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“Os escritórios não vão desaparecer, acredito no modelo híbrido. Na Sodexo, vai ser #vaiquemquer”, diz VP de marketing e inovação

Cláudia de Castro Lima - 25 set 2020
Para Fernando Cosenza, o home office forçado que estamos fazendo mostrou que pode ser eficiente, mas que a interação faz falta. A solução? Descentralizar a estrutura, com pequenos núcleos espalhados pela cidade, para o colaborador socializar, mas não perder duas horas no trânsito
Cláudia de Castro Lima - 25 set 2020
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O executivo Fernando Cosenza, como boa parte de nós, está trabalhando de casa há mais de seis meses, quando o isolamento social imposto pelo Coronavírus foi decretado.

Desde então, tenta seguir um ritual: sempre que pode, vai caminhando até um restaurante localizado a um quarteirão e meio de sua casa para buscar seu almoço, simulando o horário de refeição do escritório. Quando volta com os pratos, senta-se para comer com a mulher e aproveita para conversar e trocar ideias. Durante o expediente, faz algumas pausas para tomar café ou água.

“Fake it until you make it”, ele diz, brincando com a expressão muito usada no mundo dos negócios que sugere que finjamos algo até conseguirmos aquilo de fato.

“Pessoalmente, sou um gestor que valoriza muitíssimo a interação social, que até se faz por vídeo, mas não é igual”, ele afirma.

E diz que costuma pedir para a equipe que finja que está em Alphaville, na Grande São Paulo, no escritório da Sodexo Benefícios e Incentivos, onde ele é Vice-Presidente de Marketing Estratégico, Inovação e Digital. “Nós precisamos disso. Eu, pelo menos, preciso muito dessa interação.”

Fernando Cosenza, o VP de Marketing Estratégico, Inovação e Digital da Sodexo

Por isso Fernando acredita que o escritório não vai morrer. O que ele precisa é, sim, ressignificar-se. Executivo que veio do meio acadêmico, pesquisador da inovação, ele afirma: “Nos últimos 20 anos, a gente ensinou, evangelizou que inovação nasce da interação pessoal”. Acontece que nossa experiência de home office forçada mostrou que esse método tem, sim, vantagens. Qual a solução?

“Em alguns momentos, quando o colaborador precisar de uma interação mais intensa, o escritório está lá, e ele serve para isso”, diz.

“Nosso presidente tem dito que o modelo vai ser escritório #vaiquemquer.” Mais do que no anywhere office, Fernando diz apostar no hybrid office: núcleos descentralizados, em vários locais da cidade, mais perto das casas dos trabalhadores.

É sobre isso e sobre a retomada do trabalho presencial que ele fala nesta entrevista.

Como tem sido a experiência de home office para você e sua equipe?
Tem sido boa. Claro: saímos de um escritório, onde tínhamos controle sobre coisas como conforto acústico, para um contexto de home office em que não podemos controlar as reformas que acontecem no andar de cima no meio do expediente. Brinco que a gente foi de um cenário de um escritório com 600 pessoas para 600 escritórios. Então tudo se multiplicou em termos de complexidade nesse aspecto físico. Apesar disso, acho que o ponto mais importante é a questão da liderança em um contexto remoto extremo.

Nos últimos 20 anos, nós, líderes e gestores, fomos treinados, evangelizados para sermos mais próximos da equipe, mais humanos, mais presentes, para conversar olho no olho, para tomar café, chamar para almoçar. E agora?

O home office, embora já existisse na Sodexo, era um dia por semana por colaborador, tudo combinadinho com o gestor para que não houvesse um dia em que 60% da população estivesse fora. E, de repente, 100% da população está fora, ao mesmo tempo e por seis meses. É uma coisa muito grande, não é? A despeito disso tudo, as coisas funcionaram bem. Fazemos avaliação constantemente e verificamos que não houve perda de produtividade, não houve perda de qualidade, a gente conseguiu tratar questões pontuais de forma pontual, ofereceu soluções de exceção para quem precisou e a gente se adaptou em termos de processos – por exemplo, hoje assinamos quase todos os documentos de forma eletrônica. No fim, a análise é que a gente está bem.

Isso quer dizer que o escritório não fez falta?
Estar bem até agora não significa que a gente vai estar bem para sempre. Pessoalmente, sou um gestor que valoriza muitíssimo a interação social, que se faz por vídeo, mas não é igual. A gente tentou compensar quase tudo: faz cafezinhos virtuais, toma cerveja virtual no fim do dia, faz happy hour virtual. Hoje de manhã fizemos uma reunião geral da área de marketing, 100% virtual, com palestrante externo, com debate, e pausa para o café no meio, com bate-papo paralelo, tentando emular. Até usei esse termo: “Vamos emular, gente, vamos fingir. Fake it until you make it, ou vamos fingir que a gente está junto lá no nosso escritório em Alphaville, que tem pãozinho de queijo na mesa e que no intervalo nós vamos bater papo sobre o futebol de ontem à noite”. Nós precisamos disso. Eu, pelo menos, preciso muito dessa interação.

Você sentiu, por parte de sua equipe, alguma nova demanda nesse modelo de home office?
Tenho um time de seis pessoas que reportam direto para mim e que são gerentes e diretores. Eles é que lidam mais diretamente com um volume maior de pessoas. Tem uma frase do Simon Sinek [autor e teórico de inovação e empreendedorismo], que é constrangedora de tão verdadeira: “Líderes não são responsáveis pelos resultados. Líderes são responsáveis pelas pessoas que são responsáveis pelos resultados”.

O meu foco são os clientes. Eu não cuido deles, mas cuido de pessoas que cuidam de pessoas que cuidam dos clientes.

É uma frase forte, para a chacoalhar a gente. Mas tudo isso para dizer que acho que nós nos antecipamos. Antes de ser cobrado, cobrei muito dos meus diretos, que são gestores de equipe, para que se antecipassem, marcassem os cafezinhos. E eu fiz isso também. No começo do isolamento social, em março, a gente chegou a ser chato. Tinha gente que falava: “Pelo amor de Deus, eu estou aqui, tenho o que fazer, me deixa trabalhar”. Mas era a nossa preocupação de se antecipar em acompanhar aquela situação dos 600 escritórios. Como faço para saber se a temperatura está legal em cada um deles, se não tem barulho, se está limpo? Hoje nós não fazemos mais cafezinho virtual dia sim, dia não. A gente faz quando realmente precisa, mais com as pessoas que demonstraram mais necessidade. Mas a diretriz para os gestores era: se antecipe, traga as pessoas para perto virtualmente. Diga em alto e bom tom: “Estou aqui para você, você está precisando? Como está sua situação? Seu ambiente está minimamente adequado?”

Você já disse que não acredita que o escritório vá morrer. Por quê?
Minha origem como executivo é na inovação. Tive uma carreira acadêmica até que resolvi fazer a virada, meio na contramão, para o chamado mundo corporativo, e fui trabalhar com inovação na fronteira entre a ciência e o negócio. Comecei gerenciando a relação entre empresa e universidade, porque eu vinha da universidade, tinha feito doutorado. Me acharam lá: “Esse cara consegue falar os dois idiomas”. E, de novo, nos últimos 20 anos, a gente ensinou, evangelizou que inovação nasce da interação pessoal – não é à toa que existe o Silicon Valley, onde se colocou todo mundo no mesmo lugar, empresas grandes, empresas nascentes, universidades, órgãos de fomento e incentivo, de financiamento, tudo junto. Acho que é hora de a gente parar e pensar: ok, ainda bem que não foi um colapso até agora, mas como vai ser? Minha opinião e a opinião da diretoria da Sodexo é que os escritórios não vão desaparecer. Nós já decidimos que o nosso vai estar lá para quem quiser.

Como vai ser esse modelo?
É claro que a situação não é igual à de antes, vimos vantagens no modelo remoto. Sabemos, por exemplo, que podemos contratar um profissional, desde que a função permita o trabalho 100% remoto, que pode estar em Florianópolis ou em Portugal. Abriu-se essa possibilidade. No entanto, em alguns momentos, quando ele precisar de uma interação mais intensa, o escritório está lá, e ele serve para isso.

Nosso presidente tem dito que nosso modelo vai ser escritório #vaiquemquer.

É claro que os líderes vão construir processos e dinâmicas e até uma cultura em que o escritório sirva ao negócio, e não o contrário. Agora, não é nem 8 nem 80. Não é fechar escritório e achar que as pessoas vão trabalhar de casa, 100% do tempo, mas também não é achar que nada mudou.

Os escritórios foram mudando nos últimos anos e viraram ambientes compartilhados. É preciso ressignificá-lo?
Nas últimas décadas, os escritórios foram perdendo as paredes, foram se transformando em grandes espaços abertos. E para quê? Justamente para as pessoas ficarem mais próximas, interagirem, trocarem e colaborarem mais. Só que, sem parede, a gente foi colocando mais gente por metro quadrado. Os escritórios então se tornaram bastante densamente ocupados. Hoje, pensamos que talvez nós vamos precisar de mais salas, porque não vamos usar o escritório para trabalhar de forma individual e concentrada. Se amanhã eu tiver que preparar uma apresentação para o board da empresa, um PowerPoint, que é algo que exige que eu sente no meu computador, me concentre e faça, eu não preciso ir para o escritório. Mas se meu colega não consegue fazer isso de casa porque tem três crianças em fase de brincar loucamente, um vizinho em cima fazendo reforma, aí ele vai para o escritório. O papel do escritório, mais do que nunca, é servir às pessoas e à empresa.

Mas você acha que essa experiência que estamos tendo pode ser considerada uma experiência de home office de fato?
Nós não estamos em home office. Nós estamos em isolamento social. É muito diferente. E a retomada está sendo gradual. Hoje, por exemplo, fui almoçar em um restaurante aqui perto de casa porque ele reabriu, com capacidade reduzida, janelas abertas. Durante algum tempo, quando nenhum restaurante abria, a alternativa era pedir a comida mesmo. Sempre optei por ir buscá-la, porque pelo menos eu parava um pouco, caminhava um quarteirão e meio. Minha esposa também está fazendo home office, então, sempre que conseguimos, almoçamos juntos.

Não é fácil, mas a gente dá uma forçada, porque o home office deveria ser trabalhar de casa da forma mais semelhante possível ao trabalho no escritório.

Esse foi meu objetivo e acho que é o que todos deveriam, dentro de suas possibilidades, tentar fazer. Essas pausas são fundamentais. Há toneladas de pesquisas internacionais mostrando como a produtividade dá saltos quando você faz paradinhas. Nós precisamos disso e não temos isso porque o restaurante está fechado ou porque as crianças estão em casa. E esse break não é um break de fato. Quando nós tivermos efetivamente um modelo novo, híbrido, acho que as empresas vão ter que refletir muito bem sobre essa questão. Algumas já estão fazendo, como o JP Morgan, que já convocou as pessoas para voltar para o escritório porque sentiram um esgotamento da produtividade, uma tensão entre os colaboradores. O que eu estou querendo dizer é o seguinte: para trabalharmos de casa é preciso uma mudança mais profunda do que simplesmente mandar uma cadeira de escritório para a casa do funcionário e pagar a internet dele. Talvez a coisa seja mais complexa. E daí é que eu acredito tanto nos modelos híbridos.

Como seriam esses modelos híbridos?
Uma das grandes vantagens desse home office forçado que a pandemia nos impôs, especialmente para nós, paulistanos, foi não precisar lidar mais com o trânsito. Mas ela veio com outras desvantagens, como já falei. Acho que uma saída para isso são os coworks menores nos bairros residenciais. Por que eu, como empresa, não posso ter posições ou núcleos pelos quais eu pago por demanda, em coworks ou qualquer outro tipo de infraestrutura comercial, nos quais meu colaborador possa chegar, plugar seu notebook e trabalhar a três, quatro, cinco quarteirões da casa dele? Ou a dez minutos de trânsito, mas não a duas horas de trânsito. É uma forma de a gente preservar a vantagem de trabalhar remotamente, mas também conseguindo socializar, tendo noção da hora e sem misturar coisas que não deveriam se misturar. Tenho lido sobre o anywhere office, mas acho que é mais para o hybrid office. E tem que partir das empresas esse entendimento mais sofisticado do que é essa nova experiência do colaborador no aspecto físico – e que traz, com ele, outras coisas, como a questão do modelo de liderança remota. Bom, mas essa é a minha visão pessoal. Na Sodexo, já concordamos que o novo modelo levará em conta a necessidade real de cada colaborador estar fisicamente no escritório para cumprir o seu trabalho. Uns vão entender que precisam estar; outros, que não precisam.

E estamos no momento de retomar as atividades presenciais?
Para nós, não é o momento de voltar. Mas essa é a nossa situação. Como eu disse, somos uma empresa razoavelmente pequena em termos de número de funcionários, 600, e praticamente todas as funções podem ser feitas de forma remota. É diferente de um dentista, ele não pode atender pelo Teams, pelo Zoom. Um operário não faz o trabalho dele se ele não for para a fábrica. Acima de tudo, eu acho que não tem receita pronta. No nosso caso, a gente avaliou assim: estamos bem? Estamos. Produtividade? Sob controle. Os clientes estão bem? Sim. Reforçamos nossos canais de comunicação com o cliente, levantamos as antenas mais ainda para capturar qualquer ruído, por menor que fosse, da melhor forma possível, o mais rápido possível.

Foi uma decisão baseada em dados e fatos, e concluímos que não compensava colocar as pessoas em um risco que hoje elas não têm.

Porque uma parte da nossa população usa transporte coletivo, outra parte usa nosso transporte privado, que também é coletivo. A pandemia não está resolvida, ainda não tem vacina, o Brasil ainda é um país que tem números inaceitáveis de mortes, com a média móvel que teima em cair muito devagar. Outras empresas podem ter avaliado diferente, porque o cliente está descoberto ou as pessoas estão surtando. Mas nós decidimos que este ano a gente não volta. Em janeiro vamos reavaliar.

Como vai ser esse espaço de trabalho na retomada presencial?
Talvez o escritório seja mais amplo em termos de distanciamento entre as pessoas, com mais salas, que vão servir àqueles momentos de maior interação, com mais ambientes de socialização. Somos uma empresa de qualidade de vida, uma empresa de employee experience. Temos alguns espaços de convivência, uma cobertura com churrasqueira, local para happy hour, um andar todo para reuniões, workshops, brainstorm e debates, e paredes e paredes para pregar post-its. A gente acha que isso vai continuar existindo. Nessa história de retomada do trabalho presencial nossa máxima é a do “people first”. Pessoas primeiro e todo o resto vem depois. Até porque, se as pessoas falharem, não tem negócio, não é?

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