Um único dia de tempestade, em março de 2025, causou enormes transtornos em São Paulo. Uma pessoa morreu, outras milhares ficaram sem energia elétrica, o trânsito virou um caos, carros, casas e postes foram danificados – e a Defesa Civil registrou a queda de 343 árvores.
Além de embelezar as ruas, refrescar e melhorar a qualidade do ar, a copa das árvores funciona como um guarda-chuva que reduz a velocidade (e a força) com que a água atinge o solo, amenizando os estragos às calçadas.
Não à toa, há cerca de um ano o governo federal vem elaborando o Plano Nacional de Arborização Urbana, como parte de uma estratégia para tornar as cidades brasileiras mais resilientes a desastres climáticos.
“Transformar cidades ‘cinzas’ em cidades verdes através de Planos Diretores de Arborização Urbana, na época em que começamos, era uma utopia”, diz Paulo Garbugio, 34, CEO da Arboran. “Quase nenhuma cidade tinha esses planos.”
Fundada em 2018 por Paulo e pelo sócio, Charles Coelho (hoje com 29 anos), a Arboran é especializada em soluções de Arborização Urbana. Por meio de seu software proprietário, a empresa afirma já ter analisado mais de 60 mil árvores.
“A Arboran vê a saúde da árvore e seu entorno, faz um ‘prontuário médico’”, diz Paulo. Cada uma delas é individualmente georreferenciada, fotografada e analisada quanto à sua saúde fitossanitária. Essa avaliação completa hoje leva de 6 a 10 minutos.
“Mais de 90% dos problemas que encontramos é o manejo errado. Como uma árvore cortada no meio que começou a dar brotação lateral, criou uma cavidade, uma podridão, o galho cresceu de um jeito que não era para crescer, passou um vento e ele quebrou e destruiu a fiação da rede elétrica”
Os outros “quase 10%”, segundo ele, se devem basicamente a “falta de planejamento”. “Árvore é uma infraestrutura dinâmica, não segue as nossas regras, mas as do DNA e da biologia dela.”
Antes do match profissional, Paulo e Charles deram match no Tinder. Eles se conheceram por meio do aplicativo e começaram a namorar a distância.
Os dois têm perfil complementar. Paulo é biólogo, com mestrado em Biotecnologia pela Universidade Federal de Santa Catarina em que estudou leveduras para proteger e prevenir doenças em plantas.
Charles, por sua vez, é engenheiro florestal, mestre pela Universidade Regional de Blumenau (FURB), onde criou um índice de avaliação de saúde arbórea.
Um dia, no fim de 2017, enquanto eles passeavam no Museu da Escola Catarinense, em Florianópolis, o ambiente de uma “sala de aula do futuro” chamou a atenção dos dois.
Era uma ação da TXM Methods para divulgar um edital de incubação de ideias. O casal se inscreveu e acabou selecionado.
No começo, a Arboran atendia pessoas físicas, facilitando o corte, poda e transplante de árvores.
A primeira cliente surgiu em 2019: uma senhora em Florianópolis preocupada com uma árvore que estava prestes a cair em cima da sua piscina.
Era um Garapuvu, espécie nativa que cresce cerca de 3 metros por ano e pode chegar a 20 metros de altura. A mulher chegou a Paulo e Charles por indicação de um arquiteto com quem a dupla havia conversado na fase de validação do negócio, no ano anterior.
Na época, a Arboran emitiu um laudo técnico e protocolou o pedido junto ao órgão responsável para autorizar a remoção da árvore e o plantio de outra espécie nativa no lugar.
De lá para cá, o público-alvo mudou de pessoas físicas para governos e empresas. Hoje, a Arboran atende apenas prefeituras, construtoras e incorporadoras.
O sistema pode ser operado por gestores públicos e técnicos municipais para gerenciar a arborização urbana e identificar locais ideais para o plantio. A assinatura mensal gira em torno de 1 800 reais.
O software também calcula o volume de CO2 estocado nas árvores. A startup já registrou 8610 créditos no Mercado Voluntário de Carbono ao valor médio de 15 dólares, o equivalente a cerca de 730 mil reais.
“A gente transforma uma árvore que seria um passivo financeiro [por causa dos custos de manejo] em um ativo para a prefeitura [com os créditos de carbono e os projetos de compensação]”
Entre as prefeituras que hoje são clientes da Arboran estão São Bernardo do Campo, na região metropolitana da capital paulista; Ponta Grossa, no Paraná; e Balneário Camboriú, em Santa Catarina.
UMA CIDADE COM ÁRVORES SAUDÁVEIS GASTA MENOS COM SAÚDE PÚBLICA E INFRAESTRUTURA URBANA
Investir em arborização urbana gera retornos econômicos e benefícios à saúde da população.
Além de melhorar a qualidade do ar, removendo partículas de poluição e ajudando a evitar doenças respiratórias, as árvores geram bem-estar físico e psicológico. Uma única árvore de grande porte pode refrescar o ambiente ao redor tanto quanto dez aparelhos de ar-condicionado.
“O Serviço Florestal americano diz que para cada um dólar investido em arborização urbana se economiza de 3 a 5 dólares em serviços de saúde pública”
O manejo adequado, com podas regulares bem-feitas e nutrientes aplicados, pode ajudar a evitar prejuízos, como os que ocorreram em São Paulo, em março.
O planejamento e a gestão também podem contribuir para conter a força das enchentes que vêm se repetindo no Sul do Brasil:
“Itá, em Santa Catarina, é um grande exemplo. Tiraram uma cidade inteira de uma área e a transpuseram para o topo da bacia, no alto, para a cidade poder crescer – e, embaixo, virou uma hidrelétrica”
Paulo cita outro caso, do Paraná: “Em Castro, criaram o Parque Lacustre, em vez de deixar construir casas naquele lugar que todo ano alaga… E quando tem grandes chuvas, o parque vira uma grande represa cheia de árvores.”
A Arboran também realiza o transplante de árvores – ou seja, sua remoção e replantio.
Em 2023, a empresa coordenou o transplante de uma Figueira-Gameleira de 20 metros de altura e 56 toneladas – uma das maiores árvores já transplantadas de que se tem registro no país.
Retirada para dar lugar a um empreendimento da incorporadora CFL em Florianópolis, a árvore foi deslocada por meio de dois guindastes e replantada no jardim a pouco mais de 30 metros de distância.
A operação, que envolveu também outras empresas, levou 45 dias. O processo todo custou cerca de 350 mil reais e incluiu o monitoramento da saúde da árvore pela Arboran durante dois anos. Paulo afirma:
“A figueira é uma das árvores que mais presta serviços ecossistêmicos, sobretudo essa que tem mais de 100 anos”
A Arboran já realizou mais de 300 transplantes. Houve casos em que, ao começar a cavar, descobriu-se que as raízes estavam podres; a alternativa foi compensar a remoção plantando o triplo de árvores nativas em outro local e utilizar a madeira podre triturada como fertilizante para adubar as mudas.
Outro serviço recorrente é a substituição de espécies exóticas e invasoras, que de acordo com Paulo dominam cerca de 25% do verde das cidades, por espécies nativas. Em muitos casos, as invasoras são colocadas em projetos paisagísticos profissionais.
“Um exemplo é o Pinus [espécie do Hemisfério Norte, introduzida no Brasil por imigrantes europeus]: entra nas dunas e destrói as relações ecológicas. A riqueza e diversidade de espécies, que era muito alta, fica muito baixa. Por isso é considerada um ‘deserto verde’”
Atualmente, a empresa trabalha com seis funcionários diretos e profissionais contratados localmente, conforme a demanda de cada projeto. E está em busca de vendedores para atender novos clientes.
A futura regulamentação e funcionamento do Mercado Regulado de Carbono no país tende a ajudar a Arboran a expandir o seu negócio:
“O mercado global de mitigação dos impactos das mudanças climáticas movimenta cerca de 50 bilhões de dólares por ano. Mas as mudanças climáticas geram um prejuízo em torno de 350 bilhões por ano. A boa notícia é que o arbonegócio está crescendo e pode se tornar bilionário, se quem entrar tiver um pensamento associativista, e que realmente cumpra critérios ESG.”
Verificar a legalidade de uma carga de madeira é uma tarefa realizada a olho nu. Fundada pela engenheira acreana Fernanda Onofre, a Wood Chat quer mudar isso usando IA para identificar a matéria-prima (e preservar árvores ameaçadas).