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Elas trabalhavam em uma grande varejista de moda. Agora tocam a sua própria marca de camisetas feitas com algodão agroecológico

Maisa Infante - 1 set 2025
Da esq. à dir: Fernanda Covos, Lita Victorino e Bruna Coimbra, sócias da Orgâniccas (crédito: Luiz Macedo).
Maisa Infante - 1 set 2025
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A história de uma camiseta não começa no cabide da loja ou na máquina de costura. Começa no campo, onde alguém planta o algodão que será transformado em fio. 

Isso, claro, falando de camisetas de algodão, e não de outros tecidos, como poliéster – que é plástico. 

É essa ligação da roupa com a agricultura que move o trabalho da Orgâniccas, marca de moda regenerativa que surgiu há dois anos em Pipa, cidade turística do Rio Grande do Norte famosa por suas dunas. 

Fundada por Fernanda Covos, 33, Bruna Coimbra, 35, e Lita Victorino, 38, a marca se propõe a produzir apenas peças feitas com algodão orgânico vindo da agricultura familiar nordestina. Fernanda afirma.

“A Orgâniccas nasceu com o objetivo de aproximar os clientes do agricultor, de juntar esses elos, mostrar que moda é agricultura e, em vez de ser uma indústria de alto impacto negativo, pode ser de grande impacto positivo através da agricultura regenerativa” 

Parece um negócio nichado? Sim. E bastante. Mas, segundo a empreendedora, é uma escolha consciente – e sem volta.

A SEMENTE DA ORGÂNICCAS SURGIU QUANDO ELA SE DEU CONTA DOS EFEITOS NOCIVOS DA INDÚSTRIA DA MODA

A escolha desse caminho surgiu quando Fernanda, que trabalhou como estilista em grandes varejistas de moda como Marisa e Caedu, foi transferida pela Riachuelo – junto com todo time de estilo – para dentro da fábrica em Natal, no Rio Grande do Norte. 

Ali, onde as roupas são produzidas, ela começou a entender o tamanho do impacto da indústria da moda nas pessoas e no planeta:

“Vi muitas amigas ficarem doentes, com ansiedade, crise de pânico e burnout. E me dei conta de que é uma carreira com prazo de validade curto. Você não vê muitos estilistas com mais de 40 anos porque as empresas trocam por mão de obra mais jovem e barata” 

Ao mesmo tempo, conta, ela foi se dando conta dos impactos dessa indústria no meio ambiente, a começar pela quantidade de resíduo gerada. “Percebi que aquilo não estava acabando só com a minha saúde, mas também com a saúde do planeta.”

Quando essa ficha caiu, Fernanda decidiu que mudaria de carreira e começou a experimentar novos conhecimentos.

Camiseta da coleção Sertão Arado (foto: Aniela Evangelista).

O primeiro deles foi um curso de permacultura (conceito criado na década de 1970, que significa ter um ambiente que seja sustentável e resiliente do ponto de vista humano, natural e social), que por sua vez levou Fernanda a estudar agroecologia e agricultura regenerativa. 

Naquele primeiro momento, a ideia dela era trabalhar produzindo alimentos de forma mais sustentável. Até que Fernanda entendeu a conexão entre a moda e a agricultura por meio do plantio do algodão (cultura forte no Nordeste) e da agroecologia — pela qual o algodão divide a terra com outras espécies como milho, feijão e abóbora.

Quando, em 2020, ela deixou a Riachuelo e se mudou de Natal para Pipa, seguiu estudando agroecologia e regeneração e descobriu a Farfarm, consultoria que ajuda marcas de moda a montar suas próprias cadeias produtivas.

“Ali foi onde eu aprendi muito sobre agroecologia, agrofloresta e pude viajar para visitar agricultores”

Fernanda, aliás, segue trabalhando até hoje na Farfarm, como coordenadora de projetos. Entre os clientes da empresa estão a Renner e a marca de tênis franco-brasileira Veja

NÃO BASTA USAR ALGODÃO ORGÂNICO, É PRECISO IMPACTAR A CADEIA INTEIRA

Com dois anos de mercado, a Orgâniccas não compra a matéria-prima diretamente dos produtores, até porque isso encareceria demais o processo. 

Por meio dos arranjos produtivos do Nordeste, como o Instituto Casaca de Couro, elas chegaram nas tecelagens que comercializam o produto final (tecido) feito com o algodão agroecológico nordestino. É destes fornecedores que elas adquirem a principal matéria-prima empregada na produção das camisetas.

Coleção Direto da Horta (crédito: Josefina Banfi).

Fazer esse caminho foi importante porque elas não queriam – e não querem – usar o algodão orgânico vindo da monocultura.

“Uma coisa que aprendi na FarFarm é que o impacto positivo não pode ser só na matéria-prima, como por exemplo usar um algodão reciclado”, diz Fernanda. “Você precisa ter impacto positivo na cadeia.”

Esse entendimento foi colocado em prática na hora de empreender a Orgâniccas: 

“Por isso o algodão da monocultura não é viável pra gente. Ele é menos impactante negativamente pra natureza, mas continua não sendo produzido de maneira regenerativa e não tem muitas pessoas envolvidas no plantio, porque é tudo mecanizado. Então, fomos para esse caminho da agricultura familiar e da agroecologia”

Um dos cuidados da Orgâniccas é o de manter uma relação próxima com todos os elos da cadeia, incluindo os fabricantes – até para que elas possam ser avisadas sobre eventuais mudanças de rota que afetem o propósito da marca de forma consistente. 

“Se não acompanhar a cadeia, você se perde e pode ser passado para trás. Já aconteceu de fornecedores que compravam desses agricultores não renovarem os contratos para importar o fio orgânico. Se você não não tem um bom relacionamento, não cria vínculos e [não] explica que o seu negócio não é só o algodão orgânico, mas o algodão nordestino de agricultura familiar, pode vender [sem querer] uma coisa errada para o cliente.”

SÃO OS EDITAIS QUE FINANCIAM A PRODUÇÃO DAS COLEÇÕES

Sem receber financiamentos e sem aporte de recursos das sócias-fundadoras, a Orgâniccas financia a produção com o recurso de editais focados em empresas regenerativas, principalmente do Sebrae Rio Grande Norte. 

“Esses editais nos permitem usar o recurso da forma como melhor entendermos e não necessariamente para fazer um projeto”, explica Fernanda. E complementa: 

“Conforme vamos conseguindo os recursos dos editais, a gente vai não só dando manutenção na empresa como um todo, mas abrindo novas portas. Agora, por exemplo, quero tirar do papel o projeto de fazer calcinhas de algodão orgânico com com a sobra dos tecidos das camisetas”

A criação das coleções é feita pelas sócias, mas a produção das roupas é terceirizada. Diferentemente do mercado tradicional, elas não seguem tendências e buscam criações que tenham conexão com o propósito da marca. Os preços variam entre 150 e 300 reais.

A primeira coleção, Solarpunk, foi feita para o lançamento de um disco do marido de Fernanda, que é músico. Com 13 mil reais vindos de um edital, ela criou e desenvolveu as peças. Esse é considerado o investimento inicial na empresa.

“Até então, eu não tinha o objetivo de fazer uma marca. Na verdade, nunca tive esse sonho de ter a minha própria marca, mas acabou que consegui o recurso, fiz as camisetas do show, vi que teve sucesso e falei: ‘Acho que isso aqui pode pode funcionar’. Então, acabei chamando duas amigas que trabalhavam comigo na Riachuelo”

A segunda coleção, Sertão Arado, é uma homenagem à região do Seridó, onde há muitos agricultores de algodão. A terceira, Básicos do Futuro Direto da Horta, foi pensada para levar ao consumidor a informação de que o algodão daquela roupa é plantado de forma consorciada com alimentos.

Agora, está em produção a quarta coleção, que ainda não tem nome, mas será baseada na medicina natural, como meditação, banho de ervas e ayurveda. Além das camisetas, essa coleção vai trazer algumas peças novas, como camisas, short, saia e vestidos.

“Este ano, optamos pela estratégia de vender mais para quem já é nosso cliente porque temos uma comunidade forte. Por isso é importante fazer novos produtos”

As vendas são feitas pelo e-commerce da marca mas, principalmente, em locais parceiros, como o restaurante Coelho Vegano, em Pipa.

“Nós experimentamos as lojas colaborativas, mas como tínhamos um apelo diferente do restante das roupas que tinham nessas lojas, o cliente não entendia. Quando começamos a entrar em restaurantes, pegamos uma venda de turismo que não estávamos esperando e foi muito bom.”

A CAMISETA É FEITA PENSANDO NO CLIENTE FINAL, MAS TAMBÉM NO AGRICULTOR

Em 2025, a Orgâniccas foi selecionada para um programa de aceleração feito pelo Sebrae Rio Grande do Norte em parceria com a Yunus. O trabalho começou em julho e já ajudou a empresa a medir em números o impacto que vem causando.

Coleção Solar Punk (foto: Eliab Alves).

 Hoje, cada camiseta produzida reverte R$ 6,75 para o agricultor. Para produzir uma peça é preciso quase 27 m² de solo. “Não é um Maracanã, mas é um apartamento em São Paulo de área regenerada”, diz Fernanda. 

Ela considera que o maior impacto está na razão de ser de sua marca:

“Nossa camiseta não é produzida apenas para o cliente final usar. Ela é produzida para regenerar o solo, aumentar a renda do agricultor familiar e garantir segurança alimentar para o agricultor que planta várias outras coisas ali, não só para comer, mas para para revender. Então, é muito mais o porquê de ela existir do que o para quê”

 Por enquanto a Orgâniccas ainda não dá retorno financeiro, e as sócias se dividem entre seus empregos fora dali e o trabalho à frente da marca. A ideia, claro, é conseguir trazer sustentabilidade ao negócio para que elas possam se concentrar exclusivamente na empresa. 

O desafio é justamente entender como viabilizar esse caminho, em um mundo que opera por uma lógica capitalista, para conseguir crescer e continuar provocando impacto sem depender dos editais:

“A Orgâniccas nasceu para aposentar a gente [risos], já que não vamos ser aposentadas pelo governo. Se é para trabalhar a vida inteira, que seja pelo menos uma coisa que faça sentido e beneficie o planeta.”

 

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