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“Toma vergonha, onde já se viu empresário falando de pipa?!”: ele superou a desconfiança para transformar suas pipas em obras de arte

Marcela Marcos - 12 dez 2023
Cadu Bandeira e Tathiane Deândhela.
Marcela Marcos - 12 dez 2023
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Sabe quando você coloca uma ideia na cabeça, sente que o intento pode mudar o rumo da sua vida, mas todo mundo  volta insiste em dizer que não vai dar certo? Como muitos empreendedores, Carlos Eduardo Bandeira, 38, passou por isso. 

Durante a pandemia, ao se ver impedido de trabalhar, Cadu desengavetou um talento que tinha ficado esquecido na infância: criar pipas “diferentonas”, como as que fazia e vendia para os amigos nos seus tempos de garoto, no bairro Jardim São Paulo, na zona norte da capital paulista.

A decisão de viver de pipas provocou desconfiança e até o fim de um namoro. Cadu, porém, insistiu na ideia, aprimorou a técnica e emoldurou as pipas, que ganharam um status de obra de arte, cativando uma clientela famosa. 

O artista criador de pipas diz que já recebeu encomendas de obras da Itália, França, Colômbia e México. Em 2020, afirma, faturou 200 mil reais em 2022. A previsão é chegar ao fim deste ano com um faturamento próximo de meio milhão de reais. 

DURANTE A FASE MAIS CRÍTICA DA PANDEMIA, ELE REDESCOBRIU UM TALENTO ESQUECIDO

Cadu trabalhava com compra e revenda de carros de luxo, quando veio a pandemia de Covid-19. No início de 2020, ele tinha 20 veículos para comercializar. 

“Eu tinha o estoque, mas tudo travou, não conseguia fazer nada, naquela época do ‘fica em casa’. Marquei de ir à casa de um amigo, também empresário, para desenharmos uma nova estratégia”, conta. 

A ideia era continuar com o mesmo produto que já vendia, mas tentar achar outras formas de fazer a mercadoria girar.  Mas foi naquele dia que tudo mudou:

“Quando saí de lá, encontrei uma roda de rapazes que estavam vendendo pipas simples. Aquilo me remeteu imediatamente à infância, quando eu fazia recortes de papéis de seda e já me achava empreendedor”  

Cadu, então, propôs fazer, para o grupo, “uma pipa bem disputada”. Passou em uma papelaria, comprou 5 reais em matéria-prima e cortou com estilete, montando uma espécie de mosaico. 

“Quando eu voltei lá, deu briga, todo mundo queria comprar a que eu tinha feito. Vendi por 200 reais”, diz. 

“TOMA VERGONHA NESSA CARA, ONDE JÁ SE VIU UM EMPRESÁRIO FALANDO DE PIPA?!”

Aos poucos, Cadu começou a montar os itens de segunda a sexta, para vender nos finais de semana. Ainda no primeiro mês trabalhando efetivamente com as pipas, o faturamento alcançado foi de 12 mil. No mês seguinte, aumentou para 14 mil reais. 

A chave de virada foi quando descobriu grupos no WhatsApp de aficionados em pipas. 

“Num desses grupos, na primeira divulgação do meu trabalho, recebi uma transferência de 2 mil reais. Entendi que eu tinha descoberto uma nova forma de ganhar dinheiro, com um novo produto”

No entanto, uma decepção amorosa quase pôs tudo a perder. “Minha namorada da época começou a se incomodar, dizendo que o que eu fazia era coisa de moleque: ‘Toma vergonha nessa cara, onde já se viu um empresário falando de pipa?!’” 

A relação azedou de vez, e o namoro chegou ao fim em setembro de 2020. “Ela terminou comigo no dia do meu aniversário, dizendo que estávamos em caminhos diferentes…”

ELE ESCONDEU A SUA FONTE DE RENDA DA NOVA NAMORADA, MAS TEVE UMA SURPRESA QUANDO ELA DESCOBRIU

Alguns meses depois, o agora solteiro Cadu começou a conversar com Tathiane Deândhela. Os dois já se seguiam no Instagram. 

Tathiane e seu retrato criado por Cadu.

Ele diz que resolveu puxar papo quando viu um post em que os alunos de Tathiane, que forma palestrantes e ministra mentorias sobre produtividade, demonstravam a sua gratidão. “Eu achava que ela não ia querer nada comigo, mas, aos poucos, as coisas foram fluindo”, diz Cadu.

Os dois engataram um relacionamento, mas, escaldado pelo término traumático do namoro anterior, Cadu escondia da nova namorada que ganhava dinheiro criando e vendendo pipas. Até que o segredo veio à tona:

“Quando completamos quatro meses juntos, eu a levei para conhecer meus pais e, no dia, corri para tirar as pipas que estavam em cima da minha cama na casa deles. Só que, numa distração minha, ela acabou vendo tudo – e, para minha surpresa, adorou!” 

Naquele dia, Tathiane sugeriu que Cadu juntasse os sobrinhos dele para empinar na rua e o incentivou a vender os produtos não apenas pelo Instagram (onde ele tem hoje 37 mil seguidores), como também a ensinar a técnica a outras pessoas. 

Com as dicas e o empurrão da namorada, ele diz que passou praticamente todo o ano de 2021 se dedicando a planejar essa nova etapa profissional. 

DEPOIS QUE NEYMAR REPOSTOU UMA DE SUAS OBRAS, A DEMANDA “EXPLODIU” E O PERFIL DE CLIENTES MUDOU

Em 2022, Cadu aprimorou a técnica de corte e recorte de papéis de seda. Passou a criar quadros com as pipas. O “mosaico” de pipas deu lugar à imagem de pessoas. 

Uma das retratadas foi Tathiane, a namorada e incentivadora do negócio. Outro homenageado foi Neymar. Depois que o camisa 10 da Seleção brasileira repostou, em suas redes, uma imagem do quadro criado por Cadu, a demanda “explodiu”. 

Neymar recebendo o retrato feito por Cadu (reprodução Instagram).

O maestro João Carlos Martins e o piloto inglês Lewis Hamilton foram outras figuras retratadas. A divulgação dos famosos alavancou o burburinho, e o perfil dos clientes mudou. Alguns quadros passaram a ser levados para eventos da Fórmula 1 e até para leilões. Cadu conta que rolou até uma parceria com o pintor Romero Britto.

Os quadros são feitos a partir de fotos enviadas pelos clientes. Cadu cria o projeto visual e faz a primeira parte do serviço. Depois, três colaboradores treinados por ele assumem a segunda metade do trabalho, sob sua supervisão. 

CADU CRIOU UM CURSO PARA ENSINAR O MÉTODO DE PRODUÇÃO – E SONHA EM IMPACTAR MAIS GENTE POR MEIO DE UMA ONG

Com a expansão do negócio, Cadu fez parceria com a empresa Arpepel, que fornece a matéria-prima — papéis de seda de cores variadas. 

Ele também desenvolveu um curso na plataforma Hotmart para ensinar o método, batizado de “Vambora”. O curso, segundo Cadu, soma cerca de 180 alunos e tem uma pegada “sustentável”: 

“Ensino a usarem os papéis que vêm nas caixas de sapato, que muita gente acaba jogando fora, para fazer os quadros com pipas”

Em média, diz o empreendedor, os aprendizes faturam 2 mil reais por mês com a venda das obras. 

Pensando na atividade como fonte de renda, ele vislumbra, no futuro, criar um projeto social e impactar mais gente: 

“Quero criar uma ONG para que meus cursos ajudem uma galera inteira de alguma comunidade. Vai sair muita gente boa de lá, e vai ser lindo!”  

Outro sonho, um dia, é chegar às galerias de arte. Ou criar produtos exclusivos, autografados por figuras importantes.

Enquanto isso, a ideia de Cadu é seguir “escalonando” a produção. E se divertindo, claro. Ele diz que com frequência reúne os amigos para soltar pipa de um heliponto no alto de um prédio em Santana, na zona norte, região onde cresceu.

“Minha família e meus amigos me apoiam”, diz Cadu. E aproveita para alfinetar. “A mesma galera que falou, lá atrás, que eu não ia conseguir hoje me aplaude — e diz que ‘sempre acreditou em mim’.”

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