Ele foi campeão de levantamento de peso e executivo em corporações. Hoje, empreende para transformar a cadeia de delivery no país

Marina Audi - 19 out 2022
Denis Lopardo, empreendedor da Bdoo.
Marina Audi - 19 out 2022
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Denis Lopardo descobriu o levantamento de peso participando de competições de CrossFit. Acabou sagrando-se bicampeão brasileiro e campeão sulamericano. Tudo isso enquanto paralelamente trilhava a carreira de executivo de Supply Chain, atuando em grandes corporações.

Se ainda mantém o porte atlético, Denis trocou de vez o crachá pelo papel de empreendedor. Primeiro, fundou a Scoo, startup que trouxe os patinetes elétricos ao Brasil. Hoje, está à frente de outro projeto: aos 46, ele é o CEO da Bdoo, empresa de tecnologia com foco em sistemas de entrega.

Na ativa desde janeiro de 2021, a Bdoo (fundada por Denis e Priscila Fecchio) mergulhou no Open Delivery – protocolo que padroniza os dados a fim de organizar a comunicação e troca de informações entre softwares de gestão (PDV) e aplicativos de entrega, o que facilita os processos operacionais dos food services.

Na verdade, a startup foi além e criou um sistema próprio com capacidade de ligar todas as pontas da cadeia – geradores de demanda (iFood, Linx, Quick Delivery e Totvs), restaurantes, empresas de aluguel de bikes elétricas, seguradora, operador logístico e entregadores. O modelo prevê cobrança dos food services apenas sobre o que for utilizado e a possibilidade de personalização da plataforma, com formato white label.

Ao colocar a tecnologia a serviço (também) de entregadores autônomos e pequenas transportadoras, possibilitando que eles otimizem os deslocamentos e reduzam as distâncias, Denis diz que a Bdoo cumpre o propósito de prover bem-estar.

De quebra, afirma, a logtech promove a economia circular, porque o restaurante que estava só no analógico, vendendo no grito ou pelo WhatsApp (caso de 70% do mercado), consegue multiplicar seu faturamento em até cinco vezes, segundo a startup.

Leia a seguir a conversa de Denis Lopardo com o Draft.


Qual é sua relação com o esporte… e desde quando?
Eu comecei a me relacionar com o esporte de maneira recreativa, desde meus 13 anos. Eu jogava mal futebol, então experimentei de tudo. Outro dia fiz a conta – já pratiquei mais de 30 modalidades. Como eu tinha capacidade atlética, menos para futebol, tudo que eu ia fazer, desempenhava bem.

Em 2009, vi que o CrossFit chegou no Brasil e fui pesquisar. Comecei a treinar e desempenhar bem. Participei do segundo campeonato nacional de CrossFit, em que fiquei em sétimo lugar. Aí percebi que levava jeito para aquilo. Mas a história de ser atleta não foi no CrossFit. 

Numa das provas do campeonato nacional de CrossFit, estava a [pesquisadora, educadora e atleta] Marília Coutinho para arbitrar uma prova específica de levantamento de peso. Ela é irmã da cartunista Laerte Coutinho, e foi campeã mundial de levantamento de peso em 2011. 

Sempre tive marcas de força muito expressivas. Naquele dia, quebrei o recorde brasileiro de levantamento de peso para o CrossFit. Aí a Marília me puxou no canto e disse: “Você não é um atleta de CrossFit, é um atleta de levantamento de peso. Você tem que treinar com a gente, com a seleção brasileira”

Resumindo, continuei treinando CrossFit, virei inclusive empreendedor na área, e comecei a treinar com os atletas da seleção brasileira de levantamento de peso – tanto o levantamento de peso olímpico quanto o levantamento de peso base, que têm movimentos diferentes.

Em 2014, fui bicampeão brasileiro – quebrei dois recordes brasileiros. Fui campeão sul-americano. Fui seguindo essa carreira de atleta simultaneamente à minha vida de executivo de multinacional. 

Minha virada para empreendedor foi em 2018, então imagina que eu era um ET! Era um executivo C-Level e atleta já na faixa dos meus 40 anos. Os caras me viam ali comendo marmita, cortando peso corporal pra bater categoria e diziam: “Denis, pra que isso?

O esporte para mim sempre foi uma alavanca de autodesenvolvimento. O esporte me ensinou a colocar os problemas em perspectiva; viver o agora, esse momento em intensidade máxima; viver a sua essência 

E em 2019 eu participei da minha última competição e ganhei o vice-campeonato paulista. Daí decidi tirar um sabático da minha carreira de atleta por conta dos empreendimentos. 

A história do atleta foi um capítulo que me fez despertar para onde estou agora.

Sua trajetória pré-empreendedorismo inclui passagens por Vendas e Supply Chain. Falando desse período, você já disse que teve uma “escola robusta e old school”. O que quis dizer com isso?
Estive em três grandes empresas multinacionais: Unilever, Kraft — que se fundiu com a Adams e virou Mondelez — e Monsanto. Inclusive, foi no momento que a Monsanto foi comprada pela Bayer que eu decidi sair. 

Tem muita teoria nesses ambientes, eu cheguei a fazer um MBA nesse período pela Dom Cabral. É isso que eu chamo de escola robusta. Tem muita coisa que já foi estudada por grandes cabeças e quando você está numa estrutura bem consolidada como a de uma multinacional, tem acesso a essa teoria. 

Hoje, muita gente diz: “Faculdade pra quê? Empreender é a chave…”Não. Você tem que convergir conhecimento, o seu tempo de qualidade e a sua energia. É o que eu chamo de tripla convergência

Ter passado 24 anos no mundo corporativo tendo acesso aos cases que eu tive, me dá muita teoria e conhecimento. Essa é a escola robusta.

Falo pros meus filhos e nas palestras de empreendedorismo: não adianta pular etapas. A diferença entre um founder jovem e um mais experiente é uma só – o experiente passou por muitos desafios.

Tive excelentes exemplos de líderes – e péssimos exemplos também, que eu nunca seguiria. Por exemplo, na pauta de equidade de gênero eu vi tanta bobagem, falsos relatos… coisas que deveriam ser aplicadas e não foram

Tanto os bons exemplos de modelos de negócio quanto os maus foram fundamentais nesses meus mais de 20 anos de carreira.

E “old school” refere-se mais a lideranças sob as quais eu fui criado. É justamente o que eu me referi agora há pouco – é a liderança mais chefe do que líder. Graças a Deus isso já está virando passado. 

Hoje, você tem uma dupla diligência quando vai contratar um talento, porque ele [também] te entrevista: “Deixa eu ver se você vale o meu tempo…”. Isso é incrível

É uma coisa que aprendi no ambiente de startup, que não tem recursos abundantes para cobrir a proposta de uma outra empresa… Então, você atrai o talento pela inspiração, engajamento, por tua reputação. 

Quando você começou em Supply Chain, aparentemente essa não era uma área tão valorizada dentro das empresas. Concorda? O que mudou de lá para cá?
Mudou completamente. Tive um líder chamado João Paulo Ferreira, que foi VP de Supply Chain na Unilever, e me lembro de ele nos dizer quase 20 anos atrás: “Pensem bem se vocês querem continuar em Supply Chain, porque reparem, raramente ou quase nunca, vocês verão o líder de Supply Chain como CEO de uma empresa”

Ele dizia que estava trabalhando para mudar esse mindset – tanto é que foi para a Natura e [hoje] é o presidente

O que é Supply Chain? Um emaranhado de pilares operacionais que se juntaram e formaram a cadeia de valor. No passado, nós tínhamos o gerador de receita de uma empresa de um lado e, de outro, o cumpridor do plano, que era todo esse emaranhado…

Só que, para uma negociação comercial, se os processos de Supply Chain não eram robustos – desde compra, fabril, distribuição, armazenagem –, era um problema. Isso passou de algo depreciado para ser um diferencial competitivo das empresas

Vivi isso na Unilever, em uma das posições que ocupei no Sul do país para lançar produtos novos – xampu e sabonete líquido. Os clientes pediam para falar com o cara de Supply Chain para ter certeza de que a promessa do cara de Vendas seria entregue no prazo. 

Eu vivi essa transformação e tenho felicidade em ver que hoje é de fato um diferencial estratégico das organizações. Eu só acredito que eu seja um empreendedor de resultados por ter uma visão de processos que Supply Chain me trouxe. 

Como foi a transição para o empreendedorismo, depois de 24 anos no mundo corporativo?
Empreendedor full-time eu me tornei em 2018, quando estavam contabilizados 24 anos de carteira de trabalho assinada. Mas antes disso, a partir de 2012, eu tive alguns anos de investidor part-time na Jardins CrossFit.

Eu já era um atleta e olhava a transformação que vivi com o esporte. Tinha uma coisa que chamava muito a minha atenção – o que seria a segunda metade da minha vida? 

Um dia alguém vai chegar pra mim e dizer que estou “velho”, então devo ficar em casa… Só que a gente está com a longevidade cada vez maior. 

Por ser atleta, sempre fui muito julgado e, de alguma maneira, preterido nesse mundo corporativo. Então, comecei a olhar para oportunidades, investi em imóveis e comecei a investir em academias – fui sócio de três. 

Por essas academias passaram 3 mil pessoas e vi muitos casos de transformação pessoal, desde os mais comuns de perda de peso, até pessoas que estavam em depressão. 

Um dia fui ter uma conversa com meu pai e disse que ia pedir demissão, porque só ia à companhia para ganhar o salário. Meu pai falou: “Você tem carro da companhia, cartão corporativo, status, um baita salário e não é o que você quer?”. Eu respondi: “Não. Eu posso muito mais”.

Por isso, quando alguém me pergunta o que é propósito, digo que propósito é você pular da sua cama motivado, um ano depois de ter fundado a sua empresa e não ter visto um real no seu bolso. Isso aconteceu na minha startup anterior 

Mas, respondendo sua pergunta, teve um overlap de atuações até eu tomar a decisão de, efetivamente, sair da Monsanto, mesmo sem ter um projeto em vista.

Quando você se aproximou do ecossistema de inovação tecnológica, e por quê?
Além do meu processo de me tornar atleta, comecei a buscar ajuda. Se eu não queria mais ser um colaborador ou um executivo, o que eu queria ser? Conversei com uma amiga que era master coach, fui visitar minha família na Itália, fiquei um tempo lá. 

Outra coisa que eu fiz foi começar a estudar sobre inovação. Eu tinha visitado o Cubo, ainda na Monsanto, levei meu time… Quando cheguei lá, me senti um peixe fora d’água. Percebi que existia um mundo que eu não fazia ideia. Assisti a alguns pitches e pensava: “Meu Deus do céu, o que é isso?” 

Ao mesmo tempo que me deu aquele apavoramento, pensei que eu tinha dois filhos e aquilo era o futuro. Então, comecei a me aproximar e ler muito sobre o processo de startups.

Quando tomei a decisão de sair da Monsanto eu já tinha uma aproximação com a agenda de inovação. No dia seguinte à Monsanto, comecei a fazer uma série de coisas para quebrar aquele protocolo engessado de executivo de multinacional. 

Vou dar um exemplo – fiz um curso de improviso com Márcio Ballas [palhaço, improvisador, apresentador e diretor especializado na linguagem de Clown e Improviso Teatral], que diz sim pra vida. Foi uma coisa inimaginável, que não tem a ver com questão financeira, tem a ver com experiência. Depois, fui staff de três imersões de design thinking de inovação em uma startup. 

Quando ouço você falar isso, parece que estava tentando quebrar uma armadura que te segurava…
É isso. E essa armadura pode ter vários nomes, mas vamos chamar de alienação, que é você ter uma identificação com uma ideia. É achar que a nossa vida é um crachá de uma empresa. 

Eu passei 24 anos da minha vida assim. Quem é você? “Eu sou o Denis da Unilever”…. “sou o Denis da Monsanto”. Como você vê o mundo? “Nesse ano, sou o diretor de logística…”

E não é isso. Nós simplesmente nos permitimos ser atraídos por outras experiências. E aí, de uma simples conversa de networking, um simples papo, começam a se criar novas conexões, surgem ideias, grandes projetos – e você transforma vidas. 

Voltando ao seu ponto, havia um incômodo, uma insatisfação de que eu tinha que quebrar a casca. 

Eu não queria que a idade fosse um número. Mas quando você está numa estrutura de multinacional, a idade é aquilo que atribuem a você – 46 anos, alto cargo numa multinacional… você está velho

Cara, numa startup você não tem nem tempo para ficar pensando nisso. Então, sim, eu fui em busca de quebrar a casca. E todos os dias, desde então, vivo alguma experiência de disrupção.

Como surgiu a Scoo?
Um dos meus sócios na época, ao saber que eu ia sair do mundo corporativo, me convidou parar tomar um café com o grupo de amigos que ele reunia todo dia… E a gente foi se aglomerando… um tinha saído do Sequoia Capital, outro era da Oracle, um terceiro era dono de um software house

Aí, fui fazer uma viagem aos EUA para visitar um amigo, um atleta olímpico. Enquanto estava lá, esse meu sócio me conta que quando eu voltasse, o grupo de amigos de São Paulo que tomava café tinha um negócio para me mostrar.

Quando voltei, eles me disseram que queriam fazer no Brasil o negócio dos patinetes elétricos que já existia na Califórnia e tinha valuation de 1 bilhão de dólares. 

Eles disseram que era para colocar dinheiro, assumir o risco total e operar. Eu topei. Quando vi, em questão de semanas, tínhamos fundado a primeira startup de micromobilidade elétrica do Brasil

Eu disse sim porque a intuição bateu. Depois, refleti sobre isso e entendi que o eixo que cruza tudo isso é o que hoje se chama empreendedorismo de impacto… O que me despertou como atleta, como empreendedor em CrossFit e em micromobilidade, é o bem-estar

E aquela imersão dizendo sempre sim pra tudo, para todas as oportunidades, me colocou numa posição de protagonismo no mercado, enquanto as outras empresas que vieram na sequência – as gigantescas, hiper, mega investidas – já vieram com formato de grandes corporações, de “copia e cola”.

Como assim?
Por exemplo, a Lime já operava em 30 cidades quando veio para São Paulo, e o então prefeito Bruno Covas nos chamou para conversar. 

As outras empresas mandaram os seus representantes com o discurso “já é assim fora do Brasil, então tem que ser assim”. E quem foi falar com o Bruno Covas com o intuito de resolver, e cuja única opção era sobreviver? Eu, como dono da empresa. 

Falei com mais de cinquenta prefeituras, fui construindo. Às vezes, me perguntam como virei uma referência em mobilidade… Eu digo que só fui participando das discussões, e foi fazendo sentido 

De repente, você está numa reunião com a prefeitura de Salvador e te perguntam como funciona em São Paulo. Aí você dá um input, contribui e, quando vê, o seu nome está ali, permeando todas as esferas. 

Quanto o baque do distanciamento social e das quarentenas foi decisivo para você deixar a Scoo?
O baque foi muito pequeno, porque entre 2018 e 2020 a Scoo se posicionou como uma empresa para fazer negócios através da micromobilidade, enquanto as outras atuavam B2C e colocaram bicicletas e patinetes diretamente para o público final. 

Aqui não tem ciência de foguete, falo isso com simplicidade – eu tive de ir atrás de recorrência e perpetuidade de contrato. Enquanto as empresas mega investidas expandiam geograficamente, era o meu telefone que tocava [para fechar negócios].

Um exemplo foi o iFood, que em 2018 me procurou porque queria expandir geograficamente, baixar custo e testar se com patinete funcionava. Eu fui o único a dizer sim. E o delivery do iFood multiplicou em seis vezes o tamanho

Então, ao longo da pandemia, conseguimos ter uma cesta de produtos que se equilibravam. 

É uma característica do empreendedor encontrar alternativas para se reequilibrar. Eu tive que renegociar contratos; na época, tínhamos um escritório grande e tive de pedir para as pessoas ficarem em casa e encontrar uma nova governança para gerir a empresa remotamente. 

E o que deu errado?
É a tal da escolinha das startups. A gente infelizmente ainda não tem muita teoria sobre isso. Tem um jargão de que eu gosto muito – tem muita startup que, ao dar certo, dá errado por questões extracampo, como disputas societárias. 

Na Scoo, a gente já tinha um cap table muito diluído, e o que acelerou a minha saída foi que um dos sócios adquiriu parte de outros sócios e começou a influenciar para redirecionar a empresa para o B2C novamente. 

Outro motivo é que eu já observava a oportunidade de outra empresa – que é a Bdoo. 

Esse foi o senso de urgência, algo muito importante para um empreendedor. Você precisa ter uma estratégia de passagem, de saída. Se não tiver, pode perder o timing – e o mercado acaba te engolindo

A empresa prosperou, a gente mais que dobrou o faturamento ano a ano até 2020. E depois da minha saída em 2021, a empresa dobrou o faturamento do ano anterior no primeiro semestre.

Foi diferente empreender no “tradicional” – as academias –, em micromobilidade elétrica – que tinha parte da operação física e outra digital – e depois no digital, com a Bdoo?
É incrível a diferença, é um abismo. Existem negócios que são escalonáveis – crescem, mas o nível de esforço para isso é muito grande, porque à medida que cresce o faturamento, cresce o custo; uma academia do meio físico é assim. 

Uma startup de micromobilidade, por ter tecnologia, eu diria que é um híbrido – mas só dá para crescer faturamento se você ampliar a sua frota. 

Se colocássemos em três níveis teríamos, primeiro, o negócio que é só escalonável com alto grau de esforço e vai valer muito pouco em termos de aquisição. O segundo nível é o de negócio híbrido, que é escalonável e escalável como um negócio de CAPEX [montante despendido na aquisição de bens de capital de uma empresa]. 

Só que eu ouvia muito na época em que fazia os pitches da Scoo para potenciais investimentos e fusões: “Qual é a sua taxa de risco? Qual é a sua depreciação?” E ficava aquela pulga atrás da orelha do investidor: “Será que você não está sendo otimista demais?” 

Finalmente, no terceiro nível – o negócio digital –, o múltiplo é completamente desproporcional para mais. Porque uma empresa digital é, sem dúvida nenhuma, escalonável e escalável. Eu brinco que é como a regra de três. 

Se eu consigo identificar uma dor numa determinada região do mundo, faço um investimento por um período, abaixo da linha do radar do mercado e consigo cruzar a linha de faturamento, não existem barreiras territoriais e nem esforço para escalar 

É claro, tem que continuar investindo, você terá novos produtos. Mas em termos de custo e esforço para escalar é desproporcional. 

Por isso que se você pegar as 10 empresas mais valiosas do mundo, oito são digitais [segundo ranking feito pela Kantar BrandZ].O múltiplo é muito desproporcional, porque já houve investimento inicial; a aquisição de clientes já foi feita; e o fluxo de venda tem muito menos atrito. 

A Bdoo tem 18 meses de vida e já pivotou. Como e por que se deu isso?
Uma startup não nasce em dois meses. Nasce de um processo de observação mais longo. Então, antes de chegar em janeiro de 2021 e fazer todo esse processo de um ano e sete meses, quais eram as dificuldades, as dores que eu tinha lá na Scoo? Eram duas. 

A Scoo era uma empresa de tecnologia que tinha muita dificuldade em se traduzir para o mercado. Por exemplo, eu ia negociar um contrato com a Ticket – que queria dar vazão no saldo dos cartões através de patinete – e ao discutir isso internamente, a empresa dizia que demoraria seis meses para pensar em alguma integração de software.

A tecnologia era uma dificuldade e aquilo me acendeu uma luzinha. Eu pensei: “Se meu próximo empreendimento for em tecnologia e tenho de pensar nisso antes, para que quando os negócios surgirem tudo esteja praticamente pronto” 

A outra dor era… Eu tinha um contrato lindo com o iFood, que eles expandiram com a Artemisia para oferecer bases de locação de patinetes – agora são bicicletas –, com bag e capacete para entregadores e entregadoras de todas as faixas. 

Tinha um intermediário – o contratante dos entregadores –, só que não existia sistema [software] pra isso, era zero digitalizado. E isso me causava problema, porque os patinetes sumiam, quebravam – e não era má intenção, era falta de sistema!

Entendi que o last mile está totalmente pulverizado e isso se traduz em altos custos para o iFood, o restaurante e o consumidor. Hoje, uma pizza que custa 100 reais você vai pagar 150 reais, porque existe na cadeia uma ineficiência muito grande, “gordura” pra todo lado

A Bdoo começou a nascer daí, para ser uma logtech. É por isso que eu falo que a Bdoo não é um app.

Quando fundamos a Bdoo com essas duas grandes dores – baixa digitalização e o last mile analógico, que eu acredito seja o maior motor da mobilidade, hoje, porque mobilidade não são só pessoas se movendo, são também produtos chegando para nós –, a gente só reagia às oportunidades. E isso me incomodava muito.

Ao longo de 2021, fiz alguns MVPs – e eu nem considero isso como período operacional da empresa. Por exemplo, em março daquele ano, fizemos uma collab com uma empresa para implementar um projeto on e off com a C&A. Naquele momento a Bdoo seria o sistema e também faria a contratação e gestão dos entregadores. 

Aí vem o ponto da pivotagem. Em meados de junho, percebi que não iríamos conseguir nos diferenciar ali. Já tinha muita gente fazendo isso bem, e não conseguiríamos escalar o negócio, porque há grandes players fazendo vendas: Loggi, Box Delivery, Lalamove 

Aí surgiu o chamamento da Abrasel – Associação Brasileira de Bares e Restaurantes para apresentar o que eles diziam ser o código aberto para todas as empresas do ecossistema de delivery se conectarem. 

Hoje, quando você olha esse ecossistema, por ironia, ele não é delivery. É um grande aglomerado de softwares para gerar pedido, gerar venda pro restaurante. Quando o pedido chega no balcão, dali pra frente é um Deus nos acuda. 

É o entregador olhando 20 apps, é o OL [Operador Logístico, nome genérico para empresas que gerenciam frotas de entregadores] que não tem sistema… É o dono do restaurante entregando, ele mesmo, ou chamando Uber… Então, fica caro. 

Quando a Abrasel chamou, todas as 400 empresas de software se aproximaram para olhar o protocolo de delivery – mas no que tange ao cardápio e não à entrega. E a Bdoo viu uma grande oportunidade de olhar o protocolo do balcão em diante, que ainda não estava escrito! 

Então, decidimos desenvolver um protocolo para pegar essas quatrocentas empresas geradoras de pedidos – quem está em marketplaces, PDVs e mesmo quem não está –, pensando em um grande funil, e conectá-las a quem vai fazer a entrega.

Isso foi em outubro de 2021. Foi quando pivotamos a Bdoo para ser 100% digital. Quando começamos a fazer esse desenvolvimento, para minha surpresa nenhuma outra empresa no Brasil se engajou a fazer o protocolo de logística pro Open Delivery, só a Bdoo. Então, isso virou um grande pipeline de vendas pra gente. 

A Bdoo não é concorrente do iFood! Conectamos o gerador de demanda com quem quer trabalhar com entrega com quem quer oferecer serviços e produtos para esse ecossistema – seguros digitais, empresas de locação de bikes elétricas etc. 

E quem paga a conta?
Os food services. É uma abertura de mercado altamente disruptiva, porque hoje, para o iFood construir todo o ecossistema que tira o pedido e faz pingar mais e mais pedidos, ele cobra 30% do estabelecimento. 

E ele tem bastante desafio na logística, porque isso não significa que quando o pedido chegar no balcão é certeza que o entregador estará lá. 

Para o restaurante, vender mais “comendo” 30% de margem não significa necessariamente eficiência na entrega. Quando as pizzas começam a empilhar no balcão, o restaurante desliga a cozinha do iFood e para de faturar.

O que a Bdoo faz nesse jogo? Se o restaurante já tem um software de gestão ou gerador de pedidos, a gente faz o complemento – conectamos a empresa de logística. E aí o restaurante para de pagar os 30% para o gerador do pedido e passa a pagar só o cardápio, ou seja 12%

No frete de 12 reais, a Bdoo representa R$ 0,80, o restante é do entregador. Com isso temos mais entregadores engajados. E se eu quiser colocar serviços de bikes e motos elétricas ou seguro dentro da própria plataforma pode. A gente tem contrato com a insurtech IZA.

Nós fechamos uma parceria com uma empresa de transporte fluvial de pessoas que está no Amazonas e em Rondônia e começou a fazer delivery, porque o iFood não está lá. Levamos o delivery a baixo custo pra lá. O naPorta, outro parceiro nosso, já está em seis favelas no Rio de Janeiro. 

O negócio dentro da favela costuma ser invisível para as plataformas. A Bdoo une as três pontas, com isso a pizzaria, pastelaria ou quem quer que seja dentro da favela tem a possibilidade de chamar o entregador que já está na favela – que acaba sendo muito beneficiado, porque roda muito menos 

No fim do dia, o reflexo de a gente oferecer uma plataforma totalmente independente que conecta é utilizar de forma mais fluida os recursos que estão ainda muito congestionados. 

Você considera a Bdoo um negócio B2B, ou os entregadores motoqueiros podem ser considerados B2C? Qual é a sua visão sobre a empresa?
A gente começou a construção do back-end, da linguagem, e já deixamos desenhada uma estrutura para transacionar milhões de transações por dia.

O primeiro tiro foi investir no B2B. Na esfera do ecossistema, eu conecto o CNPJ do restaurante – ou de um varejo, como uma drogaria – ao CNPJ da transportadora ou do Operador Logístico e ao CNPJ da seguradora. 

Mas a visão do negócio é ser B2B2C, porque quero chegar no entregador oferecendo para ele serviços financeiros, chegar no restaurante oferecendo possibilidade de geração de venda mais competitivas do que ele tem hoje… 

Posso vender informação para os parceiros de produtos: por exemplo, se uma empresa de motos elétricas tiver a previsibilidade de quantas motos vão rodar em 2023, pode negociar de uma maneira mais inteligente…

A visão é ser B2B2C em 2024. Hoje, a Bdoo é B2B.

Cerca de 80% do mercado não tem uma plataforma própria que orquestra delivery. Do outro lado, existe um player dominante no mercado – o iFood. Como convencer um estabelecimento de que investir e ter seu próprio sistema, que pode até ser entendido como um integrador de vários marketplaces, é vantajoso? Que tipo de dificuldade você enfrenta?
É muito importante deixar claro que a gente não compete com os outros marketplaces, tanto é que já existem aproximações e possibilidade de parcerias com seguros, em qualquer etapa da jornada – desde o full service como citei na Amazônia até regiões com densidade maior de serviços, em que chegamos com algum tipo de microsserviço. 

O fato é que o restaurante não vai deixar de operar com iFood se trabalhar com a gente. Ele vai apenas ter a possibilidade de fazer uma parte da jornada – que hoje é muito cara – de uma maneira mais estruturada e barata, com mais informação. 

Hoje, se você pergunta para um restaurante quem é a clientela dele, ele não sabe responder, porque a informação está toda com o iFood. Com a Bdoo, o ativo é dele 

Se você pergunta para um parceiro de logística quantos entregadores ele tem e como os contrata, ele também vai dizer que não sabe, porque só faço a ponte. Agora, [contratando a Bdoo] ele passa a ter um sistema.

Ter pensado em todas as casuísticas e ter feito já uma tecnologia que atenda grande parte das dores, esse grande Lego, faz com que a gente tenha muito baixo atrito em venda… O máximo que vai acontecer é o restaurante falar que prefere ficar no sistema em que já está. 

É através do resultado que a gente consegue cruzar a linha da cultura. Estamos literalmente mudando a cultura desse mercado. O nosso cliente não sabe que ele não sabe. 

Por mérito do iFood, ele já virou sinônimo de categoria. Muita gente acha que delivery é aquilo que está consolidado e que ele não tem problema. 

Mas muita gente aí pelo Brasil, que vive em municípios de 5 mil ou 10 mil habitantes – em que o custo de aquisição de clientes não compensa para essas grandes empresas –, não tem acesso a delivery. Essa questão da prosperidade, inclusão, acesso, digitalização é muito relevante

Em BH, a região onde a gente primeiramente acelerou, para restaurantes que faturam entre 100 mil e 110 mil reais, estamos entregando 16 mil a 18 mil reais de economia. É muita coisa. 

E com a abertura de mercado, empresas como Shopee e outras grandes de logística e de e-commerce têm um grande domínio. O empreendedor que tem uma frota pequena não vai fazer um investimento de 100 mil ou 200 mil reais para desenvolver o próprio software, não é core dele. 

Com a Bdoo, a gente diz para esse pequeno empreendedor: “Eu te licencio, coloco a tua marca e o banco de dados é teu. Começa a usar!”

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