O que o Brasil pode fazer para fortalecer a economia criativa?

Phydia de Athayde - 18 nov 2014
John Howkins, o "pai" da Economia Criativa, em entrevista ao Draft, no QG da ProjectHub, em São Paulo.
Phydia de Athayde - 18 nov 2014
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John Howkins inventou o termo Economia Criativa. Lá atrás, em 2001, lançou o livro “The Creative Economy”, no qual reuniu conceitos até então não plenamente mapeados sobre como a criatividade e a inovação interferem na economia. A partir daí, a Economia Criativa ganhou o mundo e os empreendimentos inovadores, criativos, ligados à arte, design, harmonia e beleza, entraram de vez no ramo dos negócios.

Howkins já veio ao Brasil algumas vezes, mas dessa vez a visita teve um sabor especial. Na segunda-feira (17) à noite, ele esteve no QG da ProjectHub, em Pinheiros, na capital paulista. Ali, prestigiou o lançamento da ProjectHub 3.0, uma plataforma digital que visa aproximar a empreendedores de investidores, a ideia da chance de realização. Depois da breve abertura de Howkins, na qual saudou a iniciativa, o público (pelo menos cem pessoas) ouviu o que Rodrigo Abdalla, diretor de marketing do Google, e Veridiana Carvalho, da Heineken, tinham a dizer sobre criatividade e inovação.

É bom lembrar que a ProjectHub é um projeto de Lucas Foster, ele próprio um empreendedor inquieto e “maker” inveterado, e cuja história a gente já contou aqui. Após as falas dos convidados, Lucas falou um pouco sobre a nova plataforma e trouxe números bem interessantes: dentre os 1 029 empreendimentos inscritos no Prêmio Brasil Criativo, 780 já se cadastraram na plataforma, que já conta com cerca de 1 200 empreendedores criativos, de um lado, e do outro lado empresas e investidores do porte de uma 3M, Trifil, Google, Chillibeans, Volkswagen, Braskem entre outras. O passo seguinte é fazer funcionar a ponte entre os empreendedores e investidores, para que estes os conheçam, e para que aqueles se apresentem, sem barreiras.

De cabelos brancos, corpo esguio e riso contido, John Howkins parecia admirar calado a potência de Lucas Foster, de físico mais forte e cara de garoto feliz. Os dois são parceiros. A ProjectHub é a representante brasileira da consultoria de negócios criativos BOP, da qual Howkins foi presidente. E Howkins agora é embaixador internacional da ProjectHub 3.0.

Enquanto sorvia uma Heineken e se preparava para falar à plateia, Howkins conversou com o Draft. Além de criatividade e inovação, ele falou sobre a dificuldade que teve em decidir o que fazer da própria vida e, até, sobre o misterioso conflito entre habitabilidade e criatividade nas grandes cidades.

DRAFT – O que o senhor diria a quem está em dúvida se deve ou não empreender, mudar totalmente de vida?

Howkins – Eu diria: se você não está feliz, mude. Quando terminei a faculdade, passei por inúmeros empregos. Tentei trabalhar com propaganda, depois com marketing, planejamento, design, urbanismo. Então fui para a televisão. Levei quatro ou cinco anos até encontrar o ajuste ideal entre mim e o meu trabalho. Para um futuro escritor, me diverti bastante, é verdade. Mas é um ajuste muito pessoal entre o tipo específico de trabalho que se quer fazer e o tipo específico de vida que se quer levar. Porque, no fim, é decidir sobre a sua vida. Às vezes, isso leva tempo. Mas se alguém não está feliz em ser quem é, se não está no emprego certo, saia. Vá procurar em outro lugar, pois talvez este não seja o seu lugar.

DRAFT – Ao explicar o conceito de Economia Criativa, o senhor sempre lembra que não basta oferecer bens e serviços, é preciso também ser um consumidor para que o ciclo se sustente. Como este princípio se relaciona com a ascendente Economia Colaborativa, na qual nem sempre há uma transação financeira envolvida?

Howkins – Bem, eles não são excludentes. Sempre vamos precisar de pessoas para comprar computadores, smartphones, bens de consumo. Mas também existem contextos sociais em que as pessoas precisam colaborar, compartilhar e trabalhar juntas. Elas podem trabalhar juntas para reduzir a quantidade de bens adquiridos, ou podem trabalhar juntas em um negócio sem fins lucrativos. A economia colaborativa consiste em arranjos diferentes de trabalho. Porém, se não há transação comercial em nenhum ponto, não há como as pessoas serem pagas. O dinheiro precisa circular pelo sistema. Pode ser por meio de transações diretas, incentivos, patrocínios, mensalidade para assinantes. Esta noite temos Heineken de graça porque a marca patrocina o evento e vai falar aqui. A economia criativa não existe sem dinheiro. É claro, ajuda bastante existirem pessoas de classe média: gente com dinheiro para gastar em beleza, estilo, cores, design, arte, e com informação para que busquem e façam isso.

DRAFT – No Brasil, há uma apreensão em relação ao desempenho da economia, um receio de que o país entre em recessão. Como isso afeta as iniciativas criativas?

Howkins – Há alguns efeitos. Se houver crescimento negativo, se a economia encolher, as pessoas tendem a gastar menos com entretenimento, com arte, design. Nesse cenário, também há menos pessoas dispostas a correrem riscos. Os artistas vivem de correr riscos, mas os investidores dessa área tendem a se arriscar menos.

DRAFT – Como os governos podem incentivar o surgimento de novos negócios criativos?

Howkins – O governo afeta diretamente o sistem educacional, a formação das pessoas nas faculdades de design, arte, mídia, em todos os ofícios criativos. Mas outra forma de interferência positiva é efetivamente ajudar as pessoas a iniciarem seus próprios negócios, via incentivos e regulação para indústrias específicas, como acontece com a indústria do audiovisual, via criação de zonas livres, ou via facilitação do acesso a imóveis disponíveis para empreendimentos. Veja aqui em São Paulo, por exemplo, como há inúmeros imóveis vazios que poderiam ser melhor aproveitados.

DRAFT – Até que ponto um país é dependente de incentivos do governo para ter uma cena de empreendedorismo?

Howkins – Não deveria ser tanto. Se olharmos para a economia criativa nos Estados Unidos, ela aconteceu completamente à revelia de incentivos. Isso porque os americanos são muito vivazes, têm a cultura do “levante e ande”, mas especialmente porque eles ficam muito felizes em juntar dinheiro com arte. Lá, se um artista pinta um quadro, ele quer vender pelo maior valor possível. Toda a indústria criativa, literatura, artes, música, design, enfim, tudo é desenvolvido pelo setor privado. Mas, se olharmos para um país como o Brasil, onde isso não acontece, a pergunta é: o que o governo pode fazer a respeito? Algumas coisas. O presidente, ou primeiro-ministro, tem o poder de passar uma mensagem ao país, quando diz o quanto a criatividade é importante para a sociedade. Tony Blair fez isso no Reino Unido, no final dos anos noventa, ao dizer que o futuro do país dependia da criatividade e da inovação. Esse tipo de mensagem pega em cheio a juventude. É igualmente importante transmiti-la também aos professores e aos pais. Seria realmente maravilhoso se, aqui, a presidente dissesse, em uma eventual declaração na qual reconhecesse que a economia não vai tão bem agora, o quanto ela acredita que o futuro do país depende de criatividade e inovação.

DRAFT – Como unir criatividade e cooperação nos novos negócios?

Howkins – Criatividade sempre começa com uma pessoa, tendo uma ideia muito íntima, pessoal, que é apenas imaginada. Em algum ponto essa pessoa tem necessidade de compartilhar essa ideia com outras pessoas. Toda grande ideia nasce no foro íntimo, e toda grande ideia precisa de apoio para que se realize.

DRAFT – Grandes cidades, cheias de problemas estruturais e de convívio, são um ambiente propício ou desencorajador para o desenvolvimento da Economia Criativa?

Howkins – Diversidade é muito importante. Diversidade de grupos étnicos, de gêneros, de estilos, de vozes. A criatividade floresce na cidade, e não no campo, pois se alimenta dessa diversidade. As cidades que estão entre as mais criativas do mundo são também as mais movimentadas, barulhentas e competitivas, como Londres e Nova York. Possivelmente não são as melhores para se viver. Habitabilidade e criatividade costumam se chocar bastante. Não conheço São Paulo bem o suficiente para dizer. O que ainda procuro em São Paulo é um bairro em que as pessoas estejam agrupadas, ou seja, que queiram estar ali, que gostem umas das outras, se divirtam juntas, que morem ali, se divirtam ali, que os cafés e clubes sejam por ali. Isso é o que procuro.

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