Aquele vidrinho de plástico com um líquido preto na prateleira do supermercado escrito “essência de baunilha” está longe de ter algum traço da baunilha de verdade. Ali há corantes, água, álcool e vanilina, um dos compostos aromáticos da baunilha, que pode ser extraído, por exemplo, da madeira.
Fruto de uma orquídea trepadeira, a baunilha é uma planta aromática, sensível, difícil de polinizar e cara. O quilo da fava já seca pode chegar a 6 mil de reais, conta Luiz Camargo, 42, fundador da Bauni, que atua no comércio justo da baunilha não apenas comprando e vendendo o produto, mas também oferecendo capacitação aos produtores.
Embora o Brasil tenha baunilhas nativas, é uma especiaria ainda rara de se ver nos supermercados e mesmo nos restaurantes daqui, mas Luiz quer mudar isso.
“A Bauni tem como propósito promover um comércio justo em toda a cadeia. Para isso, atua com uma relação mais aberta e transparente com produtores e empreendedores”
De modo geral, diz Luiz, quando a baunilha chega nas mãos do consumidor brasileiro, ela já foi processada ou comprada por pelo menos três empresas diferentes. “Com isso, há aumento de custos e perda de qualidade; sem falar nos resultados finais péssimos aos produtores”.
Ele explica que o preço da baunilha é definido pelos Estados Unidos, hoje o maior comprador do mundo, e flutua bastante. Na Bauni, Luiz pratica um preço em torno de 1 mil reais o quilo, valor ao qual consegue chegar reduzindo as margens de lucro.
“Temos uma margem muito menor de ganhos de renda para ajudar a colocar a baunilha em um local de mais destaque. O meu valor, comparado com a concorrência, está muito abaixo do mercado.”
Hoje, a Bauni possui 19 produtores parceiros espalhados pelo Brasil, Equador, Tanzânia, Uganda, São Tomé e Príncipe, Peru, México e Haiti. Quando garimpa uma oportunidade, a empresa traz a baunilha num preço justo e ainda reverte 10% do lucro das vendas para o produtor.
A qualidade do produto, claro, é fundamental no estabelecimento da parceria, mas a Bauni também leva em conta o interesse daquele produtor em toda a cadeia.
“Há sempre uma sinergia em torno do produto, de entender que a baunilha tem grandes possibilidades. Gosto de dizer que procuro me relacionar com pessoas e não com empresas”
Essa conexão, ainda segundo Luiz, acontece “de forma natural, especialmente quando há o propósito em destacar um produto de grande valor agregado, que promove biodiversidade, apoia o produtor e ainda impacta a qualidade de vida com o seu uso em produtos alimentícios de alta qualidade”.
A relação comercial é estabelecida por meio de contratos, mas para Luiz o diferencial é ser uma relação aberta e transparente na qual, inclusive, ele indica outros possíveis compradores para o produto.
“Nem sempre consigo comprar a produção toda, mas tenho contatos que podem querer comprar aquela produção. Então, posso indicar outros compradores e eles estabelecem uma relação direta. Não quero ganhar nada com isso”
Por ano, a Bauni comercializa cerca de 400 quilos de baunilha. Segundo Luiz, a capacidade é de colocar 10 toneladas anualmente no mercado, levando em conta a produção já estabelecida pelos parceiros. Porém, o Brasil ainda não tem esse consumo todo.
Concomitantemente à fundação da Bauni, Luiz criou a Escola da Baunilha, iniciativa que já capacitou mais de 200 produtores entre Brasil, México, Peru e São Tomé e Príncipe.
“É mais uma parte social do que um negócio, tanto que não gera recurso. A gente vai mesmo para prestar um serviço e apoiar produtores, tentar melhorar os processos produtivos”
Formado em marketing e gastronomia, Luiz se apaixonou pela baunilha ainda na infância, em Brasília. Filho de um pastor que trabalhou em um centro de missionários americanos que traduziam a Bíblia, ele sempre conviveu com a comunidade americana, onde a baunilha é muito presente, principalmente na confeitaria.
Entre 2014 e 2018, trabalhou como consultor de projetos sociais do Instituto ATÁ, onde o intuito era introduzir a baunilha como atividade agrícola para uma comunidade tradicional e ajudar pequenos produtores a produzirem a especiaria.
“Conseguimos colocar a baunilha no mapa da produtividade e do consumo no Brasil. Antes, não existiam produtores de baunilha — ou os produtores que existiam não tinham ainda a crença de que aquilo era uma atividade agrícola importante”
Pouco tempo depois, em 2019, ele fundou a Bauni. O investimento inicial foi de 10 mil reais e o faturamento, em 2023, foi de 380 mil reais. Entre os principais clientes estão Bombay, Evvai e Animus Restaurante.
Embora ainda tenha um viveiro em Goiás, onde produz parte da baunilha que comercializa, Luiz está transformando o espaço em um centro de capacitação.
“Não quero entrar nessa fila da produção, e sim da capacitação produtiva para melhorar os processos dos produtores. Faz mais sentido pra mim do que ficar colocando a Bauni como uma empresa que produz baunilha.”
Além de trazer o preço para um patamar um pouco mais acessível, a Bauni quer ajudar a transformar a baunilha em um ingrediente conhecido e apreciado pelos seus aromas.
Assim como ocorre com o vinho ou o cacau, a baunilha é uma planta que carrega o terroir do local de produção. Então, hoje, na hora de comercializar, a Bauni especifica a origem do produto, o que ajuda a agregar valor.
“Isso não acontece no mercado da baunilha. Ninguém entende que existe uma variedade diferente, uma espécie, uma origem…”
Madagascar, o país insular africano localizado no Oceano Índico, é o maior produtor de baunilha do mundo. O que não é garantia de qualidade do ingrediente que chega de lá:
“Todo mundo fala de Madagascar, mas o que vem pro Brasil de Madagascar é a pior baunilha que existe, porque o mercado europeu e americano já comprou o filé. O que sobrou vem pro Brasil. E é uma baunilha esturricada.”
O clima úmido e tropical favorece a produção dos países da África, que porém não são grandes consumidores da fava. É justamente essa comoditização da baunilha que a Bauni quer mudar.
“Você acha que um morador de Madagascar consome uma fava de baunilha? Não. É só economia. Isso é ruim porque não gera cultura, não valoriza o mercado”
Na outra ponta, como exemplo positivo, Luiz cita o México — sobretudo a região de Veracruz —, onde “a baunilha já está na gastronomia, no turismo,na arte, na cultura e até na política”:
“No México, não se pode extrair uma vagem de baunilha antes do dia 16 de novembro: é uma lei federal para proteger a qualidade da baunilha mexicana. Quando você consegue ter esses atrativos, consegue fazer uma coisa transversal e não só economicamente viável, como é o caso de Madagascar.”
Luiz acredita que o Brasil tem potencial para desenvolver uma cultura da baunilha.
Ele se baseia no fato de que espécies aromáticas ocorrem em diferentes regiões, incluindo a Amazônia; Ilha Comprida e Cananeia, em São Paulo; Ilhéus, Itabuna, Itacaré, Trancoso e Porto Seguro, na Bahia; e também no Cerrado, onde essa iguaria ficou mais famosa.
Porém, ainda há muitos desafios. Um deles é a dificuldade de ganhar escala por causa do ciclo natural da planta.
Diferentemente das orquídeas ornamentais, cujas flores ficam abertas até 30 dias, a flor da baunilha se fecha no mesmo dia. Se a polinização não acontecer em poucas horas, não haverá fruto
A polinização natural é feita apenas por abelhas grandes e a taxa de efetividade é muito baixa. Segundo Luiz, a cada 300 flores, uma será polinizada. Por isso, o mais comum é usar a polinização manual:
“Uma pessoa bem treinada vai polinizar até duas mil flores por dia”
Uma vez que a polinização deu certo, a fava de baunilha demora nove meses para se formar e ser colhida. E em dois dias é preciso já começar o processo de cura sob o risco de ela fermentar e estragar.
“Esse processo de secagem pode demorar de três a cinco meses, dependendo do método que cada produtor vai adotar.”
Outro desafio é o interesse do mercado. Até por causa do preço, muitas vezes a baunilha fica fora do cardápio de restaurantes, por exemplo.
Uma das formas de tentar aproximar esta especiaria do consumidor é o desenvolvimento de produtos a partir da fava.
Neste ano, a Bauni lançou durante a Naturaltech, feira de alimentação saudável, suplementos, produtos naturais e saúde, um gim de baunilha em parceria com a Destilaria Ivy, marca brasileira que tem desenvolvido bebidas com sabores nativos como babaçu, jabuticaba e cambuci.
“O foco não era vender a garrafa, mas distribuí-la para pessoas que a gente gosta e mostrar as opções no mercado da baunilha”
Outra aposta é o desenvolvimento de uma maltodextrina com baunilha natural. Muito utilizada pela indústria de biscoito e também como suplemento alimentar, a maltodextrina normalmente leva a baunilha sintética. A Bauni já fez os testes do composto com a natural e deve colocar no mercado em breve.
“O Brasil não tem o histórico da baunilha como a Europa e os Estados Unidos, mas tem baunilha nativa acontecendo praticamente nos 20 estados. Então, a gente tem feito esse trabalho de valorizar a nossa biodiversidade e incluir a baunilha no nosso dia a dia, não só na confeitaria, mas em vários nichos.”
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