheiro obtido com as transações feitas pelos convidados no site. A partir de então, podiam comprar o que quisessem com o valor arrecadado.
“A gente defende muito a ideia de que a pessoa vai poder utilizar o dinheiro para comprar o que ela quiser e o que precisar, evitando desperdícios e, também, o desgaste para o convidado de se deslocar até à loja para escolher o presente”
Além de personalizar o convite para o evento, pelo iFraldas também é possível escolher um template e personalizar um blog próprio do chá de bebê, na qual os participantes podem deixar mensagens para as grávidas.
A CHEGADA DA COVID-19 INTENSIFICOU OS ACESSOS AO SITE E ALÇOU O IFRALDAS AO PAPEL DE INTERMEDIAR ENCONTROS ONLINE
Em março de 2020, o início da pandemia de Covid-19 impôs o isolamento social, o que automaticamente mudou a configuração dos encontros em geral – e impulsionou o conceito de evento online.
Além de ganhar mais acessos, o iFraldas viu a interação entre os convidados se fortalecer. “Passamos a ser intermediadores das pessoas que não estavam podendo se encontrar”, diz Milene.
Ela dá o exemplo de um feedback recebido:
“Teve uma mãe que recebeu o recado da tia de Fortaleza que não poderia estar presente se o chá de bebê fosse presencial… Essa tia pôde acompanhar, pelo blog [do iFraldas], desde o ultrassom, o primeiro sapatinho que a criança recebeu, até a escolha do nome”
Esses feedbacks são uma das partes gostosas do trabalho. Milene destaca o depoimento de outro cliente, Gutierrez Jatai, que a emocionou:
“Ele escreveu que ‘não é sobre fraldas, é sobre construir pontes para que os melhores momentos da vida sejam compartilhados’.”
Atualmente, o iFraldas tem uma equipe própria com programadores de back-end e front-end para oferecer um suporte de TI, afinal, trata-se de uma plataforma SaaS (Software as a Service).
A principal fonte de receita do iFraldas é o valor obtido a partir do percentual de 7,99% sobre os “produtos” (simbólicos, já que serão convertidos em dinheiro) da lista de presentes.
No iFraldas, os clientes criam listas de presente para o chá de bebê, mas recebem o valor líquido em vez dos itens.
Funciona assim: a gestante insere um item que gostaria de ganhar, no valor de 19 reais. Esta é a quantia líquida que será depositada na conta bancária da futura mãe, mas o convidado pagará R$ 21,34 pela transação (e a diferença ficará com a startup).
Outra fonte de receita é sobre quem prefere pagar parcelado. A plataforma tem uma parceria com a fintech Stone pela qual consegue antecipar o resgate do dinheiro, mesmo quando o convidado faz uma compra dividida em até 12 vezes no cartão de crédito.
Neste caso, a grávida pode solicitar o recebimento automático do valor, mas terá um percentual descontado do saldo a receber pela antecipação do pagamento (e o resultado desse percentual aplicado fica com o iFraldas).
Há, ainda, um valor fixo (R$ 29,90) cobrado uma única vez de quem deseja utilizar os recursos premium da plataforma para personalizar ainda mais o blog do chá de bebê.
“As pessoas querem guardar a página virtual como recordação, então deixa de ser apenas uma ferramenta para ganhar presente.”
A rigor, sites utilizados para organizar eventos não são algo novo no mercado, a exemplo das já tradicionais plataformas para casamento.
A chave, no caso do iFraldas, é o fato de a empresa ser focada especificamente nas atrações ligadas à gestação. Milene explica:
“A gente acredita justamente na especialização do tipo de evento que quer proporcionar. Sabemos que daria para oferecer desde chá de bebê até aniversário, formatura etc., mas aí [o negócio] acabaria ficando sem personalidade”
O foco no universo da maternidade tem estimulado a captação de novos clientes online. Em 2022, o iFraldas se consolidou como a plataforma mais buscada no Google na comparação com outros sites do mesmo segmento.
Ser uma mulher à frente de um produto de tecnologia desse gênero é um diferencial do iFraldas, diz Milene. Outro seria o que ela chama de “suporte humanizado”, com atendimento feito “por profissionais comprometidos com a satisfação do cliente”.
A permanência dos eventos online, mesmo após o pico da Covid-19, é um dos fatores que vem impulsionando, segundo Milene, a projeção do negócio.
Mesmo com a retomada dos encontros presenciais diante dos índices mais baixos de contaminação pelo coronavírus, o uso de plataformas para o trabalho remoto e as interações virtuais (sem falar do e-commerce) persiste.
No caso do público alvo do iFraldas, essa opção tem uma razão clara:
“As grávidas estão demorando mais a voltar ao presencial – afinal, elas estão formando uma vida e precisam tomar mais cuidado. Com isso, as pessoas estão entendendo que a nossa vantagem não é só a praticidade, mas o fato de oferecer um espacinho online para compartilhar cada detalhe da gestação”
Em 2021, a empresa faturou 500 mil reais – e espera, no mínimo, dobrar esse faturamento em 2022. No momento, Milene e sua equipe fazem pesquisas para fortalecer a internacionalização do negócio.
A plataforma tem clientes em mais de 20 países e pretende levar sua marca cada vez mais longe. Para isso, porém, é importante mirar mercados onde o costume do chá de bebê seja uma realidade.
“Já descobrimos que em alguns países como Portugal, por exemplo, esse tipo de evento não é tão comum – então, apesar de falarmos a mesma língua, o que poderia ser uma facilidade, para nós acaba se tornando um desafio.”
Lembra de quando Milene duvidava sempre que alguém dizia amar o próprio trabalho? Agora ela entende a sensação.
Na ocasião da entrevista para o Draft, a empreendedora vivia uma rotina profissional intensa. Mas aquela frustração de não ver propósito no que fazia (enquanto funcionária pública) ficou no passado.
“Agora minha vida é assim: fui dormir à 1h da manhã porque estava ensaiando roteiro para gravar um vídeo, feliz da vida! Acordei cedo, ensaiei, fiz o vídeo, almocei, fiz uma reunião e estou aqui [na entrevista]. Ninguém vai me ver abrindo a boca para reclamar de nada, porque quando você acredita no que faz, a vontade vai além do cansaço”
Por falar em propósito, há um viés de negócio social. Trata-se de um chá beneficente promovido pela plataforma, cujo valor arrecadado é doado para um instituto de Juiz de Fora, revertido para mães em situação de vulnerabilidade.
Perguntada sobre como a maternidade a estimulou a empreender, Milene explica o potencial “realizador” de ser mãe:
“Quando você se torna mãe, seu tempo é preenchido e você tem que encontrar caminhos para tornar as coisas possíveis. O filho te consome a atenção, então, com o tempo que te sobra, você quer ‘realizar tudo’. O iFraldas tem me dado mais autoconfiança enquanto mulher empreendedora.”
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