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Fazer uma exposição na rua é ver a cidade se apropriar da arte. Foi assim com a Mostra 3M

Giovanna Riato - 21 nov 2018
Exposição instalada no Largo da Batata recebeu 250 mil visitantes e se tornou meio de interação e de expressão.
Giovanna Riato - 21 nov 2018
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Por um mês, entre 15 de setembro e 14 de outubro, o Largo da Batata, em São Paulo, foi sede da 8ª Mostra 3M de Arte, projeto anual que busca dar destaque a novos artistas e apresentar obras interativas para o público. Eram seis trabalhos. A graça, no entanto, é que este não foi o único evento que aconteceu na praça da região de Pinheiros ao longo daqueles dias. Em período eleitoral, o espaço foi palco para uma série de manifestações políticas.

Mais do que isso: alguns trabalhos viraram símbolo da efervescência do momento, ganharam intervenções, foram ressignificados, conquistaram enorme alcance nas redes sociais. Este é o caso da instalação “É Preciso Continuar”, de Regina Parra, 34. O letreiro em neon, inspirado no texto do escritor irlandês Samuel Beckett e pensado para aquele espaço. Imprimia a mensagem iluminada bem no meio do Largo da Batata:

“É preciso continuar
Não posso continuar
É preciso continuar
Vou continuar”

Pois é. Caiu como uma luva no momento de incerteza sobre o futuro do país. Regina diz que a intenção não era fazer um trabalho sobre o cenário político. Entre 72 candidatos, ela foi a jovem artista

Pensada como uma reflexão da vida na cidade, a obra de Regina Parra virou expressão do momento político.

selecionada no edital para participar da 8ª Mostra 3M de Arte. “Inicialmente pensei na obra como uma forma de falar sobre viver em São Paulo. Com as manifestações, meu trabalho ganhou uma dimensão muito mais política. As pessoas se apropriaram da obra, deram autonomia a ela”, conta. Questionada sobre como se sentiu ao ver o próprio trabalho ecoar de um jeito diferente do que ela mesma tinha projetado, Regina não demonstra apego: “Achei ótimo”, diz, confirmando que a graça da arte está nos significados que ela ganha para o público.

Aliás, foi justamente isso que a artista foi buscar na Mostra 3M. “Me inscrevi no edital justamente porque vi que seria uma exposição na rua. Temos poucas oportunidades de apresentar trabalhos fora da galeria, de chegar a um público que não necessariamente vai até o museu”, conta. Ao instalar um neon ali, Regina quis explorar o paradoxo de usar um material banal para carregar uma mensagem capaz de provocar reflexão. “Olhei em volta e vi luminosos parecidos em uma farmácia, na igreja e em um sex shop. É interessante usar uma matéria prima comum de forma poética, como algo que causa confusão”, diz ela, que sempre teve como principal plataforma a pintura.

A brincadeira com o neon surgiu quando ela percebeu que partia do texto para executar qualquer uma de suas obras. Lia filosofia, poesia e escrevia muito antes de começar um trabalho e, enfim, pensou em criar algo que tivesse na escrita sua principal mensagem. Nessa empreitada achou que seria interessante tirar o neon da linguagem publicitária e leva-lo a este espaço de reflexão. Pelo resultado da Mostra 3M, ela não poderia estar mais certa, como diz: “Usei uma frase que estava na minha cabeça e pensei em uma escala que não sumisse ali no Largo da Batata, mas que também não ficasse megalomaníaca”. E prossegue:

“O objetivo era ter relação com quem passava ali. Foi muito legal ver as reações e o alcance, acompanhar as fotos no Instagram”

APRENDIZADO DIÁRIO COM PÚBLICO DE 250 MIL PESSOAS

Apesar de 2018 ter sido o oitavo ano da Mostra 3M de Arte, foi o segundo em que o evento aconteceu na rua, no Largo da Batata. Fernanda Del Guerra, 43, sócia-diretora da Elo3, a produtora cultural responsável pela realização e curadoria da mostra, diz que a novidade foi o fato de que a maior parte dos trabalhos eram ainda mais interativos do que os do ano passado, gerando reflexão do espaço. “Todas as obras eram inéditas e pensadas para estar ali. Por ser um evento totalmente aberto, o aprendizado é constante”, diz.

 

Ela calcula que a exposição recebeu 250 mil visitantes, considerando apenas as pessoas que, de fato, observaram e interagiram com os trabalhos, sem contar quem apenas passou pelo largo no período da exposição. Ela destaca que o retorno do público surpreendeu positivamente: “Houve um uso sem depredação da mostra”. E prossegue:

“Era um espaço completamente aberto e não registramos nenhuma ocorrência, nem mesmo após as manifestações. Isso nos faz pensar que quando damos coisas boas para a cidade, recebemos um retorno positivo também”

O muro branco de Estela Sokol se transformou em um espaço de diálogo.

Uma das obras, Contraforte, de Estela Sokol, era um grande muro branco que, segundo Fernanda, foi colocado ali justamente para gerar desconforto nas pessoas. Ela diz que a instalação funcionou quase como um convite para outros artistas, que grafitaram, escreveram mensagens, fizeram estêncil e uma série de intervenções. “Foi um espaço onde as pessoas encontraram a possibilidade de ter voz”, diz. Segundo ela, a instalação, que foi pensada como uma estrutura segura, algo que mostrava um jogo de poder, acabou de se transformando em um espaço de diálogo, de expressão.

Fernanda diz que uma das maiores demonstrações de que a Mostra 3M é uma proposta consistente foi ver, no dia da desmontagem, as pessoas pedindo para que os trabalhos ficassem. “O Largo da Batata virou um centro de debate”, resume. Segundo ela, era este o objetivo desde o princípio, ao instalar o evento em um espaço tão plural da cidade. Com esta vitória na bagagem, Fernanda confirma que a edição de 2019 vai acontecer, mais uma vez, na rua. “Só não definimos exatamente onde”, diz. Até lá, é preciso continuar.

 

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