“Hoje é o meu último dia de Projeto Draft. O que aprendi no melhor emprego do mundo”

Phydia de Athayde - 29 mar 2019 Phydia de Athayde - 29 mar 2019
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por Phydia de Athayde

Escrevo esse artigo para todas as pessoas que gostam e acompanham o Projeto Draft e, também, para quem eventualmente ainda não conhece a plataforma. Vim contar o que aprendi editando este que é o site mais legal, mais inspirador e mais bem feito sobre empreendedorismo e inovação no Brasil. É assim que o vejo e é assim que passei os últimos quase cinco anos: contando histórias de gente que todos os dias inventa e coloca em pé sonhos em formato de empresas.

De certa forma, a aposta em fazer algo que se acredita mesmo sem saber aonde vai dar está lá no surgimento do site. Investir na curadoria de pessoas, projetos e ideias que estão mudando o mundo é uma premissa tão simples quanto brilhante, do Adriano Silva, fundador e publisher do Draft e meu parceiro nesta viagem. Ele gosta de dizer que recebe os louros enquanto eu é que faço todo o trabalho. Não é bem assim, ele também rala.

E eu não fiz nada sozinha. Me vejo como uma espécie de “guardiã” ou “tradutora” da missão editorial, e meu papel é basicamente escolher as pautas e buscar os melhores repórteres para contar essas histórias. Depois, editá-las e publicá-las para alimentar uma comunidade de leitores que todos os dias me surpreende com sua fidelidade e apetite. Isso é o mais legal. O Draft nunca foi o maior site da área, mas sempre foi “minha maior inspiração”, “o que melhor contou nossa história”, “o link que mando sempre para apresentar meu negócio”, “a entrevista que eu mais queria dar”. Ele não tem milhões de views (tivemos nossos picos!). Em vez disso, asseguro que tem milhares de corações sintonizados nessas histórias.

Quando o Draft fez um ano, escrevi sobre os bastidores de sua criação, minha rotina como jornalista digital e, também, o tipo de trabalho que eu vislumbrava para os colaboradores e para mim: aquele que fizesse sentido, que fosse útil e que nos deixasse feliz.  

Agora, quase cinco anos passados e comigo saindo deste posto, vejo que enquanto eu escolhia e publicava histórias de gente que mudou a própria vida, sem perceber, eu tratava de validar e corrigir os caminhos da minha também.

É contagiante estar tão perto de histórias tão legais. Dá vontade de sair fazendo também. Se isso acontece comigo, é porque este é o caminho

Meu trabalho é de bastidor e gosto disso, e também gosto quando tenho a oportunidade de contar o que vejo. Foi assim nas palestras que fiz. Ali, expus aprendizados colhidos por pura observação: o alerta para padrões de erro mais comuns, a percepção de tendências sem volta, a constatação de que novas formas de trabalhar e viver estão se espalhando — e o testemunho de como tudo é muito mais rápido, cíclico e instável do que parece.

Há também as histórias que não contei. Muitos projetos, super legais, sequer viraram pauta porque eram apenas isso: projetos, em vez de negócios. Se você não tem um produto ou um serviço, se ele não tem um preço e se não há alguém te pagando por isso, você não tem um negócio. Pelo menos ainda não.

Vi muita gente empreender sem estar preparada. Muita mesmo! É legal e, na mesma medida, terrível. A paixão atordoa a percepção das enrascadas e ameniza a dor dos tombos, que sempre chegam. Vi muito disso, mas também vi essas mesmas pessoas se reerguendo, se reinventando, não pelos motivos que as levaram a empreender, mas para sobreviver às rasteiras que elas mesmas se deram. Riscos que um empreendedor apenas apaixonado corre: não ter planejamento financeiro, escolher maus parceiros, precificar mal, comunicar errado, vender sem ter como entregar, ter medo de fazer escolhas difíceis.

Alguns erros têm solução, outras vezes, negócios simplesmente fecham, não se sustentam. Ou têm que se transformar drasticamente para não morrer. Ou são vendidos e tudo muda. E, quer saber? Tudo bem. Movimentações que antes podiam levar anos, décadas, hoje em dia levam meses. O Draft tem inclusive uma seção só para voltar a algumas histórias e perguntar ao empreendedor: como estão as coisas hoje?

Se as coisas mudam rápido, também é possível ver que algumas “novidades” vieram para ficar. Mesmo. Todos os dias, os negócios que dão certo trazem as escolhas desta Nova Economia: é possível criar novas maneiras de trabalhar, é possível melhorar a relação entre pessoas que trabalham juntas, é imprescindível trazer a diversidade dentro das empresas, não dá mais para discriminar raça ou gênero, é bobagem tratar concorrente como inimigo, empresa que não pensa (e minimiza) seu impacto ambiental está fadada a ficar para trás.   

Outro sinal dos tempos é que, como este admirável mundo parece novo demais, bonito demais, perfeitinho demais, justamente por isso tornou-se também terreno fértil para quem vende “espuma”. Então, aqui vai outra lista de obviedades importantes de serem ditas: não acredite em tudo que te dizem sobre empreender, nada é tão fácil quanto parece, não basta sonhar, perder dinheiro é mais comum do que ganhar, sucesso nem sempre vem na hora certa, boas ideias tampouco.

O mundo está cada vez mais complexo. Tomar consciência do que se faz e buscar autoconhecimento são os melhores antídotos para a loucura e a depressão

Empreender é parecido com viver. Dá um trabalhão e não tem saída: é fazer ou fazer. E eu nisso tudo? Além de ser essa observadora privilegiada da rotina, dos medos, dos acertos e dos erros cometidos pelos empreendedores mais interessantes do país, também já chorei, me emocionei muito, lendo e fazendo a curadoria das histórias de transformação pessoal, de gente que “empreendeu a si mesmo” (que reunimos em um livro, leia!), publicadas geralmente às sextas-feiras — como esta minha, hoje.

Observar contamina. E talvez a minha transformação pessoal mais marcante tenha acontecido na alimentação. Mudei. Não por motivo de saúde, não por estética, não por praticidade.

Mudei porque senti, em algum lugar muito profundo dentro de mim, o que significa de fato fazer parte de uma rede. As redes são poderosas demais. Elas pedem auto responsabilidade.   

É uma rede (de pessoas interessadas em boas histórias de empreendedorismo) que valida e dá relevância ao Draft.

É uma rede (de empresas antenadas, os sponsors do site, que acreditam nisso e querem ter suas histórias relatadas no Draft) que dá sustentação financeira ao Draft com brand content.

É uma rede (muito especial e a quem sou tão grata) de colaboradores que saem pelo mundão apurando as histórias que contamos.

E é essa rede de novos negócios (sociais, criativos, startups) que sustenta a Nova Economia no Brasil.

Não dá mais para fazer negócio sem pensar no porquê. Qual o propósito da sua empresa? Qual o seu propósito na vida? Qual o impacto da sua empresa? Qual o seu impacto no mundo? Que escolhas você fez para estar aqui? Todos os dias, nos últimos cinco anos, editei e publiquei respostas a perguntas assim.

Aos poucos, silenciosamente, esses questionamentos entraram em mim. Suave mas implacavelmente, aceleraram meu próprio caminho de autoconhecimento, que já vinha sendo trilhado com meditação e yoga (que faço há algum tempo), e que me levou a documentários como Cowspiracy e a influenciadores de Instagram (alô, Alana Rox!).

E, um belo dia, morri. Ou melhor, renasci. Pela boca. Percebi que ao mudar a alimentação eu deixava de fazer parte de determinada rede e passava a fazer parte de uma outra.

Mudando minha alimentação, necessariamente altero minha relação com o mundo, com as pessoas próximas de mim e com praticamente tudo na vida. Mudando minha alimentação, paro de ajudar a rede do carnismo (o sistema que nos faz comer determinados animais enquanto amamos outros). Mudando minha alimentação, aprendi que não dá para dizer aos outros o que fazer sobre a deles, por mais que dê vontade. Mudando a minha alimentação, percebi que essa escolha é só minha, que o trabalho que dá é só meu e que o que está ao meu redor não vai mudar na velocidade nem do jeito que eu gostaria. E tudo bem. Todos os dias, no Draft, vejo gente disposta a mudar o mundo começando por mudar o próprio mundo.

Isso tudo só parece não ter a ver com trabalho, mas tem. Trabalhar é sobre ser útil. Antes de ser servido, é sobre servir. O Draft serve, serviu e continuará servindo a este propósito incrível que é inspirar novos e cada vez melhores pessoas, ideias e projetos da Nova Economia. Sinto que meu ciclo, pelo menos este ciclo, com o Draft está finalizado. Levou tempo, reflexão e coragem para eu entender e assumir isso, e esta decisão abre muitas portas. Sirvo e continuarei servindo para um montão de coisas. Algumas ainda vou descobrir, outras já pratico: escrever, organizar informação, reunir gente boa, criar, trazer energia e grana para projetos, enfim, ajudar a fazer coisas legais acontecerem.

Não estou indo para outro emprego. Não estou indo viajar em busca de algo. Não estou fugindo, estou ficando. E a sensação é maravilhosa

Sou comunicadora. Em 2019, neste mundo, neste Brasil, ser jornalista representa um privilégio, um aprendizado e uma responsabilidade permanentes. É poderoso demais elencar assuntos, escolher o que precisa — e vale a pena — ser reportado e buscar novas e melhores maneiras de fazer isso. O mundo é tão grande, tão interessante, tão maleável e precisa tanto de coisas bacanas que eu não poderia estar mais animada com o futuro. Se não sei exatamente o que vou fazer, tenho uma certeza: vai ser incrível.

Já é incrível, na real. E talvez aqui ainda caiba mais um aprendizado a compartilhar. Um que é também um mantra a ser repetido, enfim, é daquelas coisas que só existem conforme a gente para de fazer outras para passar a fazê-las: é importante demais estar atento ao presente. Ao que está acontecendo agora, perto, dentro, próximo de você. É importante demais praticar estar offline para saber o que fazer quando se está online. É importante demais estar desperto e ser grato. Obrigada!

 

 

Phydia de Athayde, 41, é jornalista e editou o Projeto Draft desde a estreia até hoje. É organizadora e co-autora do livro Negócios Criativos e organizadora do livro Lifehackers, ambos seleções das melhores histórias e depoimentos já publicados no site. Acredita no trabalho como forma de transformar o mundo no lugar que queremos viver.

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