Recompensar quem faz o bem e, assim, estimular ainda mais as pessoas a se engajarem em causas sociais é o grande objetivo da Gooders, startup que começou a operar em maio deste ano e tem como sócios os publicitários Fábio Procópio, 38, Murilo Moreno, 55, Sandro Andrade, 49 e André Rocha, 28. A ideia inicial foi do Fábio, CEO, que sempre foi engajado com filantropia, mas não via como esse tipo de ação poderia ajudar na autossuficiência das organizações sociais. Ele fala a respeito:
“Doar uma vez é legal, mas serve mais para aplacar nossa culpa. Era preciso ter algo mais duradouro”
Então, ele pensou em um negócio que pudesse fomentar o voluntariado e estimular as pessoas a participar cada vez mais de ações sociais. O que a startup faz é distribuir uma moeda social, chamada “gooders”, como recompensa pelo engajamento em atividades de impacto e, com isso, estimular mais gente a agir. “Quando você recebe benefícios, começa a dedicar mais tempo para o impacto social”. Os “gooders” podem ser trocados por recompensas em empresas parceiras. Há desde eletrodomésticos até vagas em coworking e desconto em passagem aérea.
Na plataforma da Gooders há uma lista de serviços que as organizações precisam e para os quais as pessoas podem se voluntariar. Ela escolhe, faz a ação e, depois disso, recebe os “gooders”. A empresa também faz parcerias com as entidades para que elas ofereçam diretamente a moeda à sua base de voluntários, ou seja, quem estiver em uma ação em determinado dia recebe o benefício. Fábio afirma:
“Não é um programa que paga as pessoas para fazer o bem. O pensamento tem que ser reverso: você é recompensado pelo bem que fez”
A tabela de conversões é a seguinte: uma ação social virtual vale 1 “gooders”; doações e participação em eventos com causa, “5 gooders”; ações de voluntariado de até 3 horas, 10 “gooders”; ações de voluntariado acima de 3 horas, 15 “gooders”. Por enquanto, essa moeda não tem um valor definido. “Nossa estratégia é, neste primeiro ano, deixar o valor livre para que cada marca precifique a recompensa com o número de “gooders” que ela entenda que seja justo. Consequentemente, o usuário poderá analisar qual oferta paga melhor. Ao final de um ano, faremos análises em cima dos ciclos efetuados e começaremos o nosso processo de valoração.”
A Gooders recebe uma porcentagem que varia entre 2% e 50% sobre a troca da moeda social. “Esse valor depende da estratégia de marketing da empresa. E a gente só recebe depois que a pessoa utiliza o benefício. Primeiro o impacto tem que ser feito”, diz o CEO.
A CUSTOMIZAÇÃO DE PROJETOS É UM JEITO DE GERAR IMPACTO SOCIAL
O risco da moeda social é que as pessoas não troquem seus “gooders” e, assim, a empresa não fature. Por isso, existe uma preocupação em ter recompensas que sejam interessantes. “A gente só vai errar se não souber escolher os parceiros”, afirma Murilo.
Até que essas conversões comecem a acontecer em grande volume, eles encontraram nos projetos customizados para empresas e parcerias com eventos uma forma de ter receita e manter a operação. Isso sem deixar de ter o impacto social no centro do negócio. Os projetos de comunicação ou engajamento podem envolver tanto os funcionários quanto os clientes da marca e, para serem aceitos, não podem ter apenas o viés de propaganda. “Não adianta a marca chegar e dizer que vai pagar milhões por um projeto. Se a empresa não entrega isso para o cliente, não fazemos porque não tem sentido.” Murilo alinda diz:
“O nosso negócio não é privilegiar venda ou marketing, mas fazer impacto social”
Um dos primeiros clientes nessa área é a rede McDonalds, para quem a Gooders está desenvolvendo um grande projeto de educação sustentável nas lojas da marca e que vai gerar “gooders” para os clientes. A precificação desses projetos é feita como no mercado publicitário, levando em conta o impacto, a audiência, a produção e outros fatores.
A área de entretenimento também entrou no radar da empresa que, neste ano, foi parceira do Greenk Tech Show, evento de tecnologia e sustentabilidade. Fábio diz: “Em vez de distribuir a moeda só em ONGs, entendemos que podíamos estar em outros lugares. Se eu fui ao Greenk (evento de tecnologia preocupado com descarte correto do lixo eletrônico), por que não ganhar “gooders” na hora de comprar o ingresso?”.
Outra forma de se rentabilizar mais rapidamente é com o desenvolvimento de programas educacionais de impacto. Já está no ar o curso Empreendedores do Futuro, uma parceria com a TechSoup e IBM para falar sobre tecnologias exponenciais, inovação e como isso tudo pode gerar impacto no mundo. Custa 99 reais e, ao se inscrever, a pessoa recebe “gooders” que podem ser trocado por desconto no próprio curso ou por benefícios na rede de parceiros.
O próximo passo da empresa é disponibilizar uma plataforma de marketplace na qual as organizações poderão colocar à venda seus produtos para gerar ainda mais receita e, quem comprar, ainda vai receber a moeda.
SOCIEDADE EQUILIBRADA: EXPERIÊNCIAS COMPLEMENTARES E IDADES DIVERSAS
A ideia de criar uma moeda social como recompensa por ações do bem surgiu de uma percepção de Fábio — que é sócio de Sandro em uma agência de publicidade em Belo Horizonte — de que havia uma necessidade das marcas de fazer marketing social e, na outra ponta, uma tendência das pessoas em consumir de marcas que fazem o bem. “Comecei a entender que isso podia virar um negócio. Quando descobri a economia 2.5, vi que havia um mercado e que aquilo fazia muito sentido para o que eu queria da vida”, diz o CEO. E complementa:
“O que a economia 2.5 prega é que é possível fazer algo rentável e deixar um legado. Se a gente não fizer agora, daqui a 50 anos não teremos mais nada”
Todos os fundadores, aliás, querem. A vontade de atuar em um mercado que seja lucrativo, mas que esteja colaborando com a construção de algo que beneficie o coletivo, é o que uniu os quatro nesta empreitada. Com idades que variam entre 28 e 55 anos, as experiências e perfis complementares dos sócios ajudou na construção do negócio. Fábio trabalhou com marketing dentro de veículos de comunicação em Minas Gerais antes de ter a própria agência, seu primeiro grande empreendimento.
Sandro tem experiência em prospecção e é considerado o “cara de pau”, aquele que bate na porta de clientes desconhecidos sem medo de recusa. Murilo tem uma consultoria, trabalhou com marketing em grandes empresas como Shell, Fiat e Nissan, já teve uma agência que, segundo ele, quebrou com a crise do Lehman Brothers e traz experiência, sensatez e bons contatos para a empresa.
O mais jovem do grupo, André, já empreende em uma marca de camisetas, a Pólen, conhece as novas tecnologias e tem a empolgação da juventude. “Buscamos complementaridade de competências e, quando vimos, havia essa diferença de idade que também acabou trazendo equilíbrio para a sociedade”, afirma Fábio.
Com uma previsão de faturamento de 3 milhões de reais para este ano, a Gooders começa a pensar em captar um aporte para escalar o negócio e aumentar o impacto. “Já fomos procurados por investidores, no começo, mas achamos que não era a hora. Queríamos validar o modelo para não correr o risco do impacto ser perdido.”
É PRECISO CUIDADO COM OS FEEDBACKS POSITIVOS
Em novembro do ano passado, os sócios levaram a Gooders para a Web Summit, em Lisboa (um dos maiores eventos de inovação e empreendedorismo da Europa), onde validaram o modelo de negócios e aceleraram o processo para colocar a empresa no mercado. “Ali, ouvimos investidores do mundo inteiro e vimos que estávamos no caminho certo”, conta Fábio.
A operação, de fato, começou em maio e houve um feedback positivo do mercado que fez, segundo eles, com que a receita crescesse mais do que o esperado e trouxe uma ansiedade que poderia tirar o foco do negócio a qualquer momento. Murilo e os outros sócios têm consciência disso:
“É fácil deixar a ansiedade tomar conta quando todo mundo está elogiando e dando boas ideias e, mais fácil ainda, se perder, correndo risco de não fazer impacto social”.
Essa ansiedade e até certa ingenuidade fizeram com que eles gastassem boa parte dos 120 mil reais do investimento inicial no desenvolvimento de uma tecnologia que não funcionou e, logo, precisou ser alterada. Na primeira versão da plataforma, criaram um sistema que seria integrado com as ONGs para que houvesse uma comunicação sobre quem participou das ações sociais. Porém, descobriram, depois, que a maior parte das organizações não tinha estrutura para receber a tecnologia.
Criaram, então, um sistema pelo qual a pessoa chegaria ao local da ação e fotografaria um QR Code para provar que esteve no local. Porém, existiam dois problemas.
O primeiro é que qualquer pessoa poderia fotografar esse código e mandar o link para uma lista de amigos. “A gente ia começar a distribuir moeda sem fazer o bem acontecer”, fala Fábio. O outro é que muitas ONGs não tinham estrutura para fazer um totem, imprimir o QR Code e gerenciar esse esquema.
A solução foi usar geolocalização para ter uma ferramenta de check-in e check-out. “Agora, quando a pessoa chega ao local da ação, ela faz check-in. Quando termina, faz o check-out. A gente recebe a informação e sabe que o voluntário esteve na ONG aquele dia, durante determinado número de horas e, aí sim, pode receber ‘gooders’”, conta Murilo. Com esse sistema eles também conseguem escalar o negócio, já que ficam livres de listas de presença a serem checadas.
RECONHECER ESFORÇOS COMO FORMA DE TORNAR O VOLUNTARIADO UM HÁBITO
Outro erro que cometeram, logo no começo, foi abrir a plataforma para que qualquer pessoa pudesse organizar uma ação social. “A ideia era ter um esquema de pirâmide do bem. Você organiza uma ação, ganha “gooders” por isso e quanto mais pessoas levar para aquela ação, mais “gooders” recebe. Mas a plataforma travou e a gente não conseguia aferir a veracidade da ação. Tivemos que tirar do ar”, diz o CEO.
Entre trancos e barrancos, os sócios aprenderam que toda a construção da tecnologia precisa ser pensada para a garantia do impacto social. “A gente não quer fazer desconto ou venda. A gente quer que a venda seja uma consequência do impacto. Temos que estar sempre atentos a isso”, diz Murilo.
Voluntariar-se é um ato espontâneo, que as pessoas fazem por amor, crença, dedicação. E não é fácil que alguém doe o seu tempo para uma causa porque exige muita disponibilidade. Por isso, tantas vezes, é mais fácil fazer uma doação em dinheiro. No entanto, o que os empreendedores perceberam é que as ONGs precisam mais do tempo do que do dinheiro das pessoas, principalmente as menores, que não têm uma grande estrutura. “Elas pedem gente para organizar o arquivo, fotografar um evento, fazer a contabilidade. São necessidades do dia a dia”, diz Murilo.
O que a Gooders acredita é que recompensar pelo trabalho voluntário é um jeito de reconhecer o esforço e a dedicação que elas têm ao sair da zona de conforto para trabalhar pelo outro e que isso pode ser um estímulo para que mais pessoas experimentem esse tipo de atividade, transformando essa atitude em um hábito.
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