Que tal um snack de grilos para o lanche da tarde? Entenda por que um dia você ainda vai incorporar insetos na sua alimentação

Luiz Filipe Carvalho - 1 dez 2021
Luiz Filipe Ribeiro Maia de Carvalho, fundador da Hakkuna.
Luiz Filipe Carvalho - 1 dez 2021
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Segundo a ONU, até o ano de 2050 seremos quase 10 bilhões de pessoas no mundo. Com isso, é esperado um crescimento de 70% a 88% na demanda de proteína animal.

Calcula-se que entre 2015 e 2065 a humanidade terá de produzir mais alimento do que nos últimos 10 mil anos… Para alimentar a todos nos padrões atuais, precisaremos repensar a agricultura e nossos hábitos alimentares, além de aumentar nossa produção de carnes em 50% e a produção agrícola, em 70%.

Diante deste cenário, para evitar um colapso na agropecuária e na alimentação, será necessário diversificar as fontes de proteína.

A criação de insetos necessita de água, alimento e espaço insignificantes se comparados à pecuária tradicional. Ou seja, é uma opção sustentável para esse problema. É por isso que eu fundei a Hakkuna, que busca desbravar esse mercado no Brasil.

OS INSETOS CONSOMEM MENOS ÁGUA E EMITEM MENOS CO2 DO QUE OS ANIMAIS

Se você ainda não ouviu falar de uma dieta à base de insetos, saiba que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) recomenda seu uso na alimentação humana como fator de segurança alimentar.

E não é só uma questão de sustentabilidade. Se compararmos os valores nutricionais, os insetos desidratados apresentam mais proteína que animais como boi, porco, frango e peixe. Grilos in natura têm quantidade semelhante de proteínas na comparação com esses animais, chegando a 25%. Desidratados, podem apresentar até 65%

(Nesse mesmo estudo da FAO linkado acima, você pode conferir — na página 69 — uma tabela com essa comparação dos níveis proteicos de diferentes insetos e animais.)

Além disso, a maioria dos insetos produz baixa quantidade de gases do efeito estufa e necessita de muito menos espaço para criação.

Em 2011, a produtividade média de carne bovina no Brasil era de 54 quilos por hectare/ano. Na mesma área e mesmo intervalo de tempo, pode-se produzir até 250 toneladas de grilos, ou cerca de 4,5 mil vezes mais proteína equivalente.

Os grilos também necessitam de muito menos água. A produção de 1 quilograma de carne bovina demanda 17 mil litros d’água, ao passo que 1 quilograma de insetos necessita somente de 8,5 litros — ou quase 2 mil vezes menos.

Finalmente, devido ao sangue frio, os insetos conseguem converter alimentos em proteínas de forma mais eficiente que animais de pecuária tradicional. Por exemplo: com 12 vezes menos alimento, os grilos produzem a mesma quantidade de proteína que gado bovino.

OS GRILOS SÃO ALTAMENTE NUTRITIVOS, COM 12 VEZES MAIS B12 DO QUE O SALMÃO

A inserção de proteína de insetos é ainda uma opção saudável considerando a riqueza em vitaminas e minerais. Ademais, esse alimento não possui glúten ou lactose e é uma fonte proteica com alto valor biológico, já que tem todos os aminoácidos essenciais — aqueles que o nosso corpo não produz e que devem ser obtidos através da alimentação.

Os grilos desidratados e sua farinha (o mesmo ingrediente, só que triturado) têm até 70% de proteína de alto valor biológico e são muito versáteis, podendo ser usados para substituir carboidratos em alimentos frequentemente pouco proteicos, como granolas, massas e pães, por exemplo, sem a necessidade de adição de conservantes (os grilos desidratados podem durar até um ano com bom armazenamento).

O ingrediente também pode ser utilizado como pó de proteína em shakes de atletas. Pode-se ainda substituir frações de farinhas vegetais (como a de trigo) pela farinha de grilos, aumentando o teor proteico dos alimentos

Outra vantagem é que a farinha de grilos tem grandes quantidades de vitaminas, minerais e gorduras boas, como a vitamina B12 (12x mais que o salmão), ferro, zinco e ômega 3.

UMA BOA PEDIDA PARA AJUDAR NA FORMAÇÃO MUSCULAR DE ATLETAS

Recentemente foram divulgados dois estudos que mostram potenciais interessantes quanto ao uso de insetos como suplemento para humanos.

Um primeiro estudo clínico randomizado holandês, publicado na revista The American Journal of Clinical Nutrition, comparou o uso de proteína de insetos ao da proteína do soro do leite (whey protein) para a recuperação muscular de atletas. E alguns resultados foram muito promissores.

Constatou-se uma rápida digestão de proteínas, rápida absorção de aminoácidos, um aumento na taxa de síntese proteica e que não há diferenças nesses parâmetros comparando-se proteína de insetos ou de leite

A conclusão desse estudo foi de que insetos podem ser uma fonte viável e de alta qualidade de proteína para humanos.

OS INSETOS TAMBÉM SÃO FONTE DE BIOATIVOS E DE MACRO E MICRO NUTRIENTES

Um segundo trabalho, de cientistas alemães, foi publicado no Journal of Food Bioactives e investigou o uso de insetos como fontes de compostos bioativos na alimentação e seus potenciais efeitos na saúde.

O resultado? A pesquisa mostrou que o valor nutricional de muitas espécies de insetos é equivalente — e muitas vezes superior — ao de outras fontes de proteína animal.

A partir de estudos in vitro e em animais, observou-se que existem potenciais efeitos saudáveis para o sistema cardiovascular, trato gastrointestinal, problemas metabólicos como obesidade e diabetes tipo-2, funções imunológicas e prevenção de câncer

Segundo o estudo, os insetos podem ser uma fonte promissora de macro e micronutrientes, assim como de compostos bioativos, sendo efetivos no uso como suplementos e alimentos funcionais para diversas finalidades.

ATÉ 2023, O MERCADO DE ALIMENTOS À BASE DE INSETOS DEVERÁ VALER MAIS DE US$ 1 BILHÃO 

Alimentos baseados em insetos estão sendo cada vez mais consumidos na Europa e nos EUA, levando ao crescimento das empresas por trás desses produtos.

Em 2014, por exemplo, a norte-americana Exo Protein, uma das pioneiras em utilizar farinha de grilo como ingrediente em barras de proteína para atletas, vendia 50 mil unidades do produto por mês e tinha seus produtos presentes em mais de 200 lojas, inclusive na Amazon. Isso há sete anos!

Recentemente, a empresa foi adquirida por outra gigante do setor, a Aspire, que levantou mais de 21 milhões de dólares de investimentos para melhorar tecnologia de criação de insetos. (Por sua vez, a concorrente Chapul pôs seus produtos a venda em mais de 500 lojas em 2017.)

Segundo a consultoria Meticulous Research, o mercado de insetos comestíveis valia 406,3 milhões de dólares em 2018 — e a projeção é triplicar esse valor até 2023

O Brasil já é um grande celeiro de proteínas para o mundo. Acredito que temos todas as condições de ser também um celeiro de proteína de insetos, pelo clima extremamente favorável para a sua criação e a abundância de recursos naturais. 

TIVE A IDEIA DA HAKKUNA ENQUANTO BUSCAVA PROTEÍNAS MAIS NATURAIS PARA MEUS TREINOS

Por isso, resolvemos antecipar essa tendência com a Hakkuna, empresa que fundei com o objetivo trazer para o brasileiro essa nova fonte de proteína.

A proposta de valor é entregar proteína de insetos e alimentos proteicos (com garantia da procedência da proteína de alto valor biológico), naturais, saudáveis e produzidos de maneira ambientalmente mais sustentável.

A ideia surgiu no final de 2015. Sempre pratiquei muitos esportes e na época comecei a buscar fontes de proteína mais naturais para a minha dieta. Pesquisando na internet, me deparei com a Exo Protein. Fiquei intrigado com a ideia e comecei a procurar algo semelhante no Brasil. Não encontrei nada.

Então, adquiri um curso de criação online de insetos, algumas matrizes de grilos… E comecei a criá-los em casa. Chamava alguns amigos para experimentar grilos fritos; geralmente, depois de muito pensar, eles comiam — e achavam gostoso

Um dia triturei alguns grilos, busquei na internet uma receita de granola e preparei um pouco. Acabei levando o produto para algumas lojas de suplementação, de produtos naturais, box de crossfit e academias.

A recepção do produto foi muito boa e naquele momento vi que isso tudo poderia virar um negócio.

HOJE, ATENDEMOS O MERCADO DE PET FOOD E DE SUPLEMENTOS PARA HUMANOS

A intenção inicial da Hakkuna era ser uma marca de alimentos proteicos baseados em insetos. Porém, percebi que no Brasil o acesso à matéria-prima ainda era muito restrito.

Temos poucos criadores e as criações são muito pulverizadas… A importação da matéria-prima torna o negócio financeiramente inviável, já que hoje a farinha de grilo mais barata encontrada no mundo vem da Tailândia, a cerca de 18 dólares o quilo.

Vi, então, que precisávamos criar nossos próprios insetos. E, junto com a ajuda da FAPESP, desenvolvemos tecnologia para isso.

Embora a criação de grilos em uma escala pequena seja relativamente simples, escalar essa produção para um nível industrial requer novas tecnologias e estudos. É para esse lado que a Hakkuna está avançando

A empresa trabalhou junto à Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP, e está focada em desenvolver essa tecnologia de criação de grilos em massa. Para isso, contamos com um time excelente e dois especialistas no assunto: o biólogo Murilo Gustinelli e o engenheiro agrônomo Marcelo Teixeira, ambos com grande experiência na criação de insetos.

Hoje, a Hakkuna busca recursos para expandir a criação e suprir a necessidade de alguns clientes parceiros interessados na matéria-prima, nos segmentos de pet food e suplementos para humanos.

Estamos operando em menor escala para melhorar a tecnologia de criação dos grilos e realizando testes com essas empresas parceiras para, em breve, dar acesso aos nossos produtos ao mercado como um todo. Para o futuro, queremos expandir nossas biofábricas e ser referência no Brasil e no mundo quanto à criação de insetos para alimentação.

Buscamos também parcerias para desenvolvimento de novos produtos e logo mais vamos lançar barras e shakes de proteína, granolas e macarrão, entre outros produtos à base de insetos.

Tudo isso ainda soa estranho para você? Não fique grilado, junte-se a nós!

 

Luiz Filipe Ribeiro Maia de Carvalho é mestre em Engenharia de Materiais formado pela UFSCar. Foi engenheiro trainee na Dow na área de vendas técnicas. Ao fim do programa, pediu demissão para seguir o seu sonho de empreender. Hoje, é um dos fundadores da Hakkuna.

 

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