Esqueça o mingau da vovó: a Nude. quer mudar o mundo por meio do leite vegetal de aveia. A começar pelo seu café da manhã

Dani Rosolen - 4 ago 2021
Alexander Appel e Giovanna Meneghel, o casal à frente da Nude., foodtech de leite à base de aveia.
Dani Rosolen - 4 ago 2021
COMPARTILHE

Quando você ouve ou lê a palavra nude, o que te vem à cabeça? Calma, não é o que você está pensando. Para a Nude. (com ponto final mesmo), o nome indica um conceito-chave do propósito que move a marca de leites vegetais à base de aveia orgânica: transparência.

“A gente acredita em uma nova geração de marcas que sejam realmente transparentes com o consumidor — e também com o clima”, diz Giovanna Meneghel, 35.

Ela e o marido, Alexander Appel, 33, são os fundadores da foodtech, a primeira da América Latina a produzir um leite plant-based carbono neutro e calcular sua pegada de carbono, expondo os números nas embalagens.

Mas, voltando ao nome… Trata-se também de uma brincadeira com a vontade dos sócios de tornar a aveia um alimento “sexy”. Ou, nas palavras de Alexander:

“Queremos desvincular a aveia daquela imagem do mingau da vovó”

Com menos de um ano de operação, a Nude. já ganhou selo de empresa B, certificados de produto orgânico e de leite vegano (pela Sociedade Vegetariana Brasileira) e até uma “menção honrosa” da Fast Company na lista World Changing Ideas 2021.

ELES QUERIAM EMPREENDER, SÓ NÃO SABIAM QUE ERA COM LEITES VEGETAIS

A família de Giovanna é dona da SL Alimentos, que comercializa cereais de inverno (entre eles, a aveia). Ela, porém, trilhou seu próprio caminho. Cursou direito e enveredou para a moda, trabalhando em empresas como ICOMM Group (fusão dos e-commerces Shop2gether e OQVestir) e para estilistas, inclusive Alexander McQueen e Carlos Miele.

Em 2012, fundou uma startup de moda, a Editeur, que catalogava as roupas dos clientes e os ajudava a otimizar o guarda-roupa. Escalar estava difícil, e após quatro anos ela fechou o negócio. Mas, nesse meio tempo, em 2015, participou da primeira turma do Ignite Stanford, programa de empreendedorismo da Stanford University no Brasil. 

“Foi um momento de transição para ver que não era com moda que eu queria atuar, mas com algo ligado à inovação, à sustentabilidade”

Alexander, o marido, atuou em empresas como Kroton Educacional (que hoje pertence ao Grupo Cogna) e Patria Investimentos, mas já tinha sido picado também pelo bichinho do empreendedorismo. Decidiu fazer um MBA na INSEAD, em Fontainebleau, na França.

Giovanna embarcou junto com ele na esperança de usar esse tempo para repensar sua carreira. E, incumbida por sua família à frente de uma indústria de alimentos, aproveitou para visitar feiras do setor e pesquisar inovações.

EM BERLIM, O CASAL PEGOU GOSTO PELO CAPUCCINO COM LEITE DE AVEIA

Ao terminar o MBA, Alexander foi atrás de ganhar experiência e passou trabalhar na allpago, fintech baseada em Berlim (e adquirida em 2019 pela PPRO). Ele conta como, em visitas a cafés na capital alemã, o casal descobriu o leite de aveia:

“Os baristas sugeriam trocar o leite de vaca pelo de aveia no cappuccino. Achamos aquilo máximo — mas quando fomos ao mercado comprar, vimos que a prateleira estava vazia”

Giovanna e Alexander se definem como pescetarianos: comem peixe, mas não carne vermelha. Em Berlim, uma das cidades europeias mais abertas ao veganismo (segundo o site Alternative Travelers, só fica atrás de Londres em número de restaurantes veganos), eles foram se aproximando ainda mais do tema da sustentabilidade. 

“Os alemães têm essa consciência da alimentação saudável, local e que não impacte o meio ambiente. Isso nos trouxe esse novo olhar para a importância do que você come não só para a sua saúde, mas para a do planeta”, diz Giovanna. 

O casal decidiu apresentar um projeto para que a SL Alimentos, empresa da família dela, desenvolvesse uma linha focada no leite de aveia.

“Só que em uma empresa maior, o ritmo é outro”, ela afirma. “Eles queriam primeiro buscar cliente, pesquisar mais… Então, nós dois decidimos fazer acontecer e criamos a Nude.”

UM AGRÔNOMO E UM “SOMMELIER DE CAFÉS” AJUDARAM A DESENVOLVER A RECEITA

Giovanna estava grávida e fazendo o acompanhamento pré-natal em Berlim. O casal esperou o nascimento do filho, Otto, antes de retornar ao Brasil.

De volta ao país, em fevereiro de 2020, eles venderam um apartamento e usaram parte da grana para se manter e outra para desenvolver o projeto, até conseguir captar 2 milhões de reais por meio de um fundo Family & Friends.

“A primeira coisa que fizemos foi contratar o Rafael Mizubuti, engenheiro agrônomo e tecnólogo de alimentos que já vinha dessa indústria de aveia”, diz Alexander. “Ele realizou muitos testes até chegar nesta formulação.”

Os fundadores também contrataram Pedro Lisboa, Q-Grader (espécie de “sommelier de cafés”) para aprimorar a receita. E foram atrás do mix de enzimas ideal, que transforma, através de um processo natural, a aveia, a água e o sal no leite que está na caixinha da Nude., conforme conta Giovanna:

“Com esse mix de enzimas, nosso produto não precisa de aditivos e mesmo assim consegue entregar muita cremosidade e sabor”

Em dezembro de 2020, a marca chegou ao mercado em cinco versões: original (aveia orgânica, água e sal marinho); cacau; baunilha; uma versão calcificada; e a edição barista (para atender a demanda das cafeterias).

A AVEIA TRAZ BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE DAS PESSOAS E A DO PLANETA

Giovanna diz que o grão de aveia tem fibras e propriedades anti-inflamatórias; além disso,  o processo enzimático empregado na fabricação permite uma quantidade proteica “igual à das oleaginosas”.

“Outra característica interessante é que a aveia orgânica é livre de alergênicos, diferente do que acontece com a amêndoa, por exemplo — e não tem glúten, o que já é natural da aveia, mas em muitos casos ela sofre contaminação cruzada no processo”, afirma.

A matéria-prima da Nude. vem de pequenos produtores orgânicos, com produção rastreada para garantir a qualidade. O grão também traria vantagens ambientais na comparação com o leite de origem animal. Alexander afirma:

“A aveia não precisa de água no plantio, sendo melhor para o meio ambiente em termos de emissão de gases, uso de terra e pegada hídrica quando comparada ao leite de vaca”

Segundo o empreendedor, o leite de aveia tem uma pegada hídrica 90% menor do que o leite da vaca — e também do que o produto à base de amêndoas.

A MARCA NEUTRALIZA AS EMISSÕES E ESTAMPA A PEGADA DE CARBONO NA EMBALAGEM

A Nude. estampa em suas embalagens a pegada de CO2 de cada uma das versões do leite. A empresa compensa as emissões geradas pela sua produção, para se tornar carbono neutro. 

O cálculo da pegada de carbono é feito com base em um estudo célebre (dos pesquisadores Joseph Poore e Thomas Nemecek) e a plataforma Carbon Cloud, na qual os sócios da Nude. inserem dados relativos a plantação, uso do solo e da água, transporte (de matéria-prima e do produto em si) e escolha de embalagens, entre outros.

Os leites de aveia da Nude., em cinco versões.

Cada leite vegetal da marca tem uma pegada diferente. A versão original, por exemplo, é 0,34 Kg de CO2e por litro (segundo eles, o leite de vaca fica em 1,0956 Kg de CO2e por litro). 

A Nude. neutraliza suas emissões por meio do Amigo do Clima. É possível checar aqui a ação da startup, que compensou 40 toneladas de CO2e, referentes a sua emissão em 2020 e já contando a de 2021.

“Através da ONG, escolhemos o projeto Redução do Desmatamento e da Degradação Florestal (REDD), do Pará, que ajuda a manter a floresta amazônica em pé, evitando o desmatamento”, diz Giovanna.

A CO-PACKER CONTRATADA FOI LACRADA ÀS VÉSPERAS DO LANÇAMENTO

Nenhuma jornada empreendedora é livre de perrengues. No caso da Nude., um deles foi na relação com a co-packer, a empresa terceirizada contratada para envasar o produto. 

Depois de um primeiro envase de 3 mil embalagens com um produto-teste (em que ficaram alguns resíduos de aveia no leite), eles receberam em outubro uma ligação do diretor da empresa terceirizada, que soltou a bomba: sua fábrica tinha sido lacrada pelo governo.

O casal adiou o lançamento e correu para encontrar outra co-packer para envasar a produção final, em apenas um mês e meio. “Acabamos doando para a Bienal do Lixo as embalagens antigas, em que estava escrito o nome da co-packer lacrada”, diz Giovanna.

Dos males, o menor: a nova embalagem ficou até mais bonita, dizem. 

A VERSÃO BETA DO PRODUTO FOI PARAR NO MERCADO POR ENGANO

Os perrengues, porém, não tinham chegado ao fim. Para testar o fluxo operacional antes do lançamento, eles decidiram mandar alguns pallets com a versão beta para o centro logístico — que acabou distribuindo para estabelecimentos parceiros, sem que o casal soubesse.

Quando Giovanna viu, depois do lançamento oficial, uma pessoa postar nas redes a versão teste do produto, com a embalagem antiga, ela levou um susto. Ao entrar em contato com a cliente, descobriu onde ela tinha comprado o produto e deu-se conta do equívoco.

“Fomos correndo atrás do centro de distribuição de três lojas do Hortifruti Natural da Terra e, por sorte, conseguimos resgatar tudo, com exceção de 14 unidades que foram vendidas para um padeiro”

Como sempre, o erro trouxe aprendizados. “Foi bom para a gente aprender o esquema dos centros de distribuição”, diz Alexander.

Hoje, os produtos podem ser encontrados em 400 pontos de venda e em 350 cafeterias do Brasil. A embalagem de 1 litro custa entre R$ 18,89 e R$ 21,89. Segundo Alexander, a Nude. tem capacidade de produzir até 10 milhões de litros por ano. 

LANÇAR UMA EMPRESA EM PLENA PANDEMIA NÃO FOI “CAFÉ COM LEITE”

Empreender em meio à pandemia (que chegou ao Brasil semanas depois do casal, de volta da Europa) e ainda por cima com um filho bebê foi um desafio.

Durante um tempo, Giovanna e Alexander viveram na casa dos pais dela, até conseguirem pôr a vida de volta nos trilhos. “Foi uma doideira, a gente revezava”, ela conta. “Eu cuidava do Otto de manhã e o Alexander no período da tarde.”

A Nude. hoje tem 12 colaboradores. Engajar o time de forma remota foi outra dificuldade. 

“Construir uma cultura a distância é muito difícil. Quando você já tem isso resolvido e depois é obrigado a ir para o online é mais simples… Começar desse jeito exigiu bastante cuidado”

Alexander, por outro lado, crê que a pandemia trouxe uma vantagem: um “despertar positivo” nos consumidores: 

“As pessoas perceberam que precisam mudar hábitos e o jeito de fazer as coisas, passando a pensar mais na questão climática e de saúde na hora do consumo.”

O plano é surfar cada vez mais essa onda de conscientização. “Nosso sonho é ser uma empresa carbono negativo”, diz Giovanna. “Enquanto a gente não chega lá, vamos neutralizando todas as nossas emissões.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Nude.
  • O que faz: leites vegetais carbono neutro à base de aveia
  • Sócio(s): Alex Appel e Giovanna Meneghel
  • Funcionários: 12
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2020
  • Investimento inicial: R$ 2 milhões
  • Faturamento: Não informado
  • Contato: contato@heynude.com.br
COMPARTILHE

Confira Também: