Lã merino é um tecido caro. Mesmo assim, é a matéria-prima dos calçados da Yuool, que triplicou o faturamento em 2019

Marília Marasciulo - 14 jan 2020
Três dos fundadores da Yuool (da esq. à dir): Pedro Englert, Eduardo Glitz e Marcelo Maisonnave; ex-sócios da XP Investimentos, eles seguem à frente de meia-dúzia de fintechs.
Marília Marasciulo - 14 jan 2020
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A história da porto-alegrense Yuool, marca de tênis feitos com lã merino, é um desses exemplos de que às vezes, mais importante do que ter uma boa ideia, é necessário encontrar as pessoas certas para executá-la.

Fundada em 2017 por Marcelo Maisonnave, 44, Eduardo Glitz, 39, e Pedro Englert, 39 (todos oriundos da corretora XP Investimentos, por sua vez cofundada por Marcelo), a empresa vendeu 7 400 pares de sapato em 2018 — e fechou 2019 com 30 mil pares vendidos, triplicando o faturamento, que chegou a 7 milhões de reais.

Quando saíram da XP, entre 2014 e 2015, Marcelo e Pedro foram passar uma temporada no Vale do Silício, estudando (o primeiro ficou dois anos; o segundo, seis meses). Eduardo, por sua vez, resolveu dar uma volta ao mundo.

Porém, em seus 407 dias de viagem por 42 países, ele não passou um dia sem conversar com os outros dois. E o que era para ser um sabático se transformou numa jornada de visitas a aceleradoras, incubadoras e coworkings na Europa e na Ásia. Eduardo explica:

“Decidimos que qualquer coisa que fizéssemos, faríamos juntos, temos essa admiração mútua. Costumo dizer que não faço negócios com amigos — mas posso fazer amigos fazendo negócios”

Nos últimos anos, pós-XP, essa relação se materializou na forma de sociedades em meia-dúzia de fintechs, como Warren, Monkey e Vórtx.

A PROPOSTA DO NEGÓCIO VEIO POR MEIO DE UMA DUPLA DE AMIGOS

Até que, no início de 2017, o trio foi procurado por uma dupla de amigos, Eduardo Dutra e André Piccoli. Em um período recente nos Estados Unidos, André tinha ido se encantado com uma tendência de sapatos feitos com lã merino (o nome se refere à raça de carneiro), produzidos por marcas como Allbirds, Baabuk e Le Mouton.

Além de muito resistente, a fibra tem alta capacidade térmica, proporcionando aquecimento no inverno e ventilação no verão — é a lã usada nas roupas de beduínos em paisagens desérticas do Oriente Médio.

A ideia de André era trazer alguma das marcas americanas para o Brasil, mas nenhuma topou. Chamou o amigo Eduardo Dutra e disse: vamos fazer. Ele gostou, e foi atrás de fabricantes da lã na Nova Zelândia, Uruguai, até finalmente encontrar uma fábrica na Itália. Faltava só o dinheiro para lançar o negócio.

Acostumados a empreender na área financeira, o trio Marcelo, Pedro e Eduardo se animou com a ideia. Mas havia um problema: a lã merino é uma matéria-prima cara (e por isso pouco usada na fabricação de tênis). Trata-se de um tecido literalmente fino, o que demanda uma quantidade maior para cobrir o calçado.

Além disso, segundo os sócios, o material tem mais fibras do que a lã convencional (daí a maciez) e apresenta variações em seu crescimento — é grossa no inverno e fina no verão. Assim, o período de “colheita” é pequeno e para suprir a demanda os rebanhos têm que ser maiores, o que aumenta o custo.

CONTROLAR A CADEIA DE PRODUÇÃO AJUDOU A VIABILIZAR O NEGÓCIO

A produção de cada calçado da Yuool gira em torno de 200 reais. Somados os custos para colocá-los em lojas, chegariam ao consumidor com um valor de pelo menos 600 reais.

Em uma breve pesquisa de mercado, descobriram que as pessoas estavam disposta a pagar entre 300 reais e 350 reais pelo produto. “Então não tínhamos um negócio”, diz Eduardo.

Criar negócios, porém, era a especialidade deles. Eduardo, aliás, diz gostar tanto de tirar empresas do papel que foi isso que o levou à XP. Formado em administração, trabalhava na área de varejo do Walmart e dispensou uma boa oportunidade de crescimento dentro da empresa para se juntar à corretora então em formação.

“Gosto de saber que há risco, mas que ele pode ser controlado com o trabalho. Para mim, três pilares formam o tripé do sucesso: risco, amor e trabalho”

Eles resolveram, então, aplicar o conceito de Digitally Native Vertical Brand. Trata-se de marcas que nascem no ambiente digital e se relacionam diretamente com os clientes, controlando toda a cadeia de produção e distribuição.

SEM PONTA DE BORRACHA, OS SAPATOS TÊM ÍNDICE DE TROCA BAIXÍSSIMO

Um case que serviu de inspiração foi o do Dollar Shave Club, que vendia lâminas de barbear diretamente aos consumidores por 1 dólar — e foi comprada pela Unilever em 2016 por cerca de 1 bilhão de dólares.

Vender tênis pela internet, porém, é bem mais complicado do que vender lâminas de barbear. Há o desafio do tamanho (37% dos consumidores desistem de fechar pedidos em e-commerce por dúvidas sobre o caimento da peça ou por desconhecerem as próprias medidas, segundo pesquisa da byMK).

Outra dificuldade era transmitir o conforto, considerando pelos sócios como o grande diferencial do produto. É preciso colocar o sapato no pé para concordar (ou não) com o slogan da marca: você caminhou a vida inteira, mas nunca assim.

Com 11 cores, os tênis são unissex, não seguem coleções e saem por 349 reais o par.

Para driblar o primeiro obstáculo, eles desenharam um modelo sem a tradicional ponta de borracha (adotada em sapatos esportivos para proteger a ponta do pé, porém desnecessária em sapatos sociais), que torna números muito pequenos desconfortáveis pelo aperto, e os maiores incômodos pelo espaço extra.

A solução funcionou: hoje, a Yuool mantém um índice de troca de 2%, bem abaixo da média de 30% em geral observada por e-commerces (segundo a mesma pesquisa da byMK). Os tênis, aliás, podem ser usados sem lavados diretamente na máquina de lavar.

O INVESTIMENTO EM INFLUENCERS ALAVANCOU A DIVULGAÇÃO

No Natal de 2017, a Yuool teve seu primeiro lançamento extraoficial. Todos os familiares e amigos dos fundadores da marca ganharam de presente um par de tênis.

O boca a boca entre amigos ajudou a dar o “start” na divulgação, que contou também com um investimento (acima de 1 milhão de reais) em dezenas de influenciadores, de Gabriela Pugliesi às globais Flávia Alessandra e Giovanna Lancellotti.

Segundo os sócios, a estratégia ajudou a superar as expectativas. Eles esperavam vender 2 mil pares no primeiro ano — o número real foi quase o triplo. A partir do quarto mês, o negócio já dava lucro; e a Yuool fechou 2019 com uma operação italiana, tocada pelo fornecedor do tecido (que decidiu embarcar na sociedade e introduzir o produto em seu país).

ESTOCADOS NOS CORREIOS, OS TÊNIS SÃO ENVIADOS POR SEDEX

A agilidade das entregas é um ponto de destaque, segundo os sócios. A Yuool mantém todo seu estoque dentro de um anexo de uma agência dos correios em Ivoti, na região calçadista do Vale dos Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul, onde os tênis são fabricados. Em até 48 horas, garantem, os calçados podem ser entregues em qualquer canto do Brasil (vai tudo por Sedex).

“Acho que o legal foi termos entrado sem nenhum vício do mercado de moda, então nossa dinâmica é completamente diferente do tradicional”

Com 11 cores, os tênis são unissex, não seguem coleções e saem por 349 reais o par. Mais recentemente, a Yuool lançou uma linha de botinhas (399 reais, com quatro opções de cores). E, em dezembro, montou um ponto de experimentação temporário no Shopping JK Iguatemi — o primeiro espaço físico para um contato do cliente com o produto.

A intenção, agora, é expandir cada vez mais a variedade de modelos, sem mexer no que, segundo os sócios, está dando certo: a lã, a exclusão da ponta emborrachada, a atemporalidade e o conforto.

 

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Yuool
  • O que faz: Sapatos de lã de merino
  • Sócio(s): Marcelo Maisonnave, Eduardo Glitz, Pedro Englert, Mateus Schaumloffel, Roberta Paradeda, André Piccoli e Rudimar Pascoal
  • Funcionários: 8
  • Sede: Porto Alegre
  • Início das atividades: 2017
  • Investimento inicial: R$ 4 milhões
  • Faturamento: R$ 7 milhões (2019)
  • Contato: ajuda@yuool.com.br
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