No Brasil, 44% da população não lê. Esse dado terrível consta na publicação Retratos da Leitura no Brasil. Somado a esse índice, o analfabetismo funcional da população brasileira é de 29%.
Foi com o propósito de mudar essa realidade que nasceu em 2019 a Árvore, plataforma de leitura digital com foco nas escolas.
O curioso é que essa edtech brotou da fusão de duas empresas concorrentes: a Guten, criada por Danielle Brants em São Paulo, em 2014, e a Árvore de Livros, fundada no mesmo ano, no Rio de Janeiro, por João Leal.
“Nós fomos concorrentes por algum tempo, até que começamos a perceber que as escolas compravam as duas plataformas”, conta Danielle, 37.
Hoje a Árvore é composta por 150 funcionários, sendo um sistema de leitura digital para instituições públicas e privadas, com o objetivo de potencializar a educação e formar cada vez mais leitores no Brasil.
Desde a origem, segundo a empresa, eles já impactaram 11 mil escolas em todos os estados do país, 220 mil educadores e 1,9 milhão de crianças — desde alunos do interior do Amazonas até estudantes de escolas de elite de São Paulo, como Avenues.
“Eu sou uma migrante no setor da educação”, brinca Danielle.
Isso porque antes de enveredar pelo segmento (e depois de se formar em administração pela Fundação Getúlio Vargas), ela trilhou durante uma década uma carreira no mercado financeiro e no mundo corporativo.
Até que, com o tempo, Danielle começou a se questionar sobre suas escolhas profissionais:
“Como eu posso estar insatisfeita se é uma coisa que vou fazer para o resto da vida?”
Trabalhando na General Electric, decidiu pedir demissão, sem ter nenhum projeto em vista. Passou seis meses estudando como empreender com propósito, de forma a fazer uma diferença na sociedade.
Nessa busca, Danielle se encontrou em 2014 com a educação, ao perceber um movimento na época ainda incipiente de levar tecnologia para dentro das escolas.
Para impulsionar os estudos da área, ela foi para os Estados Unidos ver o que as empresas de lá estavam fazendo.
Ao retornar para o Brasil, contratou uma freelancer designer e um desenvolvedor de software e montou um protótipo de uma plataforma de leitura digital para crianças: um aplicativo de leitura.
Danielle começou a bater de porta em porta nas escolas para apresentar seu produto em construção. O feedback positivo sugeriu que havia ali uma oportunidade:
“Comecei a desenvolver, na época [a ferramenta] se chamava Guten. Era uma plataforma de leitura digital no aplicativo e trazia atualidades com textos jornalísticos adequados para crianças”
Enquanto Danielle, em São Paulo, contratava desenvolvedores e buscava investimento, João Leal fundava, no Rio, a Árvore de Livros, ferramenta digital de livros/ebooks.
Assim como a sócia, ele é formado em administração. Mas ao contrário dela, sua família é empreendedora no ramo livreiro.
No passado, a mãe de João trabalhava como professora; o pai foi vendedor de enciclopédias, de porta em porta.
Hoje, o casal é dono de uma editora. E João, por sua vez, alimentava o sonho de impactar o mercado editorial no digital.
Ao constatar que as escolas compravam os dois produtos, em 2018, João e Danielle decidiram unir forças.
O objetivo era comum aos dois: oferecer uma educação mais engajadora no século 21 e formar alunos letrados digitalmente, com uma forma mais dinâmica de ensino. Danielle relembra:
“Nosso grande sonho é modificar e transformar a educação do Brasil. Então por que a gente não se junta e faz um sonho maior ainda?”
Um propósito que se justifica com um índice internacional. O Brasil aparece entre as 20 piores colocações no ranking do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), principal avaliação da educação básica no mundo.
Guiados pela vontade de mudar essa realidade, os dois reuniram suas empresas sob a mesma marca, a Árvore, com dois produtos: Árvore livro e o Árvore Atualidades.
No ano seguinte, 2020, o coronavírus chegou ao Brasil. Com a suspensão das aulas presenciais durante a pandemia, muitas escolas contaram com a Árvore para prosseguir sua rotina de estudos.
Mas essa transição digital não foi tão simples assim. Pelo menos não para todo mundo. A disparidade econômica falou alto, diz Danielle:
“O que acontece: poucas escolas estão muito bem estruturadas e muitas escolas ainda estão correndo atrás de pontos como tecnologia, infraestrutura e conectividade…”
Ou seja, a dupla de empreendedores tinha que lidar com os desafios do atendimento às escolas públicas. E como fazer isso?
No caso, a solução foi criar a funcionalidade que o aluno não precisa ter internet para ler. Ele pode baixar o livro na escola, vai para casa, lê no celular e na próxima vez que ele se conectar com a internet, os dados vão trafegar.
“Fizemos essas adaptações em termos de estrutura e de diferenciação socioeconômica”, diz Dani.
Não foram só as escolas que tiveram que se adaptar. A demanda cresceu e a Árvore precisou aprender a atuar remotamente, preservando a cultura da empresa.
“A gente se questionava: Nossos funcionários estão bem? Todos 100% [em trabalho] remoto? Gostamos desse toque humano, então ficar todo mundo em casa foi um baque no começo”
A adaptação no modo de trabalhar rendeu resultados. Hoje, os colaboradores ainda atuam de forma remota; há profissionais do Nordeste, Sul, Brasília e até Portugal.
Cuidar da cultura organizacional é um aspecto-chave para conquistar credibilidade junto às escolas e escalar o negócio, diz Danielle:
“É uma das nossas maiores forças, a gente trabalha para dentro e para fora com afeto. Isso em todas relações. Acreditamos na forma humanizada de trabalhar a tecnologia e servir o público escolar e o estudante”
Para fazer a empresa crescer, eles tiveram ajuda de parceiros, como fundos de impacto social que aportaram investimento nos anos iniciais.
“A gente se vê como uma ferramenta digital para ajudar os educadores”, diz Danielle.
Nas mãos de professores engajados, a plataforma se propõe a servir como um estímulo potente para fomentar o hábito da leitura entre os alunos. A Árvore também oferece suporte pedagógico aos professores, além de contar com relatórios de leitura.
Atualmente, o acervo dispõe de 30 mil títulos de mais de 1 000 editoras, como Companhia das Letras, Rocco, Nova Fronteira e Record.
Na ferramenta, os educadores alinham competências e habilidades seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ainda podem ser utilizados no planejamento escolar como suporte pedagógico para os educadores durante todo o ano letivo.
Segundo os sócios, a média de leitura dos alunos que utilizam a Árvore em 2020 foi de 5,2 livros, duas vezes maior do que a média nacional, que é de 2,5 livros por habitante, de acordo com os dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.
É o caso de 49 escolas municipais de São José dos Campos (SP). Desde 2018, o município conta com a plataforma que é usada por 11.200 alunos do 4º, 5º e 6º anos. O desafio era promover o acesso à leitura a milhares de alunos.
Além do digital, as escolas disponibilizam títulos no formato físico para leitura e empréstimos feitos nas salas de leitura das escolas, tudo para incentivar a leitura dos pequenos.
Para fomentar a leitura no Brasil, a Árvore se propõe a ser uma ferramenta que facilita e engaja alunos — e não uma “bala de prata”, ou solução definitiva dos problemas da educação.
Até porque são muitos os desafios da educação no Brasil, principalmente de um país que lê pouco. Aliás, quase 55% das escolas brasileiras não possuem uma biblioteca.
“Todo desafio de educação é resultado de um conjunto de variáveis e não é de uma coisa só. Por isso que é tão difícil discutir sobre como ‘resolver a educação’, são muitas coisas envolvidas”
Por isso, busca a democratização dos livros e conteúdos bons, diversos, com opções de 30 mil livros. E essa parceria acontece através de apoios institucionais e de parceiras firmadas com secretarias de Educação de estados e municípios.
Com isso, para ajudar nesse processo e não ser apenas uma plataforma, é necessário o engajamento. Logo, para entender os gostos do jovem leitor é usada a inteligência artificial que vai entendendo quais os livros que está clicando.
Ou seja, é um algoritmo de recomendação que vai personalizando opções para cada criança, para aumentar a probabilidade de eles lerem.
Outro ponto envolvido é a gamificação na plataforma.
A interface mostra uma floresta que a criança deve irrigar: quanto mais ela lê, mais gotas de água ela vai acumulando. Se, ao contrário, o usuário deixa de entrar na plataforma, a floresta para de crescer.
“O que é o intuito da gamificação? Que a gente gera o hábito de leitura, que o aluno leia um pouquinho todos os dias”
Recentemente, a empresa conquistou — pela sétima vez consecutiva, segundo Danielle — o reconhecimento como software educacional mais lembrado do Brasil, vencendo o prêmio Top Educação.
A meta da Árvore é chegar em 10 milhões de estudantes impactados. Dobrando de tamanho a cada ano, não deve demorar para que esse sonho vire realidade.
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