Em novembro do ano passado, a Natura anunciou que usará drones e inteligência artificial para mapear a Floresta Amazônica. O objetivo é identificar espécies-chave de árvores de interesse bioeconômico, aquelas que podem fornecer insumos para produção de cosméticos.
Esse inventário florestal será feito em parceria com a Bioverse, startup que oferece ferramentas digitais e análise de dados para aumentar a eficiência das cadeias de suprimentos de produtos florestais não madeireiros.
Nos bastidores da parceria, e a mais de 4 mil quilômetros da floresta, está a Emerge Brasil, uma consultoria de gestão empresarial especializada no desenvolvimento da inovação de base científica.
A empresa participa, em parceria com a equipe interna da fabricante de cosméticos, da coordenação do Natura Campus Hard. O programa é um canal de colaboração e construção de relacionamentos para ampliação e desenvolvimento da ciência, inovação e tecnologia, via trabalho em rede. Cofundador da Emerge Brasil, Lucas Delgado, 31, afirma:
“O Brasil é um dos maiores produtores de artigos científicos do mundo. Temos cientistas e institutos de ciência e tecnologia respeitados globalmente. Porém, existe o desafio de converter esse conhecimento em inovação industrial e competitividade econômica”
A Emerge Brasil foi fundada em 2017 por Lucas, Daniel Pimentel, 32, e Rodrigo Brito, 42. Não é a primeira vez que a empresa aparece no Draft. Em 2022, ela foi tema de uma reportagem, que você lê aqui.
CONEXÕES PARA ANTECIPAR MUDANÇAS
Na época daquela primeira matéria, a Emerge começava a colher os frutos de uma reformulação no negócio – ocorrida dois anos antes.
Inicialmente focada nas necessidades dos cientistas, a empresa pivotou, e se especializou em mapear soluções tecnológicas para conectá-las como grandes empresas. Logo, ganhou clientes de peso, como BRF, M Dias Branco e Ambev.
Para também atender companhias menos maduras em inovação aberta, o passo seguinte foi criar serviços de criação de estratégias em deep tech. O termo se aplica tanto a empresas quanto a tecnologias baseadas em avanços científicos que possuem, ou recém-superaram, riscos de desenvolvimento e têm grande potencial de liderar mudanças, estabelecer novas indústrias e reinventar as atuais.
Desde então, a relação da Emerge com grandes companhias, nacionais e internacionais, consiste em orientações sobre temas, rotas, ações e motivos para atuar em conjunto com deep techs, além de criação de um roteiro estruturado para desembargar em territórios tecnológicos e gestão das parcerias. Lucas explica:
“O objetivo é fazer com que as indústrias saibam, com antecedência, quais são as tecnologias emergentes que podem ser incorporadas no desenvolvimento de produtos com grande potencial de sucesso comercial”
Por exemplo, a air fryer tem origem numa tecnologia patenteada em 1989, nos Estados Unidos. Hoje presente na maioria dos lares de classe média urbana, o modelo doméstico foi lançado somente em 2010.
“Inovar via deep techs não é sobre prever o futuro, mas sim se preparar para o futuro”, diz Lucas. “Ou pelo menos saber quem está criando o futuro e como podemos participar do processo.”
OS PROJETOS DA EMPRESA ESTÃO MAIS COMPLEXOS
Como consultoria, a fonte de receita da Emerge Brasil é a estruturação de projetos, com escopo, cronograma e valores definidos. O tempo de duração de cada projeto varia de acordo com a perspectiva e amplitude do que a companhia deseja. No entanto, em geral, os projetos duram entre 3 e 6 meses.
Ano passado, a Emerge Brasil realizou para a Neoenergia, empresa de energia elétrica do grupo espanhol Iberdrola, um projeto sobre o cenário de desenvolvimento tecnológico do hidrogênio verde no Brasil, seu potencial em comparação ao cenário global e as tecnologias em desenvolvimento nas startups e universidades.
Diferente do hidrogênio cinza, que é produzido a partir de combustíveis fósseis e resulta em altas emissões de CO₂, o hidrogênio verde é gerado por meio da eletrólise da água, via energia renovável, como a eólica e a solar. O processo não emite gases de efeito estufa. Assim, o torna uma alternativa limpa e viável para a descarbonização de diversos setores industriais, como químico e de transporte pesado.
Entre os resultados do projeto estão o mapeamento de 45 tecnologias, seleção de dez soluções para avaliação detalhadas e criação de relatório do cenário.
Na mesma época de desenvolvimento do projeto, a Neoenergia anunciou a inauguração de sua primeira planta de hidrogênio verde no Brasil, que acontecerá até o final do ano. Instalada em Brasília, terá investimento de 30 milhões de reais.
De acordo com o Relatório Deep Techs Brasil 2024, desenvolvido pela Emerge, o segmento possui 875 startups. Dessas, a maioria são dos setores de saúde humana e farmacêutica e agronegócio e saúde animal.
Ao contrário de ecossistemas mais maduros, as deep techs brasileiras levam mais de cinco anos para iniciarem seu crescimento. Para 70% das organizações, o maior desafio é provar a viabilidade de sua tecnologia.
Nesse sentido, atualmente, a Emerge Brasil está conduzindo um projeto com a Eurofarma. O objetivo é firmar parcerias com iniciativas que possuem tecnologias direcionadas a dermocosméticos. Entre as soluções buscadas estão aplicações para tratamento de acne, manchas, sinais de envelhecimento, rosácea, hidratação e proteção, por exemplo.
Uma das características de novas tecnologias farmacêuticas é o seu longo prazo de desenvolvimento. O processo demanda altos investimentos, muita tentativa e erro e extenso procedimento regulatório. Segundo Lucas:
“Um novo medicamento pode levar, facilmente, 20 anos para chegar ao mercado. O prazo e o risco são grandes, mas o retorno do investimento é proporcional”
Embora tenha melhorado em comparação com 2022, um desafio das relações entre grandes empresas e deep techs é o déficit de conhecimento da primeira sobre os processos da segunda. Ainda é comum empresas preferirem investir em soluções em estágio avançado. No entanto, as deep techs precisam de capital de risco na fase de desenvolvimento de tecnologia.
“Apesar de apresentar maior risco, investimento em estágios iniciais costumam ter maior custo-benefício e melhor alinhamento do modelo tecnológico com os interesses da empresa.”
Por sua vez, um desafio que parece que vem sendo superado é a baixa abertura de universidades para o mercado. Seja dentro dos laboratórios ou em spin-offs, os cientistas estão mais receptivos à ideia de cocriar inovações com empresas.
“Um fato que tem facilitado o processo é o maior número de cientistas que se tornam empreendedores – e, assim, referências para seus pares acadêmicos”
(Recentemente, o Draft contou a história de Eduardo Sydney, cientista cofundador da Fungi Biotecnologia, deep tech nascida na Universidade Tecnológica Federal do Paraná.)
Outro fator positivo é o apoio governamental. Após passar por contingenciamento em 2022, o Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT), gerido pela FINEP, tem promovido diversos editais e políticas para deep techs.
Em 2024, o orçamento do fundo foi de 12,72 bilhões, valor 74% maior em relação ao de dois anos antes. Já no último mês de julho, o FNDCT lançou, em parceria com a Emerge Brasil e outras organizações, diretrizes para fomento de deep techs brasileiras.
Para dar conta de tantos projetos, a Emerge Brasil conta com 15 funcionários fixos. A depender da demanda, são contratados especialistas extras. Embora haja um escritório em São Paulo, todos trabalham remotamente.
Cofundada por um trio de homens, a Emerge Brasil tem hoje também duas sócias mulheres, as líderes de projetos Maria Batista e Caroline Urenha. Segundo Lucas:
“A formação do time é bem distinta. Há desde graduados em nutrição até pós-doutor em engenharia biomecânica, passando por economistas, administradores e arquitetos”
Internamente, talvez o principal avanço da Emerge Brasil é o amadurecimento da sua unidade de investimento, um spin-off para ajudar cientistas a criarem startups. Com um fundo de 3,5 milhões de reais, o negócio fez aporte em nove deep techs, que já tinham relacionamento de três anos com a consultoria.
Uma das startups mais maduras é a Peptidus Biotech, que desenvolve peptídeos (cadeias de aminoácidos) para tratamentos de saúde e bem-estar animal, de corte e domésticos. Um diferencial do produto é não deixar resíduos no organismo do animal e no meio ambiente.
De acordo com Lucas, o objetivo (paradoxal) de uma deep tech deve ser deixar de ser uma deep tech. Em outras palavras, essas empresas emergentes devem superar os desafios de desenvolvimento tecnológico e se estabelecer como parte de uma oferta de produtos e serviços viáveis. O passo seguinte, claro, é ganhar escala.
E assim, como uma simbiose de diferentes espécies, a união entre ciências, negócios e tecnologia pode causar transformações positivas para organizações e pessoas.
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