Com o lema de “empoderar advogados”, a Lexter.AI promete tornar mais eficiente a rotina atribulada da categoria. A ferramenta mistura inteligência artificial, modelos de linguagem e um amplo banco de dados com o que há de mais atual na legislação brasileira, facilitando a elaboração de petições, contestações e outras peças jurídicas.
Fundada em 2020, a empresa recebeu um aporte de 3 milhões de reais da Canary antes mesmo de possuir um CNPJ. Também foi acelerada pela Y Combinator e tem investidores como Grão VC, Alexia Ventures, Norte e Endeavor Scale Up. A última rodada de captação, no início deste ano, foi de 16 milhões de reais.
“Tem um antes e um depois da Lexter no mercado jurídico”, diz o CEO Pedro Jahara, cofundador da lawtech, deixando a modéstia de lado. E afirma:
“Nossa missão é impactar os advogados para transformar a vida deles. Quero ajudar esses profissionais a conseguirem atender melhor seus clientes, de maneira mais eficiente, fortalecendo o relacionamento”
A Lexter.AI atua hoje como uma plataforma SaaS, entregando sistemas e aplicativos para a internet, com dados que ficam armazenados em nuvem. Aos clientes, é oferecido um “cardápio” de assinaturas, que variam entre R$ 0 (sim, gratuita) e 299 reais mensais (100% personalizável).
Entre os grandes escritórios que utilizam as tecnologias da empresa para automatizar as atividades do cotidiano o empreendedor cita Mattos Filho, Demarest, BMA Advogados, Cescon Barrieu, TozziniFreire e Lobo de Rizzo.
As assinaturas dão direito a créditos para criar um número determinado de peças processuais por mês, a depender da modalidade escolhida.
A inteligência artificial entrega documentos assertivos, profundos e formatados, sem as chamadas “alucinações” (quando as informações parecem coerentes, mas são incorretas — risco enorme para a advocacia).
Jahara alerta que o modelo “sempre vai ter algum grau de erro”, mas que a inteligência artificial não promete a perfeição:
“Não é essa proposta. Ela resolve o problema da página em branco: te dá o primeiro rascunho para você construir em cima. Só que esse rascunho é impressionante”
Isso, segundo ele, graças a uma equipe que se dedica a revisões constantes, à luz das melhores técnicas do mercado.
Jahara não é um empreendedor de primeira viagem — e foi dessa experiência que teve a ideia para fundar a lawtech.
Formado em engenharia de produção por um lapso de rebeldia (filho de um desenvolvedor de softwares, escolheu a área só para não seguir a carreira do pai), fundou a rede de anúncios para celular Revmob em 2013.
“Como era uma rede, tinha que maximizar a taxa de anúncio, então em 2013 comecei a trabalhar com algoritmos para maximizar a taxa de conversão”, diz Jahara. E prossegue:
“Na época a gente chamava de estatística, depois que passou por um rebranding e chamamos de machine learning e agora veio esse novo rebranding chamando de IA. No fundo, é tudo estatística”
O que importa mesmo é que ele se encantou pelos algoritmos. Em 2016, vendeu a participação para fundar a Beluga, uma plataforma de análise de dados para previsão de demanda automática e detecção de anomalias voltadas para o e-commerce, que chegou a ter clientes como Carrefour, Elo e Sanofi.
No fim de 2017, porém, a empresa se tornou uma consultoria de business intelligence e o caixa acabou apertando.
“Tivemos um corte gigante na empresa, foi o pior dia da minha carreira. Mas em meio a essa super pressão, consegui ter o ok da Elo para fazer o primeiro projeto que iria manter a empresa operacional. Faltava ‘só’ assinar o contrato”
Esse “só” levou mais de 90 dias. “Minha empresa ia falir, já tinha o gestor da área disposto a me contratar, esse contrato salvaria a empresa e estava parado no jurídico.”
Em 2019, sentindo-se frustrado com a falta de escalabilidade do negócio, Jahara encerrou as operações.
Com a confiança abalada, ele passou os meses seguintes pensando nos próximos passos.
Chegou a trabalhar na Letros, uma startup que revisava redações do Enem. Responsável por estruturar a equipe de IA, ele diz ter ficado cada vez mais impressionado com o ramo de processamento de linguagem natural (NLP, na sigla em inglês), que trouxe a lógica dos algoritmos numéricos para texto.
“Como sou empreendedor há muitos anos, sempre lidei com advogados”, diz Jahara. “E me incomodava o alto preço, a demora na entrega.”
“É claro que minha cabeça de engenheiro não entendia a complexidade, mas quando comecei a me debruçar nessa questão, percebi que grande parte do trabalho dos advogados envolve texto. E pensei que daria para unir os dois mundos”
Conversando com Rafael Mendes, que queria investir em uma startup da qual Jahara já era investidor anjo, ele recuperou a confiança. “Ele se empolgou, era uma pessoa super bem conectada, apresentou para outras pessoas e todos se empolgaram, queriam testar”, diz.
Jahara decidiu então ligar para a Canary e sondar. “Por conta da Revmob, eu tinha bons contatos. Eles me falaram que nunca tinham investido em algo parecido e que se eu fizesse, eles investiriam.”
Ele estava diante do cenário perfeito, com pessoas do mercado interessadas na ideia e o venture capital prometendo investir.
“Por sorte do destino, meus sócios tinham acabado de falir a empresa que fundaram e estavam buscando o que fazer. Eles disseram que se eu conseguisse o funding, eles topariam”
Os sócios — Guilherme Delai, Daniela Labella, Lucas Kawazoi e Pedro Calderón — já eram conhecidos das experiências anteriores. Para completar a equipe (formada ainda por programadores), Jahara convidou Jean Peguim, advogado indicado por um amigo em comum.
O CEO montou o pitch e conseguiu o financiamento (além dos sócios). “Não é qualquer um que consegue funding no power point. Se não fosse a Canary, o Rafael, eu não teria coragem de começar outra empresa.”
Com a confiança recuperada e dinheiro em caixa, a empresa recém-criada estava pronta para enfrentar o primeiro desafio: tirar o negócio do papel.
“Quando a gente começou, ainda não tinha tecnologia suficiente para fazer o tanto que é possível hoje”, diz, referindo-se a uma era pré-Chat GPT.
A equipe tinha meios para aplicar a inteligência artificial na leitura e classificação de textos, mas queria mais. Passou então a pesquisar possibilidades e a fazer um extenso benchmark. Logo uma dificuldade apareceu: treinar o algoritmo, garantindo a proteção dos dados.
Superada essa etapa, Jahara conseguiu parcerias com empresas para que elas compartilhassem dados que pudessem treinar os algoritmos. Em troca, a promessa de descontos e benefícios quando o produto fosse efetivamente lançado, o que de fato aconteceu.
“Os departamentos jurídicos têm dados muito sensíveis e essa era de longe a maior preocupação: provar que éramos confiáveis para guardar as informações”
O primeiro produto criado, uma ferramenta de revisão de contratos de negociação, voltada ao setor empresarial, acabou não indo adiante — apesar dos resultados interessantes junto a clientes como Gerdau, Suzano e Braskem.
“Depois de um ou dois anos, não acreditamos que essa seria a tese que poderia nos proporcionar um crescimento acelerado.”
O que realmente pegou tração foi a ideia de um produto de diligência para pequenos e grandes escritórios de advocacia, e que também beneficiaria os advogados autônomos. A iniciativa automatizava as análises de grandes volumes de documentos, que, sem a ferramenta, demoraria semanas.
O serviço teve sucesso e foi aí que os grandes clientes começaram a chegar.
Até que, em 2023, a chegada do GPT4 e o avanço nos modelos de linguagem despertaram uma antiga pulga atrás da orelha: a tecnologia poderia tornar possível democratizar o acesso ao direito, tornando o serviço para o consumidor mais ágil e mais barato.
“Setenta por cento do mercado brasileiro é composto por advogados autônomos ou pequenos escritórios. E nosso produto inicial não atendia esse público”
A solução foi ter um produto voltado para os grandes escritórios e criar outro para os outros 70%: surgia o assistente Lexter.
Mesmo quando ainda era apenas uma ideia inicial, Jahara teve a ideia de apresentá-lo na Fenalaw, uma das maiores feiras do setor do Direito. “A gente não levou panfleto, nada. Tínhamos um MVP e alguns computadores.”
Apresentando uma “demo” aos visitantes, quase mil se interessaram e se cadastraram em uma espécie de lista de espera para quando o produto fosse efetivamente lançado, o que ocorreu em março deste ano.
“Aí foi que a gente falou: ‘Nossa senhora, acho que temos alguma coisa aqui. Vamos transformar o nosso MVP num produto’”
Para quem tem dúvidas sobre a economia de tempo, os escritórios de advocacia que incorporaram a Lexter.AI em suas tarefas diárias estimam que um documento que antes levaria um dia e meio para ser produzido hoje fica pronto em meia hora.
Jahara afirma que a expectativa é de que a empresa encerre este ano com faturamento quintuplicado. “Nosso foco é em estabelecer um crescimento intenso, porém sustentável no longo prazo.”
Hoje em dia, segundo o empreendedor, “todo advogado acorda pensando em inteligência artificial, mesmo que com opiniões diversas”:
“Um pensa que é super legal e vai mudar o mercado; outro pensa que não funciona; outro pensa que, se a pessoa souber utilizar as ferramentas, vai conseguir se destacar ainda mais… As reflexões são muito interessantes”
Este, aliás, é um dos desafios que a empresa ainda enfrenta: convencer que o fator humano ainda é importante na equação jurídica.
Para afastar a ideia de que a inteligência artificial vai substituir alguém ou alguma profissão, a Lexter.AI lançou em julho deste ano uma certificação online para capacitar profissionais do direito sobre as melhores práticas tecnológicas.
As 27 aulas divididas em quatro módulos abordam temas como a automação das tarefas jurídicas e otimização da rotina.
“O que a gente traz é uma ferramenta para aquela tarefa manual que a pessoa já não quer fazer. Ela vai ganhar eficiência na tarefa e, com isso, se tornar bem mais estratégico, entregando um serviço muito melhor na ponta, para o cliente.”
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