Meu projeto de vida: ter uma aposentadoria nômade. (Vem comigo que no caminho eu explico.)

Adriano Silva - 11 dez 2020
(foto: Pixabay.)
Adriano Silva - 11 dez 2020
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Há três disrupções importantes no modo de gerir a carreira que tiveram grande impacto em minha vida.

1) O desenvolvimento de várias carreiras ao longo da vida profissional.

O encurtamento dos ciclos de negócios também dinamizou as carreiras. Não faz mais sentido se imaginar trabalhando quinze ou vinte anos na mesma empresa – e muito menos gastar sua vida profissional inteira realizando a mesma atividade.

Em cinco anos, a empresa para a qual você trabalha (ou que você fundou) estará possivelmente ofertando outros produtos e serviços ao mercado – ou até mesmo atuando em um novo ramo. 

Da mesma forma, a profissão em que você labuta hoje provavelmente terá se transformado em outra coisa. Ou simplesmente desaparecido.

Isso é ruim porque nos tirou aquela ideia de conforto que a economia industrial nos proporcionava. Aquela velha sensação de segurança que emanava da lentidão dos processos e do longo prazo não existe mais. 

E isso é bom porque nos abriu a possibilidade de uma carreira muito mais divertida, em que aprendemos muito mais coisas, em que temos muito mais oportunidades de encantamento e realização com o trabalho

Eu tive uma carreira de executivo.

Hoje desenvolvo uma carreira de empreendedor.

E antes de morrer quero me dedicar à produção literária. 

2) O trabalho remoto e o nomadismo digital.

Já há uma década que eu trabalho de modo remoto. Meu escritório é meu notebook. E, mais recentemente, meu smartphone. 

Brinco que estou em quarentena há uma década, praticando o isolamento social, e que me tornei expert em produzir em regime de lockdown.

Piadas à parte, a verdade é que minha localização tem sido determinada pelas necessidades do projeto e do cliente. Eu posso trabalhar em São Paulo, em Belo Horizonte ou em Toronto.

Em meu home office, no escritório do cliente, numa mesa de restaurante ou no saguão de um aeroporto.

E não fico menos disponível nem menos eficiente por conta disso. Muito ao contrário.

A pandemia acelerou a transformação digital dos negócios em vários aspectos. Um deles, a normalização da virtualidade. Uma reunião online não é mais vista como inferior ou menos prestigiosa do que uma reunião presencial 

Na verdade, já está na hora de revermos essa terminologia: uma reunião mediada pela tecnologia também pode ser considerada “presencial”. 

Afinal, estamos ali, presentes – e, com frequência, com muito mais foco e atenção do que se estivéssemos de corpo presente na sala, mas com a cabeça noutro lugar.

Então, sinto que o mundo avançou pela trilha que venho palmilhando. O reforço da ideia da não-obrigatoriedade da presença física me deixa feliz porque sei o tanto de horas perdidas, que hoje podem ser transformadas em trabalho produtivo, que os deslocamentos impunham à vida da gente.

De quebra, a geolocalização também se torna cada vez mais irrelevante: eu posso trabalhar com qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo.

3) A ressignificação da aposentadoria e da velhice

Agora imagine colar essa ideia da vida profissional organizada em ciclos com as possibilidades do nomadismo digital. 

Significa que você poderá pensar a sua “aposentadoria” a partir de uma nova perspectiva.

De um lado, a fronteira entre “trabalho” e “aposentadoria” tenderá a ficar menos rígida. Viveremos, é provável, até os 90 anos. Então é possível que tenhamos ainda muitas contribuições a dar até bem depois dos 70 

Inclusive porque chegaremos com saúde e disposição inéditas a essa fase da vida – condição inimaginável há duas ou três gerações.

Talvez venhamos a trabalhar menos horas por dia, em vez de abandonar completamente o trabalho. Especialmente se estivermos fazendo algo que nos engrandeça e nos divirta e nos permita continuar aprendendo e sendo relevantes para os outros.

Ou talvez a “nova aposentadoria” seja tirar da gaveta aqueles projetos que você nunca conseguiu privilegiar, e que você faz questão de empreender. Com mais tempo, experiência e, talvez, dinheiro.

De outro lado, com a emergência da virtualidade, e com o conceito de presença remota cada vez mais ubíquo em nossas vidas, o mundo ficará muito pequeno. As distâncias não significarão mais aquilo que sempre significaram. E o mais importante: isso ampliará as nossas fronteiras mentais.

***

Estaremos desconstruindo a noção de que estamos enraizados em algum lugar do planeta. De que pertencemos a um determinado rincão – e de que nosso destino é ficarmos confinados em nosso quintal.

O cenário que surge é o contrário disso: você estará cada vez mais livre para conhecer os lugares que sempre desejou, assim que chegar o seu momento de diminuir o ritmo de trabalho. Com possibilidade inclusive de morar em alguns desses lugares. Se tornando um nativo dessas querências, por determinado tempo (e não apenas um turista)

Que tal viver um tempo em Málaga, na Espanha, na Costa del Sol, diante do Mediterrâneo? Seis meses em Copenhague? Um ano em Buenos Aires? Dezoito meses na Nova Zelândia?

Tudo isso podendo trabalhar de lá, nos projetos que lhe interessarem. Ou mesmo como um período sabático. 

Tudo isso tendo conversas olho no olho, todo dia, com filhos e netos que estejam no Brasil – ou em qualquer outro canto do mundo. (O que implica mais proximidade do que muitas famílias que moram na mesma cidade e se reúnem todo domingo para passar a tarde juntas, em silêncio, à frente da televisão.)

Ainda há algumas adaptações que precisarão acontecer para que esse novo fluxo de pessoas “idosas” se dê de modo mais natural: um tipo de visto adequado (quase 40 países do mundo felizmente já oferecem um “retirement visa”, ou um “visto para aposentados”); um seguro de saúde global e acessível; uma flexibilização maior do conceito de residência fiscal e uma maior integração entre os países para o pagamento de impostos. 

Mas isso já é possível. Mesmo com as condições que temos hoje.

Enfim: parece inexorável que a última fase da vida humana esteja muito mais próxima de ser um convite a um voo derradeiro, para a realização de velhos desejos e sonhos, do que da vetusta ideia de desaceleração da vida, e abdicação da alegria de viver, e de isolamento em um ninho para posterior definhamento e morte

Não sei se essa opção lhe interessa. Eu já coloquei meu nome no caderninho.  

 

Adriano Silva é fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft, Founder do Draft Inc. e Chief Creative Officer (CCO) do Draft Canada. É autor de nove livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV A República dos Editores.

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