Menos é mais: na contramão do mercado imobiliário, a Tico SP ergue predinhos charmosos, de apenas dois andares

Maisa Infante - 3 out 2023
Predinho da Tico na Rua Indiana, no Brooklin.
Maisa Infante - 3 out 2023
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Um prédio com somente dois andares, 12 apartamentos no total, construído em um terreno de apenas 200 metros quadrados. Nem parece um projeto na cidade de São Paulo, onde são comuns os edifícios altos, às vezes com centenas de apartamentos.

Pois esses imóveis que andam na contramão do mercado imobiliário são o foco da Tico SP. A empresa entrega charmosos “predinhos” residenciais de médio/alto padrão com uma arquitetura que aproveita terrenos normalmente descartados pelas incorporadoras mais tradicionais, devido ao tamanho ou ao zoneamento desfavorável.

Rafael Fiorotto, empreendedor da Tico.

Fundador da empresa, Rafael Fiorotto, 38, diz que não é o tamanho do terreno ou a altura que configura um predinho, mas sim o número de apartamentos. 

“Hoje, é muito comum em São Paulo prédios com até 200 apartamentos. E como fica a comodidade destas pessoas depois que o prédio está pronto?”

E uma coisa, lembra Rafael, é ter dez ou vinte vizinhos. Outra, bem diferente, é viver rodeado(a) por centenas deles.

“Com dez ou vinte vizinhos é possível conhecer todo mundo, saber quem são as pessoas e as pessoas saberem quem é você. Existe um respeito mútuo, um interesse em comum de manter aquilo de uma maneira específica”

Desde 2019, quando começou a operar, a Tico já lançou 67 unidades, das quais 60 foram vendidas. Os apartamentos têm, em média, 40 m² (chegando a 93 m² no caso da unificação de duas unidades), com valor médio de 650 mil reais. 

UMA MUDANÇA NA LEI DE ZONEAMENTO DE SÃO PAULO VIABILIZOU O NEGÓCIO

Antes de empreender, Rafael passou por Cyrela, Trisul, Lopes e Grupo Zap. E viu que os terrenos pequenos, que não atraíam as grandes empresas do setor imobiliário, podiam ser uma oportunidade para alguém disposto a desbravar um novo nicho de mercado.

Existia um obstáculo: a lei de zoneamento da cidade de São Paulo, que não permitia a construção de prédios sem garagem. Porém, com a mudança de legislação em 2014, diz Rafael, a vaga de garagem deixou de ser obrigatória, viabilizando empreendimentos menores.

“É praticamente impossível oferecer vaga de garagem em terrenos muito pequenos, porque [a vaga] fica muito apertada e piora a qualidade do que está sendo feito… Para colocar vaga em um prédio com 12 apartamentos de 35 metros quadrados, teria que ter três andares de garagem…”

Foi justamente com um prédio com estes 12 apartamentos de 35 m² — o Tico Ribeiro do Vale — que Rafael testou seu modelo de negócios.

Erguido em um terreno de 200 m², o edifício levou (devido aos trâmites burocráticos, segundo Rafael) mais tempo para ser aprovado pela prefeitura do que para ser efetivamente construído. 

As obras começaram em março de 2020, justamente o mês em que a Covid-19 chegou ao Brasil. A pandemia, porém, teve menos impacto no negócio do que o empreendedor imaginava:

“O setor da construção acabou não sendo afetado por paralisações e, para minha surpresa, o projeto teve uma aceitação muito grande. Através das redes sociais e dos nossos parceiros, como os arquitetos e a imobiliária Refúgios Urbanos, conseguimos ter uma exposição interessante e vendemos todos os apartamentos em seis meses”

Para vender, a Tico não trabalha com exclusividade de imobiliária ou corretor. Quem se interessar em comercializar os projetos pode fazê-lo, mas os agendamentos e a venda sempre passam por Rafael que, aliás, acompanha todas as visitas. Saindo o negócio, a comissão é repassada ao vendedor. 

EM VEZ DE ÁREA DE LAZER COMPLETA, O FOCO AQUI É A PRATICIDADE E A INTERAÇÃO COM A CIDADE

Na hora de erguer cada prédio, a Tico contrata uma construtora para fazer toda a gestão da obra (incluindo engenheiros, operários etc.), que leva em geral entre 12 e 18 meses

Projeto da Tico na Rua Ribeiro do Vale.

Diferentemente dos condomínios mais tradicionais, os predinhos da empresa não têm área de lazer completa, brinquedoteca, piscina, quadras etc. O que não significa que os imóveis sejam “caixotes” desinteressantes. 

Desenvolvidos pelo escritório de arquitetura Terra e Tuma, os três projetos trazem beleza, natureza e, principalmente, uma interação do edifício com a cidade. Sem muros, os prédios dispõem de espaço para lojas no térreo (seguindo uma tendência mundial), além de área de convivência na cobertura, um pátio interno e uma lavanderia de uso coletivo. 

Para Rafael, porém, um dos grandes diferenciais da Tico está no fato de o apartamento ser entregue pronto para morar com piso e luminárias instalados, banheiro 100% equipado com com box, espelho e chuveiro. 

“Em um condomínio pequeno isso tem um valor muito grande porque, depois da entrega, vai ter apenas um mês de obra com as pessoas colocando armário. Nos prédios maiores é bem comum essas obras durarem [mais] um ou dois anos porque há troca de piso, banheiro etc.” 

A PROXIMIDADE ENTRE OS PRÉDIOS PERMITE UMA ADMINISTRAÇÃO COMPARTILHADA DOS CONDOMÍNIOS

Os três empreendimentos da Tico ficam no mesmo bairro paulistano, o Brooklin. Como há muitos escritórios por ali, na região da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, a ideia é atrair pessoas que querem morar perto do trabalho para não perderem mais horas no trânsito.

A proximidade entre os prédios da Tico despertou em Rafael a ideia de propor uma administração de condomínio compartilhada. Assim, o síndico, a faxineira e o zelador atendem aos três projetos num sistema de revezamento.

“Tem uma empresa terceirizada que presta serviço e os funcionários ficam rodando entre os três projetos de acordo com a necessidade. Claro que existe uma escala e eles passam em dias da semana específicos em cada um deles, mas se tiver algo que precisa ser atendido, esse funcionário vai até lá fazer esse atendimento de maneira pontual”

Rafael diz que acompanha de perto a implantação do condomínio sempre que um empreendimento é lançado e segue por um tempo depois de os moradores estarem instalados, mas não quer que isso se torne parte do negócio da Tico. Ou seja, ele não ganha dinheiro fazendo este trabalho. 

“Fiquei dois anos como síndico do condomínio da rua Ribeiro do Vale, tentando entender o modelo que ia implantar”, diz. “Depois de dois anos consegui montar essa ideia de que eu acompanho a implantação, até para ver se o que eu vendi vai funcionar na prática, mas não quero envolvimento financeiro da empresa.”

PARA “ENTREGAR O MELHOR APARTAMENTO QUE PUDER”, POR ENQUANTO O EMPREENDEDOR PREFERE SEGUIR SEM ESCALAR

Desde 2019, a Tico faturou 35 milhões de reais, segundo o empreendedor. Ele afirma já ter investido cerca de 6 milhões de reais no negócio – parte com recursos próprios, e parte com dinheiro de pessoas físicas, que compraram apartamentos antes do lançamento. 

Segundo Rafael, esse não é um modelo de financiamento comum no mercado. A maior parte dos incorporadores, diz, capta dinheiro com bancos ou fundos de investimento, mas a liberação dos recursos depende da performance inicial do projeto. Ainda de acordo com o fundador da Tico, os bancos só abrem a torneira quando cerca de 40% das unidades já foram vendidas. 

“Os bancos não colocam dinheiro no meu tipo de negócio por ser pequeno: do ponto de vista operacional, é muito trabalho para pouco dinheiro. E fundos de investimento acaba sendo caro… Então, trabalho com capital próprio e de investidores pessoas físicas que compram o apartamento à vista com um desconto um pouco maior” 

No curto prazo ele não pensa em mudar esse modelo de financiamento. Isso porque o movimento, diz, o obrigaria a escalar a operação, prejudicando possivelmente a qualidade da entrega. 

“Quero fazer o melhor apartamento que eu puder entrega”, afirma Rafael. “Se isso um dia se reverter em valor pra minha marca e eu achar que faz sentido expandir essa marca, ter um sócio, executivo, vou fazendo, mas não é algo que está como prioridade pra mim.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Tico SP
  • O que faz: Prédios residenciais em terrenos pequenos
  • Sócio(s): Rafael Fiorotto
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2019
  • Investimento inicial: R$ 6 milhões
  • Faturamento: R$ 35 milhões (entre 2019 e 2023)
  • Contato: [email protected]
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