Floresta 4.0: com uma sala de controle para operações florestais, a Dexco quer desbravar o próximo estágio da agricultura digital

Luiza Vieira - 2 mar 2023
Raul Guaragna, vice-presidente de negócios da Dexco.
Luiza Vieira - 2 mar 2023
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Recentemente, uma das líderes do setor de materiais de construção do Brasil passou por um rebranding. A antiga Duratex, presente no mercado há mais de 70 anos, atende hoje por Dexco.

Dona de sete marcas (Deca, Portinari, Hydra, Duratex, Ceusa, Durafloor e Castelatto), a Dexco produz painéis de madeira, revestimentos cerâmicos, louças e metais sanitários. E, nos últimos tempos, vem reforçando sua aposta na inovação aberta. 

Em 2022, a companhia investiu mais de 1,6 milhão de reais em projetos e iniciativas de inovação florestal. Deste montante, mais de 800 mil reais foram destinados à contratação de startups, para o desenvolvimento de projetos pilotos e provas de conceito (PoCs). 

Além disso, nos nove primeiros meses de 2022, a empresa aportou 634 milhões de reais em Capex Sustaining, com foco em reflorestamento. A ideia é ampliar o seu ativo florestal a fim de manter o diferencial competitivo no negócio de painéis e madeira.

Dentre as iniciativas anunciadas, vale destacar a criação de uma sala de controle de operações florestais, apelidada de “Projeto Houston”. O lançamento da torre, que está operando desde janeiro, é mais um passo na jornada de inovação da Dexco rumo ao conceito de Floresta 4.0. 

Recentemente, a companhia septuagenária ampliou sua atuação no AgTech Garage, um dos principais hubs de inovação do agro, localizado em Piracicaba, interior paulista. 

Em entrevista ao Draft, Raul Guaragna, vice-presidente de negócios da Dexco, fala sobre esta nova etapa da parceria com o hub, os projetos de inovação em andamento e os aprendizados da relação com startups:

 

Para começar, gostaria de entender quais fatores motivaram o reposicionamento da Duratex como Dexco?
Em 2021, a Duratex completou 70 anos, vindo de um processo muito acelerado de renovação, de mudança cultural e de estar mais alinhada com as novas demandas do mercado e do consumidor. 

Ao longo deste tempo, ela saiu de uma empresa com basicamente duas marcas, Deca e Duratex, para um portfólio de sete marcas, muito robusto, reconhecido e valioso [Deca, Portinari, Hydra, Duratex, Ceusa, Durafloor e Castelatto]. 

Além disso, o nome Duratex se confunde muito com a divisão Madeira, que é uma das principais origens da empresa. Isso causava uma certa confusão no mercado, era um gap na nossa comunicação corporativa 

A ideia foi criar uma marca-mãe, a Dexco, que tem como propósito proporcionar soluções para o melhor viver, e deixar o nome Duratex para a área a qual ele pertence. 

O reposicionamento foi um movimento de modernização, de criar, dar espaço e voz para cada uma das marcas da organização.

Você pode explicar o que é o Projeto Houston e como surgiu a ideia?
O Projeto Houston é seguramente a principal iniciativa de um conjunto de soluções de agricultura digital que nós possuímos. 

A Duratex sempre foi pioneira em inovação no setor florestal, sendo a primeira empresa no Brasil a obter o certificado FSC de manejo responsável, há 27 anos, e a realizar a colheita mecanizada. 

Sentimos que existia uma oportunidade enorme no setor para a criação de soluções digitais, inteligência analítica, monitoramento, telemetria de equipamentos e controle integrado 

Isso começou há uns dois anos, mas o desenvolvimento dessas soluções ganhou muita tração no último ano, seja via ecossistema empreendedor, seja via soluções já consagradas.

Nós conseguimos juntar todas essas soluções no Projeto Houston. É uma sala onde é possível acompanhar nossas operações florestais em tempo real e intervir, caso necessário. 

Por exemplo, consigo ver qual é o giro do motor dos equipamentos, o consumo do diesel, a velocidade do veículo, o trajeto percorrido, o tempo de ociosidade do motor; tudo isso em tempo real 

Nossa operação já é extremamente eficiente e os nossos custos de colheita são os menores do mercado brasileiro na área florestal, mas ao trazer tudo em uma sala de controle integrado, podemos buscar essa última milha e extrair o melhor de cada frente. 

Sala de controle do Projeto Houston.

Além disso, todos os nossos veículos leves e pesados são monitorados. Com isso, conseguimos ver se algum motorista está excedendo o limite de velocidade, dirigindo de maneira perigosa ou se está apresentando sinais de fadiga. 

Isso também está alinhado com um dos comportamentos da Dexco, que é cuidar da vida onde ela estiver.

Por último, as câmeras centrais de monitoramento possibilitam identificar incêndios logo no começo. Ou seja, o Projeto Houston amarra de forma muito interessante e competente grande parte das soluções digitais dentro da nossa atividade florestal. 

A torre Houston foi inaugurada recentemente, no dia 18 de janeiro, na cidade de Agudos. Vocês já conseguiram extrair algum insight relevante desde então?
Sim, já começamos a ter bons insights do ponto de vista de ganhos de operação, como o consumo de diesel. 

Notamos que alguns operadores têm um consumo de diesel/hora muito menor do que os demais, e isso tem a ver com o modo com que operam a máquina, a velocidade em que andam, o tipo de manobra feita 

A partir desses dados, conseguimos criar benchmarks para toda a equipe. Também começamos a olhar a telemetria do motor, o que nos permite analisar se há necessidade de trocar uma peça ou prever possíveis problemas de falha nos equipamentos.

Qual é a expectativa de ganho com esse projeto?
Nós não traçamos um objetivo específico, mas estamos seguros que o investimento feito vai se pagar rapidamente. 

Acreditamos que a agricultura digital, a Floresta 4.0, como estamos chamando, vai trazer um salto de competitividade significativo que, muitas vezes, justifica o projeto mais do que um retorno sobre o investimento. 

Muitos dos nossos equipamentos já tinham telemetria, então focamos mais nos links de comunicação, na integração, nas telas de controle e na capacitação de profissionais para poder analisar os dados extraídos. 

O investimento que estamos colocando no Projeto Houston é muito modesto pelo tamanho do potencial que ele pode ter.

Segundo a Anatel, apenas 11% do território brasileiro possui acesso à rede 4G. Sabemos que a conectividade é um fator importante para as análises preditivas. Essa baixa conectividade impacta o projeto de alguma forma? Se sim, como?
Não de forma significativa. Nós não temos muita necessidade de obter dados pesados em tempo real. 

Por exemplo, para o NDVI [Normalized Difference Vegetation Index], que é um mapa de satélite que mostra a situação da floresta, não é preciso ter os dados coletados em tempo real, pode haver um atraso. 

As informações de telemetria são muito leves, não têm imagem, ou seja, não precisam nem de 4G para trafegar, o próprio sistema de rádio comunica esse tipo de coisa 

Outras indústrias fizeram um investimento pesado na construção de redes 4G, mas nós optamos por não seguir por esse caminho, porque seria um investimento enorme, algo na casa de 30 a 40 milhões de reais para colocar antenas em todas as nossas áreas florestais. 

Além disso, a tecnologia está evoluindo muito rápido. A internet via satélite já dá conta do que temos, e a chegada do 5G vai baratear e possibilitar outras hipóteses. Então, para o nível de troca de informações em que nós estamos, não há necessidade de ter conectividade em tempo real.

Outro aspecto que ajuda é que as operações da Dexco estão localizadas em regiões que possuem uma cobertura de internet acima da média, como Sorocaba, Itapetininga, Bauru, Agudos e Uberaba. Tem áreas de sombra, sem dúvida, mas conseguimos resolver isso com os recursos disponíveis. 

Falando em inovação, recentemente a Dexco passou da categoria de Ecosystem Partner para a de Innovation Partner do AgTech Garage. Qual é o principal objetivo com esse upgrade?
Essa é só mais uma das nossas apostas de inovação. Temos proximidade com outros hubs, mas gostamos muito do AgTech por três motivos. 

Primeiro, é um hub de inovação extremamente reconhecido no agro e possui uma grande quantidade de startups, o que pode ajudar a acelerar a nossa jornada de agricultura digital. 

O segundo motivo é a oportunidade de sermos a empresa líder em atividade florestal dentro do hub. Cada frente possui uma empresa líder; tem uma para a cana, outra para o café, agropecuária, soja e assim por diante. 

Terceiro, sentimos que era o momento certo para estreitar os laços com a AgTech, porque uma corporação grande como a nossa precisa aprender a se comunicar com startups, a dar mais agilidade e velocidade para os seus processos.

Somos uma empresa de capital aberto, que tem compliance e uma série de coisas – mas nem por isso precisamos ser complexa, difícil e inacessível para startups 

Nós criamos um modelo de interlocução estruturado com pontos focais em diversas áreas, que conseguem fazer a ponte e falar com velocidade. Nosso jurídico é supereficiente, tem minuta de contrato facilitada. 

Então, temos que estar preparados para conversar com as startups, dar velocidade, testar tecnologias, fazer MVPs. Temos que entender que vamos cometer alguns erros até acertarmos – e que está tudo bem. 

Pode citar os principais projetos que estão acontecendo no momento?
Estamos desenvolvendo um projeto muito legal com a startup Spectral Solutions para a caracterização da qualidade da madeira em tempo real. 

Por meio da tecnologia de infravermelho próximo, conseguimos medir a qualidade da madeira e dar um feedback instantâneo para a indústria sobre o tipo de madeira que está chegando e como a matéria-prima irá se comportar na construção do painel, quanto vapor irá gastar, que tipo de camada de colchão de madeira precisaremos fazer.

Também estabelecemos parcerias com a Ge Plant e a Quiron para tratar os dados coletados pela sala Houston. 

Por exemplo, ao unirmos o NDVI, a imagem do drone e os dados que já temos, podemos usar algoritmos para indicar que tipo de tratamento faremos, seja por falta de água, seja por algum problema de infestação

Além disso, realizamos diversas provas de conceito com startups de drones, como INDrone, Vista Agrotech e Agroazul, para medir a produtividade e pulverizar áreas mais complexas, menos acessíveis. 

Todos esses projetos tiveram início no segundo semestre de 2022, a partir dos programas que conduzimos com a AgTech Garage.

Além das iniciativas mencionadas, quais outros desafios a Dexco está tentando resolver?
Já existe muita tecnologia voltada para a produtividade de soja, de cana, de café, mas para o eucalipto, nem tanto. Como o seu ciclo é mais longo, precisamos entender de maneira mais clara quais são os drivers de produtividade. 

Por exemplo, queremos entender quais são aqueles clones que geram mais produtividade e em que condição. 

A partir da massa de dados obtidos, esperamos chegar a uma solução um pouco mais confiável para prever a produtividade de maneira mais assertiva, e assim fazermos as escolhas corretas. 

Outro desafio que queremos atacar é a brotação de eucalipto. Hoje, fazemos o plantio e só depois vemos como a planta brotou. A ideia é que esse controle seja feito de maneira mecanizada

Vale lembrar que esses projetos são só o início de uma jornada. Acreditamos que a nossa posição como Innovation Partners do AgTech Garage abrirá novos caminhos e oportunidades. 

A Dexco se posiciona como uma empresa preocupada em inovar e em ser reconhecida como inovadora. Quais foram os principais aprendizados ao longo desses anos no trabalho com startups e inovação aberta?
Antes de mais nada, você tem que saber quais são as suas dores. O que você quer resolver? A partir disso, é montar grandes blocos de iniciativas dentro das suas jornadas e elencar os projetos, as dores e os problemas a serem resolvidos. 

Outro ponto é capacitar os times internos para estarem próximos e entenderem quais são as soluções existentes no mercado. Neste ponto, a aproximação com hubs é essencial, porque eles fazem um trabalho importante de curadoria de startups.

Ao longo desses anos, percebemos que, para nós, é complicado trabalhar com startups em estágio muito inicial. Não temos a capacidade de pegar uma startup super early stage e ajudá-la no seu crescimento, porque não somos uma incubadora. 

Somos uma empresa ágil e temos uma demanda muito ativa, imediata, então procuramos soluções que estão mais testadas, pessoas que conseguem entender o nosso problema de maneira rápida e resolvê-lo

Outro aprendizado é montar um modelo de interlocução com a startup que funcione: áreas de suprimentos que não demandem muito, modelos de contrato facilitados, fazer MVPs, testar, aprender, pivotar modelos, achar soluções rapidamente. 

Muitas vezes, empresas maiores não gostam de investir correndo risco de cometer erros. Na Dexco, temos consciência que uma parte do investimento não vai prosperar, mas que duas ou três iniciativas que são bem-sucedidas pagam múltiplas vezes os seus investimentos. 

Muitas empresas reduzem os seus investimentos em inovação em meio a crises econômicas. Como a Dexco está lidando com o contexto atual? Quais são as expectativas para 2023?
Neste ponto, acho que se trata menos do olhar específico para a inovação e mais do olhar de negócios que a Dexco tem. Somos uma empresa e fazemos parte de um grupo que visa o longo prazo. 

É claro que, em momentos de crise, é necessário ajustar uma série de coisas, fazer reduções, ter um olhar mais responsável para alocação de capital, mas o que prevalece é o longo prazo. 

Por isso, estamos sempre investindo em inovação e entendemos que inovar é uma necessidade de negócio, é um requisito para que ele se perpetue. 

A preocupação maior é ter foco e poder dar vazão. É necessário um olhar mais pragmático sobre as dores e os temas que de fato queremos atuar e resolver. Assim, não perdemos o nosso tempo, nem o da startup 

Afinal, não temos recurso infinito para ficar avaliando e menos ainda a capacidade de ficar produzindo coisas que não irão prosperar no futuro.

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